A política envolve as relações de poder que ditam os rumos de uma sociedade. Um tema tão importante que, não raramente, perpassa pelos jantares em família, papos de mesa de bar, ambiente de trabalho e, até mesmo, nas relações amorosas. Com a proximidade do primeiro turno das eleições, esses debates podem ficar mais intensos. Entretanto, especialistas alertam para a importância de manter o respeito nos ambientes de divergência para garantir a saúde mental e a boa convivência.
A preocupação tem justificativa. Desde 2018, os embates políticos ganharam notoriedade nas redes sociais e em diferentes ambientes físicos. De acordo com a cientista política da Universidade de Brasília (UnB) Camila Santos, "ainda ocorre o rompimento de laços por conta de opiniões políticas. Muitas pessoas, até para evitar desgaste, preferem não conversar sobre política", avalia.
Apesar dos obstáculos da convivência em sociedade, Camila reforça que um dos pontos fundamentais da democracia é o respeito à tolerância e às diferenças políticas. A especialista analisa que, antes de 2018, as pessoas eram mais condescendentes com posicionamentos contrários, mas houve uma onda de radicalização em alguns grupos. "Há todo um processo de educação para que seja perceptível que as diferenças são normais, em todos os quesitos da vida, e isso também se aplica para a política. É necessário respeitar as opiniões dos outros, independentemente de se concordar ou não", aponta Camila.
Para evitar desavenças, Paloma Silva, 22 anos, e Adriano Batista, 25, acordaram em não falar mais sobre política e, assim, não entrar em brigas mais acaloradas. "É uma tarefa fácil, mas em ano de eleição é quase impossível. Geralmente, o mais polêmico é falar sobre os candidatos à Presidência. Daí a gente não fala, e quando um fala, o outro apenas escuta e geralmente muda de assunto quando não concorda", conta Paloma.
Com esse limite, o casal consegue conviver bem, apesar das diferenças. Para a jovem, que é estudante de psicologia, é possível dialogar sobre tudo, desde que haja respeito e compreensão na fala, sem atacar ou provocar o parceiro. Na visão dela, muitas pessoas tomam para si verdades absolutas enraizadas no discurso de ódio, o que provoca fracasso nas relações interpessoais, não permitindo que elas enxerguem novos horizontes e saiam da bolha.
Paloma acredita que o sentimento pelo namorado está acima da política, algo que, para ela, é a única coisa capaz de combater essa incessante briga entre lados e grupos. "O amor é capaz de salvar as pessoas de qualquer situação, o amor anda junto com a gentileza, empatia, bondade e, dessa forma, conseguimos estabelecer qualquer tipo de relação", afirma.
Respeito mútuo
Para muitas famílias, os debates políticos acalorados persistem nos grupos desde a última eleição e, agora, podem ficar mais tensos, seja em casa ou em ambientes virtuais. Kaio Araujo Mendes, 28, comenta que, entre os parentes, divergências sempre aparecem. No entanto, esses momentos, como ele mesmo descreve, "jamais inviabilizaram conversas ou jantares de família em paz". O estudante de ciências políticas, em tom descontraído, às vezes diz não entender como os familiares ainda conseguem estar juntos.
Talvez, segundo ele, seja porque a família nunca levou os atritos para o coração. "Houve discussões por horas, inclusive pelo grupo da família de WhatsApp, mas ninguém saiu ou cortou relações. De vez em quando, um mandava uma figurinha, mas a gente só se cansava e parava", relembra o morador do Guará. Um dos maiores motivos para que as reuniões em família ainda aconteçam é o respeito mútuo. Kaio destaca que faz parte tentar se colocar no lugar da pessoa, entender o que a faz enxergar as coisas de maneira singular. "Para minha vó, família é mais importante que tudo. E eu, mais do que família, respeito as pessoas em si", diz.
Para outras pessoas, entretanto, o caminho da convivência é mais difícil. Durante três anos, Lucas Ladeira, 28, evitou o contato com familiares maternos, em razão das inúmeras brigas que tiveram. Depois das eleições de 2018, o jovem diz que não fazia questão de estar presente nas reuniões e encontros. Mas, em 2021, essa realidade mudou. "Com a poeira baixando, o contato foi voltando. Afinal, a gente se gosta, né?", pondera o produtor cultural. Hoje, ele diz que o clima está mais tranquilo. Mas, de vez em quando, Kaio confessa que alguns parentes não conseguem evitar certos diálogos pelo WhatsApp. Felizmente, presencialmente, todos se tratam de maneira respeitosa, "parecendo até que são outras pessoas", de acordo com ele.
Ambientes tóxicos
Para lidar com a toxidade que o ambiente on-line pode inspirar, o psiquiatra Aguimar Faria Jr, especializado em saúde mental da infância e da adolescência, alerta que alguns usuários são tomados pela sensação de estarem em uma terra sem limites, e acabam disseminando ódio. "Muitos se valem desse suposto anonimato para propagar opiniões e discursos, algumas vezes com pouca empatia e respeito", ressalta. As consequências dessas ações podem ser devastadoras, na avaliação dele. Com o poder de alcance da internet, um indivíduo pode ser levado à extrema exposição com apenas um clique.
Estar no meio dessas confusões ideológicas entre grupos também pode ser um fator de extremo estresse. Aguimar acredita que viver em uma polarização política é desesperador, porque surge um sentimento de que os indivíduos são obrigados a pertencer a algum tipo de extremo. "Parece que o radical é legítimo. Quando, na verdade, sabemos que o mais saudável é o equilíbrio, a discussão respeitosa, o diálogo harmônico, criando mediações que nos permitam viver bem juntos. Estar nesse fogo cruzado dá uma desesperança, pois parece que um caminho do meio, com mais coesão, não é possível", explica.
O psiquiatra destaca que a maneira encontrada por muitos eleitores para defender seus candidatos é por meio de ataques a quem pensa diferente. "Um ambiente enraizado na raiva, xingamentos e desrespeito. Um terreno fértil para o estresse", adverte.
Saúde mental
Professor do curso de psicologia do Ceub e doutor em psicologia social, João Gabriel Modesto desenvolveu um estudo, em 2020 e 2022, em que atestou que o bem-estar das pessoas é atingido pela polarização política. Ao lado dos colegas Mario Gloria Filho e Luiza Maria Aristides Santos, a pesquisa confirmou que as consequências estão relacionadas ao acirramento dos debates.
"Apesar desses resultados, não entendo que a polarização, em si, seja o problema. Afinal, a polarização sempre existiu no Brasil desde a redemocratização. O problema parece ser um processo de radicalização, de crescimento de um discurso de ódio, que tende a ocorrer por conta das bolhas sociais e da disseminação de fake News", avalia. Para ele, o sintoma central não se concentra no "pensar diferente", mas, sim, se fechar para diálogos e ficar imerso em uma bolha.
Com isso, ele alerta que, para uma saúde mental melhor, também é preciso se atentar para a quantidade de notícias consumidas. Descansar das altas informações, realizando outras atividades, e procurar, somente em lugares confiáveis, os assuntos que deseja ter conhecimento. "Quando conseguimos nos informar melhor, fora de uma bolha de desinformação, tendemos a conseguir um melhor diálogo. Essa abertura pode contribuir com a redução da radicalização e, consequentemente, aumentar nosso bem-estar", assegura.
*Estagiário sob a supervisão de Juliana Oliveira
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Dicas para se cuidar
Diminuir o tempo gasto nas redes sociais, evitando exposição demasiada a conteúdos com discursos extremados (detox digital);
Refletir sobre o quanto da sua vida e do que você pensa realmente quer compartilhar na rede social. Tente limitar as discussões relacionadas à política;
Evitar compartilhar informações que não
tenha certeza da veracidade, bloqueando a
propagação de fake news;
Tentar manter a calma e o equilíbrio.
Não poste nada no calor do momento;
Vencer os discursos de ódio com mais discurso,
mas não de ódio. Propagar discursos de
entendimento e empatia.