Luto

Após 36 horas, IML busca corpo de mulher que sofreu infarto na fila do Cras

Após sofrer infarto na fila do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) do Paranoá, às 5h da última quarta-feira, o corpo de Janaína Nunes Araújo, 44 anos, foi recolhido para perícia do IML somente às 16h50 de ontem

O corpo de Janaína Nunes Araújo, 44 anos, que morreu no Hospital Regional do Paranoá, por volta das 5h da última quarta-feira (17/8), ficou mais de 36 horas na unidade de saúde até que o Instituto de Medicina Legal (IML) fosse buscá-lo para realizar a perícia. Antes de dar entrada na emergência, ela havia infartado na fila do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) da região.

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Iomar acrescenta que os médicos do hospital pediram 24 horas para fazer teste de covid-19 em Janaína para, só depois, liberar o corpo para perícia se o resultado desse negativo para não infectar outras pessoas. Em seguida, por volta das 14h desta quinta-feira (18/8), Iomar fez o boletim de ocorrência na 6ª DP (Paranoá). Dessa forma, o IML pôde ser acionado.

Companheira dela por dez anos, a autônoma Iomar Fernandes Torres, 61, conta que há oito dias iam ao Centro de Referência de Assistência Social (Cras) da cidade em busca do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pois a mulher tinha problemas psicológicos e não conseguia oportunidades de emprego.

Noite na fila do Cras do Paranoá

Iomar conta que decidiu ir com a companheira na unidade após tentar conseguir os benefícios todo fim de tarde por oito dias seguidos. Então, a autônoma acompanhou Janaína e uma comadre no Cras para passar a noite com o objetivo de garantir o auxílio. “Como foi cancelado na segunda-feira, decidimos dormir na terça-feira porque estávamos na lista que havia sido confirmada”, relata.

Segundo ela, Janaína — que fazia tratamento psiquiátrico desde 2012 — estava com os pés inchados, teve síndrome do pânico e ansiedade durante a madrugada, com aproximadamente 50 pessoas na fila. “Senti que ela estava começando a ficar muito ansiosa por volta das 4h, e a levamos para o meu carro, onde ela se encostou no banco do motorista e pediu para respirar um pouco, mas desmaiou em seguida”, relata Iomar.

A companheira dela acrescenta que desde 2018 a ajudava a pagar remédios em tratamento particular, o que custava quase R$ 1 mil em medicações. A médica de Janaína orientou Janaína a ir ao Cras para solicitar um encaminhamento do INSS ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). “Na pandemia, a gente não teve mais condições, mas aí conseguimos pegar quase 90% no SUS (Sistema Único de Saúde), além de uma vaga para a psiquiatria e saúde mental do posto de saúde no início deste ano”, detalha.

Arquivo pessoal - Janaína Nunes Araújo com a companheira Iomar Fernandes
Arquivo pessoal - Janaína Nunes Araújo, 44 anos, vítima de infarto após esperar atendimento na fila do Cras
Arquivo pessoal - Janaína Nunes Araújo, 44 anos, vítima de infarto após esperar atendimento na fila do Cras
Arquivo pessoal - Janaína Nunes Araújo, 44 anos, vítima de infarto após esperar atendimento na fila do Cras

Ela lamenta o ocorrido e espera que o episódio de Janaína sirva de exemplo para não ocorrer com outras pessoas. “Espero que a morte dela não tenha sido em vão, e que isso possa melhorar o sistema que temos hoje, de organização estrutural dentro das secretarias que fazem esse tipo de atendimento, para que outras pessoas não precisem morrer, porque idosos de quase 80 anos estavam dormindo na fila quando estávamos lá”, desabafa Iomar.

Procurada pelo Correio, a Secretaria de Saúde disse que os questionamentos deveriam ser enviados à Polícia Civil do DF (PCDF), que informou que o corpo da vítima foi recolhido e encaminhado ao Instituto de Medicina Legal (IML) para formalizar o serviço. A companheira de Janaína explica que os médicos do hospital pediram 24 horas para concluir o teste de covid-19 no corpo com o intuito de não infectar outras pessoas. O resultado deu negativo.

MPDFT cobra plano emergencial para crise nos Cras

O Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) informou que a Procuradoria Distrital dos Direitos do Cidadão tem acompanhado a situação da assistência social no DF. "Foi solicitado à Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) um planejamento estratégico em duas etapas: um, emergencial, para enfrentar essa situação de crise, e um outro, mais amplo, para solucionar de forma mais estruturante os problemas", diz o órgão. 

A primeira parte desse plano foi entregue ao MPDFT em 29 de julho e está sob análise do corpo técnico da instituição. "Existe um outro estudo conduzido pelo MPDFT, mais amplo, que ainda está em curso, de análise da Cras e dos Creas (Centro de Referência de Assistência Social do Brasil), com visitas in loco, conversas com os servidores e demais iniciativas. O objetivo é obter informações precisas para embasar a atuação", conclui a nota enviada à reportagem.

O Correio também procurou a Sedes para se pronunciar em relação ao caso de Janaína. Em nota, a pasta apresentou iniciativas com objetivo de qualificar e agilizar o atendimento da população: implantação de postos do Cras em unidades do Na Hora; reorganização do modelo de atendimento desses centros; nomeação de candidatos aprovados no concurso de 2018; criação de equipes móveis; cooperação com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater-DF) para atendimento de famílias da área rural; e troca do parque tecnológico.

A Secretaria de Desenvolvimento Social também informou que, em 20 de julho, encaminhou ofício em resposta aos questionamentos do MPDFT para apresentar as ações promovidas com foco no atendimento aos cidadãos.

E, em relação à reorganização dos atendimentos nos Cras, a pasta frisou que os ampliará por meio do aumento da carga horária de mais de 500 servidores públicos, cujo expediente passará de 30 para 40 horas semanais. Sobre o concurso de 2019, a Sedes informou que, até o momento, chamou 1,2 mil aprovados para atuar na área socioassistencial.