Morreu, na madrugada de segunda-feira (3/10), Adriano Lafetá, um dos mais precisos, corretos, críticos e elegantes jornalistas de sua geração. Trabalhou no Correio Braziliense de 1985 a 2014 exercendo as funções de repórter e subeditor de Opinião, compartilhando conhecimento e um sorriso quase constante. Trabalhou também na TV Brasil/EBC.
Tão discreto quanto agudo nas percepções da vida política brasileira, com posicionamentos sempre democratas e à esquerda, Lafetá era daquelas pessoas que se quer sempre por perto. Discreto mas assertivo, sorridente mas agudo nas formulações sobre os acontecimentos da conjuntura nacional e internacional, sabia muito mais do que nos fazer crer que soubesse.
Nascido em Montes Claros, norte de Minas, se orgulhava de ser conterrâneo do antropólogo Darcy Ribeiro, com quem os pais de Lafetá conviviam e debatiam a vida brasileira. Cruzeirense desde criancinha, fez teatro na cidade natal e depois seguiu o caminho dos irmãos mais velhos: foi fazer o ensino médio em Belo Horizonte. De Minas para o DF, veio fazer jornalismo na Universidade de Brasília (UnB). Filho de uma das mais antigas famílias de Montes Claros, poucos sabiam da linhagem intelectual do jornalista. Quando alguém descobria que era irmão de João Luís Machado Lafetá (1946-1996), Adriano sorria com timidez e orgulho. Os olhos marejavam: crítico literário, professor da Universidade de São Paulo (USP), João Luís é um dos mais reverenciados estudiosos da obra de Mário de Andrade, discreto como o irmão jornalista. Com um domínio perfeito das complicadas regras da língua portuguesa, Adriano editava textos com a humildade de um revisor inexperiente e o rigor de um professor dos liceus de antigamente.
Diagnosticado há três anos com LLC (leucemia linfocítica crônica), sabia que a covid-19 era a maior ameaça. Não ser contaminado "era praticamente uma missão impossível. Isolei-me o quanto pude. Agarrei-me a todo tipo de proteção. Quatro doses de vacina no braço. Reforço com anticorpos (Evusheld), recomendado a imunocomprometidos. Vacinas contra pneumonia e gripe em dia", relatou Lafetá nas redes sociais. Com a leucemia em remissão, foi infectado pelo vírus em agosto passado. Seguiram-se internações, melhoras, altas e recaídas. Sem poder assistir ao jogo do Cruzeiro (1x1 contra o Chapecoense), no Mané Garrincha, dia 13 de agosto, recebeu um áudio com os gritos de guerra da torcida cruzeirense. O nobre coração cruzeirense amoleceu de tanta alegria diante da excepcional campanha da nação da cor do céu.
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Texto primoroso
Editora de Opinião do Correio, Dad Squarisi trabalhou com Lafetá lado a lado durante 15 anos: "Foi um dos melhores funcionários que já tive em toda a minha vida. Muito competente, ético, extremamente ético, além de ser um grande amigo, amigo dos amigos. Os amigos podiam contar com ele em qualquer circunstância. Sei que é um clichê, mas hoje ficamos muito mais pobres. Estou muito triste". O jornalista Silvestre Gorgulho enalteceu o texto primoroso de Lafetá e disse que ele "se despede da vida com um legado de exemplos pessoais e profissionais". Em nota oficial, o Sindicato dos Jornalistas do DF realçou a postura firme de Lafetá "na defesa da comunicação pública e na resistência a toda forma de censura às jornalistas e aos jornalistas".
Companheirismo
Mesmo na UTI, Lafetá seguia contestando a política negligente de combate à covid-19. Sua última postagem nas redes sociais foi um vídeo que resumia as declarações nefastas do presidente Bolsonaro nos momentos mais graves da pandemia. O post tinha o título: "Que vença a torcida pela vida. Que vença a vida!", escreveu 11 dias antes de morrer. Derrotado pela covid-19, em quadro de frágil imunidade, Lafetá deixa um exemplo de decência, discrição, rigor e alegria, rara composição de virtudes em um tempo de qualidades tão fragmentadas. "Meu pai era uma pessoa apaixonada por tudo aquilo em que acreditava e acreditava num Brasil mais justo e mais inclusivo", disse Débora, uma das duas filhas.
O eleitor Adriano Lafetá não pôde votar no dia 2, mas deixou seu voto revelado com a coragem e a clareza de sempre: "Ainda hoje custo a acreditar que este país elegeu presidente o mais repugnante dos seres. Um cara que se gaba de ter como ídolo o primeiro militar condenado pela Justiça brasileira pela prática de tortura durante a ditadura. Os ídolos de uns certamente não são ídolos dos outros. Jamais vi o Santo Nome ser tão usado em vão. Depois do 'e daí?', do 'não sou coveiro', do 'todos vão morrer um dia', não me surpreendi que o sujeito tivesse a suprema maldade de imitar uma pessoa agonizando por falta de oxigênio que caberia ao governo dele fornecer. Enfim, há caminhos diversos nesta vida. E cada um escolhe o seu".
Adriano Machado Lafetá soube escolher o caminho mais belo: o da dignidade, incansável indignação, companheirismo raro e afeto derramado, como sabem melhor do que nós, a sua mulher, Vânia, as filhas Débora e Marina e o netinho, Tom. "Ele era um ser humano da melhor qualidade. Tanto assim que eu pensei que ele não havia aguentado a dor de ver o Brasil do jeito que está. Mas depois vi que o motivo da morte dele era outro. Ele era uma pessoa elegante, inteligente, humana e serenamente firme", recorda-se Severino Francisco, editor e cronista do Correio.
Aos que quiserem se despedir de Adriano Lafetá, o velório será nesta terça (4), das 12h30 às 14h30, na Capela 5, e o sepultamento às 15h, no Campo da Esperança.
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