ENTREVISTA / Keka Bagno / candidata do PSol-Rede ao GDF

"A fome gera violência, gera adoecimento"

Na terceira entrevista da série com os postulantes ao Buriti, o CB.Poder ouviu a assistente social, que destacou a crise econômica no DF. "Temos uma população que, na sua maioria, está em situação de pobreza e de fome, ou superendividada", disse

Pablo Giovanni*
postado em 11/08/2022 00:01
 (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Como podemos reduzir esse grande número de pessoas na rua, e pessoas que estão pedindo ajuda? Qual é a solução?

Desde a criação do Sistema Único de Assistência Social (Suas), a gente tem mecanismos para combater e enfrentar a pobreza extrema. E isso se deu principalmente com os programas de transferência de renda. O principal deles é o Bolsa Família, que conhecemos. Infelizmente, quando a gente entra numa crise econômica e a sociedade não compreende esses programas como sério e fundamentais, a gente acaba retornando para situações de miséria, mesmo isso tendo sido equilibrado nos governos anteriores, e é o que a gente vê atualmente. Hoje, no DF, temos uma população que, na sua maioria, está em situação de pobreza e de fome, ou em situação de superendividamento. Temos pessoas que não fazem três refeições ao dia. A gente tem os Cras, que estão com as filas enormes, pessoas que dormem, pernoitam nesses locais, principalmente mulheres acompanhadas de crianças. Podemos desenvolver com tecnologia; criação de aplicativos pelo celular; ou então a gente possibilitar que os trabalhadores e trabalhadoras da assistência façam hora extra, a gente consegue suprir essa questão das filas para que as pessoas sejam atendidas e consigam o direito às políticas de transferência de renda para ter alimentação e comida no prato. E são essas propostas que nós trazemos, além do repasse do programa que é o Renda Básica Permanente Jacira da Silva, que é o repasse de benefício social.

O governador Ibaneis Rocha (MDB) disse, na convenção do partido dele, que "se tem fila (no Cras), existem benefícios e que as pessoas deveriam agradecer". Esses benefícios não são suficientes? O que provoca essas filas nos Cras?

Além de ser uma inverdade, é falta de respeito do governador Ibaneis Rocha trazer uma fala dessa. As pessoas deveriam fazer grandes manifestações para o retirar inclusive da cadeira do (Palácio do) Buriti. É isso que elas deveriam fazer e é o que nós estamos querendo fazer. Se a gente tem crianças passando fome, como é que um governador da capital federal faz uma fala dessa? No mínimo não tem vergonha (na cara). As filas do Cras estão imensas e a culpa não é dos servidores e não é da política, é da falta de gestão, da incompetência de uma gestão que não leva com seriedade pessoas que estão passando fome e precisam de alimentação, inclusive para ir para o trabalho, para ter educação e poder girar a economia. A gente está vivendo uma crise econômica hoje. O que não dá é para o governador falar que a culpa é da pandemia. Porque antes da pandemia, a gente já estava lidando com situações de pobreza. Nós, que trabalhamos na ponta (do problema), percebíamos isso. Ao invés de o governador fazer repasse de valores absurdos para as empresas de transporte, que não melhoram o transporte público, ele poderia fazer esses repasses para, de fato, combater a fome no Distrito Federal, que é uma urgência. Quem tem fome não utiliza transporte público. Quem tem fome não consegue sair de casa, inclusive, porque está adoecido. E foi isso que acompanhamos nos centros de saúde, nos serviços públicos de saúde, nas UBSs, (onde tem) médicos, enfermeiras, assistentes sociais (dizendo que) a quantidade de pessoas que chegavam com sintomas de doença tinham, na verdade, sintomas de fome.

É preciso também que essas pessoas consigam emprego para não ficar dependendo do programa assistencial. Qual é a sua política de geração de empregos e desenvolvimento econômico para o DF?

Nesses mais de 10 anos na ponta (do problema, como assistente social), nunca acompanhei uma família que foi beneficiária que não trabalhava. Ela trabalhava em serviços informais, na maioria. Outras, quando entrevam no trabalho formal com carteira assinada, saíam dos programas de transferência de renda. Isso é importante a gente destacar, porque a fome não é algo que é culpa da pessoa, muito pelo contrário. Quando a gente traz essa proposta do renda básica, que é a transferência de renda no valor de R$ 600 para pessoas que estão em situação de fome e segurança alimentar, que recebem até três salários mínimos — o dobro para mulheres chefes de família; ou pessoas que são cuidadoras de idosos, pessoas com deficiência ou doenças raras. Quando as pessoas recebem esse benefício, elas vão se estabilizando na sua situação de saúde, de bem-estar. Todo esse processo é necessário para que elas e sejam inseridas ao mercado de trabalho. Uma pessoa que tem 40 anos, depois desse período de pandemia, dificilmente consegue retornar ao mercado de trabalho com facilidade. Então, ela precisa ter um programa que faça com que ela seja reinserida (ao mercado de trabalho). O governo pode fazer uma parceria com o setor de serviços, já que a gente não tem setor de indústrias aqui no Distrito Federal. Nessas parcerias, e nesse diálogo entre as secretarias, (podemos) fazer com que essas pessoas retornem ou sejam inseridas no mercado de trabalho. As pessoas que estão no desemprego hoje, a maioria, são mulheres e pessoas jovens.

A secretaria de Ação Social será uma das mais importantes do seu governo?

Sem dúvida. Qualquer proposta hoje que a gente traga de governo, ela tem que ser com foco no enfrentamento à fome. A fome gera violência, gera morte, gera adoecimento. A fome gera desestruturação de uma sociedade. Enquanto a gente está aqui fazendo essa entrevista, quantas pessoas estão passando fome nesse momento? Se temos filhos e filhas, temos entes queridos que a gente não gostaria que adoecessem por causa de uma falta de alimento, por que que a gente não se importa com outras pessoas que estão com dores por causa da fome?

Como é a sua visão sobre a estrutura do Estado? O tema, sendo importante, teria que ter uma secretaria? Ou pode trabalhar esses temas de uma maneira integral entre as pastas. Pergunto, porque muitas vezes os governos criam várias secretarias, e acarretam em maiores gastos.

Depende da temática. Falar o que é importante depende qual é a urgência e a necessidade para a população. Um exemplo: nós temos hoje no Distrito Federal uma população de quase um milhão de pessoas com deficiência. Nós temos uma demanda. Mas essa temática é transversal a todas as outras secretarias. Secretaria de Educação, de Saúde, Segurança Pública e de Trabalho? Não precisamos ter uma Secretaria da Pessoa com Deficiência. A gente precisa de um órgão ligado diretamente à chefia do gabinete, ao gabinete da governança e que dialogue dentro de todas as secretarias. Porque esse é um debate social. Compreende como é diferente? 

Caso eleita, você terá que ter uma boa relação com deputados distritais. Como você vai dialogar com parlamentares que têm uma base completamente diferente da sua, além de opiniões opostas das propostas do seu governo?

Primeiro, que a nossa federação está muito entusiasmada em aumentar a bancada na Câmara Legislativa. A gente acredita que vamos ter mais deputados e deputadas parlamentares. É muito importante, inclusive, a gente trazer esse cenário que precisamos eleger (mais mulheres), tanto no nível federal, quanto no nível distrital. Nós estaremos na mesa para dialogar. O governo não é o governo de uma pessoa, ele não é o governo de uma ideologia política, como dizem, (mas) é um governo da sociedade. Então, se tem pautas que são de interesse social, nós vamos estar sentando à mesa e dialogando. O que a gente não pode é priorizar interesses particulares. Isso é algo que não pode acontecer no nosso governo e, na verdade, nenhum governo. Se a gente conseguisse mudar essa ótica antes, provavelmente não estaríamos nessa situação que estamos hoje.

E a relação com o governo federal? Se o Lula ganhar, você terá um diálogo tranquilo com ele. Mas, e se você ganhar, e Bolsonaro ser reeleito?

Eu não acredito que o Bolsonaro será reeleito. Acredito que o máximo poderia fazer de destruição, ele acabou fazendo. A última cartada dele vai ser nos próximos dias. A gente sabe que ele tem feito manifestações e movimentos para o 7 de setembro. Uma política de ódio e de muita violência. Mas, eu acredito muito nas instituições públicas e também na população do nosso país, que a gente vai derrotar o Bolsonaro e o bolsonarismo nos parlamentos e no executivo. Caso isso aconteça (Bolsonaro seja reeleito), nós vamos garantir o que é previsto na constituição. Nós temos o Fundo Constitucional aqui na capital federal, temos legislação que rege o alinhamento entre a economia e a gestão da economia distrital e da União, e é nesse caminhar que a gente vai seguir. 

*Estagiário sob a supervisão
de José Carlos Vieira

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