Cultura

Exposição leva a beleza e o modernismo de Brasília para Lisboa

Exposição no Museu dos Coches poderá apreciar mais de 300 obras, entre documentos, fotografias, maquetes, pinturas que retratam toda a saga que foi a criação da capital do Brasil

VICENTE NUNES Correspondente
postado em 09/09/2022 06:00
 2022. Crédito: Miguel Aun/Divulgação. Cultura. Exposição "Brasília - Da utopia à Capital" é o resultado de extensa pesquisa de Danielle Athayde. -  (crédito:  Solange Souza/Divulgação)
2022. Crédito: Miguel Aun/Divulgação. Cultura. Exposição "Brasília - Da utopia à Capital" é o resultado de extensa pesquisa de Danielle Athayde. - (crédito: Solange Souza/Divulgação)

Lisboa — No início dos anos de 1750, um dos homens mais poderosos de Portugal, o Marquês de Pombal, que planejou a reconstrução de Lisboa após um terremoto que a destruiu, manifestou interesse em transferir a capital do Brasil, então colônia portuguesa, de Salvador para o interior do país. Ele acreditava que uma cidade mais central não só ficaria protegida de potenciais ataques e de doenças, como seria fundamental para o desenvolvimento e a diversificação da economia brasileira, claro, com benefícios para o reino de dom José I. Para tal empreitada, o primeiro-ministro português contratou o cartógrafo italiano Francesco Tosi Colombina, explorador, geógrafo e engenheiro militar. É dele a carta Geográfica de Goiás, que realçava o valor estratégico do Planalto Central.

  • 2022. Crédito: Rui Faquini/Divulgação. Cultura. Exposição "Brasília - Da utopia à Capital" é o resultado de extensa pesquisa de Danielle Athayde. Rui Faquini/Divulgação.
  • 2022. Crédito: Miguel Aun/Divulgação. Cultura. Exposição "Brasília - Da utopia à Capital" é o resultado de extensa pesquisa de Danielle Athayde. Solange Souza/Divulgação
  • 2022. Crédito: Miguel Aun/Divulgação. Cultura. Exposição "Brasília - Da utopia à Capital" é o resultado de extensa pesquisa de Danielle Athayde. Brasil Museu Aberto/Divulgação
  • Danielle Athayde: "Mostra de altíssimo valor cultural" Miguel Aun/Divulgação
  • 2022. Crédito: Fábio Colombini/Divulgação. Cultura. Exposição "Brasília - Da utopia à Capital" é o resultado de extensa pesquisa de Danielle Athayde. Ponte JK. Fábio Colombini/Divulgação
  • 2022. Crédito: Brasil Museu Aberto/Divulgação. Cultura. Exposição "Brasília - Da utopia à Capital" é o resultado de extensa pesquisa de Danielle Athayde. Maquete de Brasília. Brasil Museu Aberto/Divulgação
  • 2022. Crédito: Brasil Museu Aberto/Divulgação. Cultura. Exposição "Brasília - Da utopia à Capital" é o resultado de extensa pesquisa de Danielle Athayde. Igrejinha. Brasil Museu Aberto/Divulgação

Os projetos do Marquês de Pombal acabaram não avançando e a capital do Brasil migrou de Salvador para o Rio de Janeiro, mas os planos de interiorização do país nunca saíram do radar dos futuros governantes. Tanto que, logo após a independência brasileira, em 1822, que completou 200 anos na última quarta-feira, o poderoso José Bonifácio de Andrada e Silva, responsável pela primeira Constituição do Brasil, fez uma contundente defesa da construção de uma nova capital, mais ao centro do território nacional, com o objetivo de estimular o comércio do país. Sugeriu dois nomes: Petrópolis e Brasília. No início dos anos de 1890, já com o Brasil republicano, a Missão Cruls demarcou o que seria o Distrito Federal. Mas foi somente em 1960, pelas mãos de Juscelino Kubitschek, que finalmente Brasília nasceu.

Esses mais de 300 anos de história entre os primeiros estudos para a construção de uma capital no Brasil central e o Distrito Federal de hoje poderão ser conhecidos, em detalhes, na exposição Brasília — da utopia à capital, que será lançada em 14 de setembro, em Lisboa, e se estenderá até 31 de outubro, com o apoio do Correio. A mostra, com um acervo de quase quatro toneladas, ocupará o tradicional Museu dos Coches, situado às margens do Tejo, no charmoso bairro de Belém. "A exposição está circulando pelo mundo desde 2010. Portugal é o 12º país a receber essa mostra de altíssimo valor cultural", diz a curadora Danielle Athayde, lembrando que o acervo estava guardado havia dois anos em Roma, pois a exibição foi interrompida pela pandemia.

Ainda desconhecida

Brasília, reconhece Danielle, ainda é uma grande desconhecida da população estrangeira. Quando a exposição aportou na Índia, em 2012, a maioria dos visitantes sequer tinha ouvido falar da cidade. A crença era de que a capital do Brasil ou era São Paulo ou Rio de Janeiro. Desconhecimento à parte, o encanto era geral pela história e pela beleza do Distrito Federal. E não é para menos. Brasília, por sua obra arquitetônica única, recebeu o título de patrimônio da humanidade concedido pela Unesco, órgão das Nações Unidas (ONU) para a educação. Isso, aos 27 anos. "Não há caso semelhante no mundo", afirma Danielle. Todas as demais cidades agraciadas com a mesma condecoração eram milenares.

O público que for ao Museu dos Coches poderá apreciar mais de 300 obras, entre documentos, fotografias, maquetes, pinturas. Foram necessários dois anos para que a curadoria montasse o acervo entre coleções públicas e privadas. Antes de Roma, as obras foram exibidas em Moscou, durante a Copa do Mundo de 2018. Para Danielle, retomar a mostra em Portugal tem um valor especial, não apenas porque este é o ano do Bicentenário da Independência do Brasil, mas também porque a primeira notícia sobre a possibilidade de o país ter sua capital no Planalto Central remete aos anos de 1750, com Marquês de Pombal sugerindo ao então príncipe regente a troca de cidades, de Salvador para um local mais central.

"O Brasil é um país continental, e o Marquês de Pombal, com sua postura visionária, percebeu que seria muito importante ocupar o país, não limitar a colonização às áreas costeiras", ressalta a curadora. Outro ponto relevante é que a exposição ocorrerá no museu que foi restaurado por um grupo de arquitetos liderados pelo brasileiro Paulo Mendes da Rocha, que morreu em 2021 e é um dos maiores expoentes da arquitetura mundial, tão famoso quanto Oscar Niemeyer, o grande responsável pela Brasília monumental. "Felizmente, quando decidimos retomar a mostra, encontramos o Manuel Roque, do Museu dos Coches, que nos ajudou a viabilizar o projeto", ressalta Danielle.

Artistas monumentais

A exposição, acredita a curadora, tem tudo para surpreender os visitantes. "Vamos mostrar a Brasília moderna, mas percorrendo a história de mais de 300 anos. Falamos do marco zero, da pedra fundamental, da Missão Cruls, até chegar aos modernistas de 1960", explica. A exibição conta com a coleção de Izolete e Domício Pereira, pioneiros que chegaram ao Planalto Central em 1959, antes, portanto, da inauguração de Brasília. O acervo, que tem como representante Cláudio Pereira, consultor histórico da exposição, reúne um conjunto de obras assinadas por Niemeyer e Lucio Costa, vencedor do projeto urbanístico que resultou na nova capital.

Não é só. Estão na mostra Athos Bulcão, autor de fachadas, pinturas e azulejos que dão cor ao concreto e se integram à natureza; Marianne Perreti, autora dos vitrais da Catedral Metropolitana; Alfredo Ceschiatti, escultor dos anjos da Catedral; Bruno Giorgi, responsável pela obra Meteoro, instalada em frente ao Palácio do Itamaraty; Roberto Burle Marx, criador dos principais espaços públicos da cidade; e Maria Martins, escultora com várias obras que contribuem para que Brasília seja considerada um museu a céu aberto. Tudo isso conjugado a louças, mobiliários e objetos pequenos que fazem muita diferença.

Também estarão à disposição do público uma série especial sobre Brasília preparada pelo pintor mineiro Carlos Bracher e um acervo fotográfico que revela, ao longo do tempo, todo o processo de construção da capital e suas transformações até os seus atuais 62 anos. Os registros foram feitos pelas lentes de Peter Scheier, Marcel Gautherot, Jean Mazon, Mario Fontenelle, Jesco Puttkamer, Gabriel Gondim, Raymond Frajmund, Rui Faquini e Orlando Brito, entre outros. A curadora lista, ainda, a série Mandrágora do Cerrado, com esculturas de Naura Timm, e obras do pintor Tarciso Viriato. Tudo foi selecionado com muito cuidado, dentro de uma linha do tempo, para que o público compreenda da melhor maneira possível o gigantismo de Brasília.

Há, ainda, uma surpresa que promete encantar os visitantes da exposição: a maquete de Brasília, que foi construída por Antônio José Oliveira, o mesmo autor daquela que está na Praça dos Três Poderes. A peça em exibição na mostra é uma revisitação da original, totalmente moderna. Está sobre um painel de uma fotografia digital, com todas as peças construídas a laser. "É uma maquete muito especial, muito bonita. Ela é feita para viajar. A ideia é que o visitante entenda o que é o plano urbanístico de Lucio Costa. É um avião, é um pássaro, o que é a cidade, o que é a Asa Sul, o que é Asa Norte? Com essa maquete, a gente consegue explicar às pessoas o que elas não conseguem entender", detalha Danielle.

Descaso com a cultura

A euforia com que a curadora fala da exposição não esconde, porém, as dificuldades enfrentadas para manter de pé esse projeto itinerante, com custo pesadíssimo, dada a sua dimensão. "Não há, hoje, o apoio adequado à cultura no Brasil, nem por parte do governo, nem da iniciativa privada. Há um abandono", lamenta. "Levar a mostra a cada país pela qual passou foi um sacrifício. E, nesses últimos dois anos, tudo se complicou por causa da pandemia do novo coronavírus", diz. "Foi muito sofrimento, tivemos que nos reinventar."

Para custear a manutenção do acervo em Roma, Danielle lançou o projeto Brasília, museu aberto, que está na terceira edição. "Foi um período difícil, mas estamos em Lisboa e tenho certeza de que a exposição será um sucesso, como foi em todos os lugares pelos quais passamos. O público que apreciou o nosso acervo já passa de 400 mil pessoas", afirma. "Estamos falando de uma exposição muito importante, que merece todo o apoio possível", acrescenta.

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