O recordista de votos para a Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), Fábio Felix (PSol), fez um balanço da atuação do primeiro mandato, nesta quinta-feira (6/10), no CB.Poder, programa feito em parceria pelo Correio e TV Brasília. Ao jornalista Carlos Alexandre de Souza, o assistente social, que conseguiu mais de 51,7 mil votos, adiantou que vai priorizar assistência social, saúde e direitos humanos na próxima legislatura. Ao afirmar que vai às ruas "virar votos", ele defendeu a eleição do ex-presidente Lula (PT) no segundo turno, a quem chamou de único candidato com "condições de construir um terreno democrático, até para divergirmos." Lula, que enfrenta Jair Bolsonaro (PL) em 30 de outubro, acumulou 36,85% dos votos dos brasilienses na primeira etapa das eleições de 2022, contra 51,65% do atual ocupante do Palácio do Planalto.
Como foi o dia das eleições?
Foi impactante. Esperávamos um resultado positivo, porque foi um mandato de muito trabalho e muita entrega para a população do DF, especialmente na defesa dos direitos humanos e em pautas plurais, mas nos surpreendeu um resultado tão expressivo. Esperava ser reeleito, mas ser o mais votado da história do DF é impactante. Foi um recado importante dado nas urnas: pelas pautas que a gente defende, que muitas vezes são secundarizadas, por ser um mandato de oposição e independência em relação ao governo do DF, e por ter sido o primeiro deputado LGBT eleito e, agora, o mais votado. Isso mostra que há espaço para os progressistas e construções alternativas no DF.
Quais pautas o senhor tratou no primeiro mandato, pretende continuar agora e que o eleitor reconheceu?
Foi um mandato de múltiplas pautas. Somos só 24 distritais, temos de atuar em muitas frentes. Fui presidente da Comissão de Direitos Humanos nesses quatro anos, ainda sou. Tive que atuar enfrentando despejos, fiscalizando o sistema prisional, combatendo LGBTfobia, machismo e racismo, violações de direitos humanos no campo do trabalho na educação, por meio de projetos pedagógicos inclusivos, seja para crianças e adolescentes com deficiência ou outros temas dentro do âmbito escolar. Com a pandemia, fui aos principais hospitais do DF, com fiscalização cotidiana, vendo as condições de atendimento dos usuários e de trabalho dos profissionais. Fui presidente da Comissão Especial da Vacina, lutando por imunização para toda a população, e fui o relator da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Feminicídio, que apontou diversos problemas na rede de atendimento e prevenção da violência contra a mulher. Alcançamos muitas pautas e mostramos que um LGBT, ao contrário do que as pessoas pensam, não trata só das pautas LGBT, mas tem condições de atuar em múltiplas frentes para defender a população.
Em relação ao combate ao feminicídio, o que foi realizado em termos de trabalho parlamentar e o que precisa ser feito?
Percebemos que um dos principais problemas é a falta de articulação de políticas públicas. Há diversas portas de entrada mas nenhuma efetiva. Mesmo com medida protetiva de urgência (MPU) no bolso, essas mulheres não têm telefone seguro para ligar e fazer acompanhamento. Muitas delas morreram, inclusive, com essa medida urgente. Não adianta passar por vários serviços diferentes e não receber auxílio, benefício social, acolhimento institucional e a possibilidade de fazer a denuncia real. Falta articulação e integração nas diferentes políticas públicas, como saúde, educação e assistência social. Além disso, falta proteção no pós-denúncia. A MPU precisa de acompanhamento sistemático. Outra coisa importante é romper a dependência econômica. Para isso, precisa de benefício social, de forma emergencial, não dá para esperar o CadÚnico (Cadastro Único). O depósito tem de ser imediato, para manter o filho na escola, se alimentar e se afastar do perigo. São coisas muito básicas. Muitas vezes, a mulher quer retirar a denúncia porque precisa comer. Precisamos de uma Secretaria da Mulher que funcione, com articulação com outras políticas. O DF tem estrutura e servidores que entendem da área, especialmente servidoras mulheres. Os movimentos de mulheres da sociedade civil e os servidores do sistema de Justiça entendem muito sobre isso. O GDF precisa ouvir e criar uma coordenação organizada. Não podemos dar ouvidos à péssima ideia do governador de esconder os casos de feminicídio. Isso é grave. Temos de dar visibilidade, até para entendê-los e combatê-los.
Qual é a proposta específica para a assistência social?
Sou assistente social de formação. O DF precisa unificar os programas sociais em torno de uma renda básica de cidadania distrital. É necessário e urgente combater a pobreza. Isso precisa incluir, claro, atendimento psicossocial nas unidades, encaminhamento para oportunidades de formação profissional, educação e emprego. Mas a renda básica distrital é fundamental e complementar ao que acontece no Brasil. E o DF tem recurso para isso.
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Há problemas no atual modelo de assistência social?
É um modelo descentralizado, com benefícios de difícil acesso e repartidos. Hoje, há incapacidade de atendimento, com muitas filas e falta de profissionais. As pessoas recebem a primeira parcela, conseguem alugar uma casa e não recebem mais as outras parcelas, ou recebem com atraso. Há uma série de descontinuidades que precisam ser combatidas.
Para o segundo mandato, qual trabalho pretende desenvolver nas comissões da CLDF?
Estamos cobrando as recomendações feitas pela CPI do Feminicídio e esperando que o governo execute, porque muita coisa ainda não foi feita. Vamos continuar atuando na Comissão de Direitos Humanos, muita necessária e que transformamos em referência nacional. Saímos de 60 a 80 denúncias por ano para mais de mil, abrindo a porta para a população do DF. Vamos começar um processo de negociação (sobre a composição das comissões) que envolve muitos atores (da CLDF). Quero atuar em diferentes pautas, projetos relacionados ao serviço público e mobilidade.
Quais vão ser suas pautas prioritárias no segundo mandato?
Sem dúvida, vai continuar parecido com o primeiro mandato: independente, que trabalha para a população, de portas abertas, com acessibilidade contínua. Não esperem um deputado que vai ser um 'puxadinho' do governador, mas que vai fiscalizar todas as ações, comprometido com a defesa dos direitos humanos. Muitas pessoas ainda têm uma visão equivocada sobre isso e pretendemos continuar dando muita força, mostrando que direitos humanos são para todo mundo, e fortalecendo a rede de enfrentamento à violência e violações em geral. Há, ao menos, duas pautas que precisamos dar atenção especial: assistência social, que hoje tem gravidade enorme, com mais de 300 mil pessoas em situação de insegurança alimentar; e atuar na saúde pública, que está abandonada.
O governador Ibaneis Rocha venceu no primeiro turno. Como pretende atuar enquanto oposição?
Espero que os parlamentares tenham atuação independente. A CLDF não pode ser um puxadinho do governador do DF. Essa é a expectativa que temos. Infelizmente, o governo coloca um aparato enorme na Câmara e tenta colonizá-la. Isso acontece em diferentes governos.
Pela formação eleita, como isso vai se desenhar?
Tem pontos positivos. Temos ampliação do bloco de esquerda, com o PT passando de dois para três deputados (Chico Vigilante, Gabriel Magno e Paulo Tadeu), o PSol subindo de um para dois parlamentares (Max Maciel, além de Felix) e o PSB elegendo uma deputada (Dayse Amarílio), que tem história de defesa da saúde e dos trabalhadores. Isso vai fortalecer o trabalho.
Há perspectiva de união de forças ou vai ser como a corrida eleitoral para o Buriti, em que a esquerda estava dispersa?
Temos possibilidade de união de forças. Pretendemos nos reunir na semana que vem para articular um bloco. Independentemente da estratégia legislativa, é importante unir forças na oposição, trazendo pautas e agendas de esquerda para o próximo período.
Como o tema LGBTQIA precisa ser abordado no DF?
A representatividade é fundamental na política. O fato de eu ser um ativista LGBTQIA na política é importante que seja afirmado o tempo todo, porque precisamos mais de nós nos espaços de poder. Mas, de forma alguma, isso resume ou sintetiza minha atuação parlamentar. Eu sou o deputado da vacina, da fiscalização da saúde, do enfrentamento à máfia dos transportes públicos e à violência contra a mulher, o defensor dos direitos humanos. Nas campanhas, em 2014 e 2018, muita gente falava que não iria votar em mim porque eu iria falar só de LGBT na câmara. Não, nós, LGBTs, podemos falar de muitas pautas. Meu mandato foi o exemplo de que a nossa capacidade vai muito além da orientação sexual e da identidade de gênero. É uma inovação estarmos na política e mostrar que podemos representar muitas vozes. Precisamos ampliar a capacidade de compreensão. Todo o segmento LGBT anda de ônibus, acessa a saúde pública e frequenta a escola. Ser LGBT não resume a existência de ninguém, precisamos pensar no todo. Todas as políticas públicas precisam ser levadas em consideração.
Qual será sua prioridade na fiscalização?
Existe um drama nesta cidade, que é o transporte público. É de péssima qualidade, as empresas faturam mais de R$ 1,1 bilhão por ano do Estado e não entregam o serviço prometido, com frota renovada e ônibus limpos, além de não cumprirem os horários. Tem uma máfia, uma caixa preta. É preciso uma mudança estrutural. Precisamos de todos os dados e vamos pressionar o GDF para realizar uma nova licitação, com participação de mais empresas, com mais transparência e abertura das planilhas de lucros das empresas. As tarifas que os usuários pagam é muito cara dado os repasses do governo.
Como vê o impacto da pandemia na educação do DF? Pretende dar mais atenção a quê?
Temos um problema estrutural e precisamos recuperar o tempo perdido. O governo não fez os investimentos em tempo hábil para garantir o ensino remoto, e isso tem consequência para formação dessas crianças e adolescentes que perderam dois anos escolares. É preciso pensar numa compensação para o próximo período, é algo que precisará ser pactuado com os técnicos da área. A segunda questão é os investimentos nas escolas. Hoje, são mais de 670 escolas no DF que precisam de mais recursos. Há um ganho, que veio lá de trás, com o PDAF (Programa de Descentralização Administrativa e Financeira). É preciso ampliar o acesso a esses recursos, para produzir mais planejamento, reformas e projetos pedagógicos.
Vai atuar no segundo turno das eleições presidenciais? Com qual candidato? Vai desempenhar quais papéis?
Acho que não temos só notícias ruins no DF. A votação de Lula melhorou muito em relação às eleições passadas no DF, então há mais espaço para dialogar (em 2018, Fernando Haddad, candidato de Lula, conquistou, no DF, 16,6% no primeiro turno e 30,01% no segundo). Meu partido e meu apoio continuam com Lula. Faremos todos os esforços possíveis para elegê-lo e diminuir a diferença para o Bolsonaro no DF. Nossa ideia é começar, a partir de amanhã (hoje), campanhas nas rodoviárias de diferentes cidades do DF para virar votos. Muita gente indecisa ou que apostou em uma terceira via pode, agora, perceber que o mais importante é defender a democracia. Não se trata, simplesmente, da defesa de Lula ou de quem ama o PT, mas, sim, de manter as instituições de pé, fortalecer as políticas públicas, enfrentar a pobreza e (ter) política educacional estruturada. Ontem mesmo, o governo federal raspou os cofres das universidades e institutos federais. Isso mostra o abandono da educação pública brasileira. É hora de investir na educação e isso é feito defendendo a democracia e quem, minimamente, vai manter as políticas públicas funcionando. Neste segundo turno, meu apelo à população do DF é que não se trata do personagem Lula, se trata da defesa da democracia brasileira. E o único candidato do segundo turno que tem compromisso com a democracia, com a Constituição de 1988, com os direitos humanos e com a dignidade das pessoas, inclusive a liberdade religiosa e a garantia do direito à religião e ao templo, é Lula. Por isso, o voto de quem votou no Ciro (Gomes, do PDT), na Simone Tebet (MDB) e em outros têm de migrar para o Lula, assim como quem está indeciso e não compareceu às urnas. Ele tem condições de construir um terreno democrático, até para divergirmos.
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"O DF precisa unificar os programas sociais em torno de uma renda básica de cidadania distrital. É necessário e urgente para combater a pobreza"