Colo de mãe

"Acorda, mãe! Vem pra sala..." Dá colo, desce do colo, volta pro colo. "Sentimos sua falta", afaga o marido. "Estou com saudades", reforça a criança. "Percebemos que não posta nada há alguns dias", ameaça a rede social. "Avise quando puder falar", escreve um parente. "Como você está?", pergunta a amiga pelo app.

"Começou o expediente?", questiona o funcionário. "Olá, você foi sorteado", avisa a mensagem automática do desconhecido. "Já conferiu as promoções do dia?", alerta a loja, em mensagem tentadora. "Veja o que seus amigos estão pensando", instigam, mais uma vez, as redes. E, logo, as prioridades começam a se confundir com as banalidades.

Finalmente, chega à sala. Um campo minado de comida, pratos, brinquedos, roupas, sapatos, carrinhos. Para tudo. Guarda, ajeita, limpa, esconde atrás da porta, empurra para debaixo do tapete, amontoa dentro do armário. Dá mais colo, acalma o choro. Passa pano, limpa o pano, coloca para secar. Pronto. Tudo um brinco. O pai cuida do café da manhã. A trilha sonora com rock'n'roll toma conta do momento.

Mas e as plantas? Estão ameaçadas de extinção pelos 90 dias de seca. Molha, rega, cuida. Solta o som. Curte o som.

A cozinha. Ah, a cozinha... Um capítulo à parte. Lava a louça, seca a louça, guarda a louça. E eis que, em um piscar de olhos, a pia surge, novamente, repleta de pratos, copos, talheres, potes e panelas. Produção espontânea acionada. Olha incrédula o monte que acaba de se formar e, na tradicional ronda pelos cômodos, encontra ainda mais utensílios. "O fabuloso destino da dona de casa", pensa, ironizando o clássico francês estrelado por Audrey Tautou.

Sempre me espantei com a habilidade do compositor de Diariamente — interpretada com maestria e delicadeza por Marisa Monte — para unir palavras em belas rimas que dão conta das rotinas mais banais ou extraordinárias e que trazem soluções objetivas para problemas cotidianos de seres humanos ou até mesmo do reino animal.

Mas, hoje, analisando friamente, penso que ele deve ter fechado os olhos e imaginado como seria viver o dia a dia — ou apenas a manhã — de uma mãe. Pode ser o da que trabalha também ou da que se dedica exclusivamente aos filhos e aos cuidados com a casa. Logo, incorporou a agilidade e a facilidade em solucionar questões que, à primeira vista, pareceriam complexas.

Viver a maternidade nos tempos atuais é entrar em um looping de "diariamentes". Procurando respostas certeiras e ágeis para as questões mais difíceis. E para as mais simples também. Mesmo que seja um colo de mãe.