Um dos homens responsáveis pelas vendas dos feijões adulterados na Rodoviária do Plano Piloto negou que soubesse da fraude. Por telefone, Diego Silvestre Silva alegou ao Correio que compra os grãos nas mãos de um fornecedor, em Marajó, a caminho de Unaí. Nesta sexta-feira (7/10), o Correio publicou uma reportagem exclusiva sobre a comercialização de feijões no terminal, em que ambulantes vendem o feijão fradinho para imitar o de corda, que tem o valor do quilo mais caro. Enquanto o fradinho custa em torno de R$ 6,50, o verde chega a quase R$ 20.
Ao longo de três semanas, o Correio esteve na Rodoviária e observou como funciona a venda. Diego e um outro rapaz se revezam nas duas escadas rolantes da plataforma inferior em horários distintos, de terça-feira a sexta-feira. O feijão é vendido por litro e medido em uma lata de óleo, que custa R$ 10 e R$ 15. Para constatar a divergência nos grãos, a reportagem conversou com especialistas da área (leia Diferença).
Diego diz que desconhecia que o feijão fosse o fradinho e, ao ser questionado sobre a suposta fraude, relatou que há sete dias não vai mais à Rodoviária por estar recebendo reclamações. “Parei por causa de um monte de problemas. Eu pegava os feijões com um cara. Nunca fui lá. Na verdade, peguei o contato dele (fornecedor) com um amigo meu”, alegou.
O respectivo fornecedor seria de Marajó e estaria revendendo feijões desse tipo para todo o Distrito Federal. Diego afirma que pagava R$ 200 pela bacia com feijões “verdes”. “Era o equivalente a 40 latas. Cada lata custa R $5. E eu vendia a R$ 10.”
Vender mercadorias cuja especificação esteja em desacordo com a classificação oficial, misturar produtos de espécies diferentes para vendê-los como puros ou fraudar preços por meio da alteração de alimentos é crime e a pena pode chegar de 2 a 5 anos de detenção e multa.
Diferença
Marcelo Luders, presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), no Paraná, certificou a divergência. “De fato, é uma fraude fácil de detectar, mas os clientes, muitas vezes, acabam não notando essa diferença e também não tomam a iniciativa de reclamar. Deixam passar”.
Marcelo explica que tanto o feijão verde quanto o fradinho são da mesma espécie. O que difere um do outro é o tempo de colheita. "Chamado de Vigna, esse tipo de feijão quando é colhido ainda não estando maduro, trata-se do feijão verde, que é muito utilizado na culinária nordestina. Já o outro, você deixa secar totalmente." O especialista se mostra assustado quanto à audácia dos criminosos. "Trabalho há quase 30 anos no mercado e nunca tinha escutado falar nesse tipo de golpe, porque de fato não é algo frequente”, completou.
O professor de agronomia da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília (FAV/UnB) Marcelo Fagioli argumenta que o feijão verde é mais caro justamente pelo cuidado no momento da colheita porque tem poucas safras durante o ano. “Ele tem um período de prateleira menor. Enquanto o fradinho, que é seco, fica por muito tempo nos supermercados, por exemplo, o verde precisa ser consumido mais rápido”, esclarece.
A discrepância nos preços entre os dois tipos de feijões pode ser explicada pelo processo da colheita, que ocorre de forma manual ou mecanizada. Um dos indicadores para saber se o feijão verde está pronto para ser colhido são quando as vagens tornam-se fibrosas e, com isso, exige mais cuidado na hora da recolha. “O feijão-verde geralmente é colhido à mão, como se fosse uma hortaliça. Essa é a principal diferença com o fradinho. Já o seco, as sementes vão se soltando sozinhas da vagem”, ressalta o agrônomo Rogério Vianna, da Gerência de Agricultura Urbana da Emater-DF. O especialista acrescenta ainda que, para se chegar ao feijão-fradinho, leva-se ao menos um mês.
O Correio conversou com duas pessoas que compraram o feijão adulterado na Rodoviária e preferiram não se identificar. Uma mulher relatou à reportagem que, ao colocar o grão para cozinhar, a água ficou totalmente esverdeada. “Eu me senti lesada. Não percebi nada na hora da compra. Só quando cheguei em casa e fiz, que notei a água toda verde”, disse. Ela conta que pagou R$ 10 pelo litro e decidiu não retornar para reclamar.
Um outro rapaz afirmou também ter adquirido os feijões no mesmo ponto. “Assim que cozinhei, vi que tinha algo de errado. Cheguei a voltar no local e reclamei, mas fui avisado que não era para ‘atrapalhar o esquema deles’. Aí, deixei para lá.” A reportagem também fez o experimento e colocou os feijões para cozinhar e comprovou que, de fato, a água ficou com a tonalidade verde.
Na análise dos especialistas, não é comum ou normal sair qualquer tipo de cor esverdeada do feijão de corda. “A cor básica que sai é um tom meio marrom, que é normal”, argumenta o presidente do Ibrafe, Marcelo Luders. O feijão-verde também é mais úmido e tem uma textura amolecida, diferentemente do grão seco do fradinho. “É possível que esse feijão (fradinho) tenha passado por um pré-cozimento e, depois, tenha sido tingido com algum tipo de corante”, supõe o profissional.
Saiba Mais
- Cidades DF Ambulantes vendem feijão adulterado na Rodoviária e enganam consumidores
- Cidades DF Jovem leva tiro no peito após discussão com namorado na Vila Telebrasília
- Cidades DF Flanelinha que esfaqueou morador de rua na Asa Sul é preso pela PCDF
- Cidades DF Saiba como funcionava laboratório para refino de cocaína no Entorno do DF
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.