O louco do chapéu azul

Correio Braziliense
postado em 06/08/2022 00:01

A brava comunidade de Pelotas em Brasília pode não ser numerosa, mas, em compensação, faz muito barulho e está agitada. É que um dos mais ilustres filhos da terra faz show, hoje, na programação do Festival CoMA, no Clube do Choro. Trata-se do compositor gaúcho Vitor Ramil.

Pois bem, uma das canções mais famosas do menestrel gaúcho é Joaquim, o louco do chapéu azul, uma balada quilométrica, que narra a história de um inventor quixotesco no embate contra as forças do obscurantismo e dos baixos interesses comerciais e políticos: "Muito cedo / Ele foi expulso de alguns colégios / E jurou: 'Nessa lama eu não me afundo mais' / Reformou uma pequena oficina / Com a grana que ganhara / Vendendo velhas invenções / Levou pra lá seus livros, seus projetos / Sua cama e muitas roupas de lã / Sempre com frio, fazia de tudo / Pra matar esse inimigo invisível".

Quando tinha 22 anos, Vitor Ramil escutou a história de Joaquim em Porto Alegre, contada pelo baterista Alexandre Fonseca, neto do piloto. Ele ficou tão assombrado e fascinado que compôs a balada Joaquim, o louco do chapéu azul, de oito minutos e meio, no estilo Bob Dylan.

Em abril de 1943, Joaquim da Costa Fonseca Filho viajou ao Rio de Janeiro em um avião que havia construído em Pelotas. A viagem solitária durou exatas 13 horas e 14 minutos, com um vento desfavorável que o obrigou a quatro escalas: Porto Alegre, Florianópolis, Paranaguá e Santos.

O pelotense voador queria requerer ao gaúcho Salgado Filho, então ministro da Aeronáutica, licença para construir uma fábrica para produzir o aeroplano F2. No entanto, embora a viagem tenha sido sugerida pelo próprio ministro e o avião tenha sido submetido a testes e inteiramente aprovado, a licença não foi concedida.

Mas existe um aspecto misterioso e intrigante na história: em 1943, ou no começo de 1944, Joaquim recebeu uma carta do governo com a negativa para construir aviões em série. Só que escrita em inglês, segundo garante o filho do piloto, Joaquim da Costa Fonseca Neto.

Vitor Ramil não pretendeu remontar a história tal como ela aconteceu; ele tomou a saga de Joaquim como fonte de inspiração para o personagem quixotesco do louco do chapéu azul e o misturou com a figura de Graciliano Ramos, o escritor alagoano que esteve preso na Ilha Grande, no Rio de Janeiro, durante a ditadura de Getúlio Vargas: "Joquim, Joquim / Nau da loucura no mar das idéias / Joquim, Joquim / Quem eram esses canalhas / Que vieram acabar contigo?"

Ramil deduz ou intui que, na verdade, algum lobby de empresa estrangeira, mais especificamente norte-americana, se impôs. Se não fosse essa intervenção, talvez Pelotas poderia ter a primeira fábrica de aviões do Brasil. O enigma permanece vivo, mas Vitor Ramil transformou a história do louco de Pelotas em uma canção azul.

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