É comovente a entrevista de Viola Davis com Oprah Winfrey. Na verdade, muito mais uma conversa entre duas celebridades com histórias de vida semelhantes. O encontro delas tem como pano de fundo as memórias da atriz, registradas em sua autobiografia recém-lançada Em busca de mim (Finding me: A memoir, no título original).
Vários trechos do bate-papo me emocionaram. Apesar do ambiente descontraído, até mesmo pela proximidade que as duas parecem compartilhar, os assuntos tratados são densos e dolorosos. Machismo, sexismo, racismo, abuso sexual. Tudo isso permeia a conversa de cerca de 50 minutos, em que Oprah chega a compartilhar alguns trechos do livro de Viola.
"Meus sonhos são maiores que meus medos", disse a certa altura a atriz, explicando o motivo de ter sido a única numa plateia de crianças a manter a mão levantada diante do questionamento de seu primeiro diretor sobre quem queria ser um ator. A princípio, todos levantam a mão. Na sequência, ele começa a elencar as dificuldades da carreira e, aos poucos, todos desistem, menos ela.
Mas o que mais me tocou foi o momento em que comentam da relação da família com a escola. Vivendo em situação de extrema vulnerabilidade na Rhode Island dos anos 1970, os pais e os cinco filhos, além da fome, enfrentaram o frio, que chega a -2ºC no inverno, por vezes sem aquecimento nem água potável.
Num dos dias de maior dificuldade, quando não haviam conseguido tomar banho, sentiam frio e fome, a irmã Dianne decidiu que, mesmo assim, queria ir à escola. A professora Ann Prosser os recebeu na porta e questionou o motivo de não terem ido à aula a semana toda. Quando ouviu a explicação da senhora Davis, não pôde conter o choro.
"Ela tinha lágrimas nos olhos, acariciava nossos rostos, e dizia: 'Sinto muito, senhora Davis. Eu sinto muito. Diga-nos o que podemos fazer por vocês'", conta Viola. "A senhora Prosser me chamava à sala dela, de tempos em tempos, e me dava uma sacola cheia de roupas lindas que tinham sido da filha dela", continua a atriz, e comenta ainda que sentia como se estivesse ganhando joias.
Oprah reforça que, para ela, os professores também foram salvadores. Apesar de concordar, Viola relata como é difícil contar essa história, pois também viveu, ao lado da irmã Dolores, momentos de abuso moral na escola, chamadas a atenção por estarem cheirando mal.
Ela destaca, no entanto, que, mais do que as condições financeiras para tomar banho e vestir uma roupa limpa, faltavam ensinamentos básicos sobre higiene pessoal. "As pessoas não percebem que, se ninguém te mostra, você tem que descobrir sozinho. E eu não tinha as ferramentas para descobrir sozinha. E eu tinha vergonha de não ter as ferramentas para isso. Então, tudo o que eu tinha, o que eu podia fazer, era nadar na vergonha."
Quanta dor não precisou passar essa família para que algo bonito e feliz pudesse surgir em meio a tanto sofrimento? Quantas vezes nós, enquanto sociedade, também não desprezamos o nosso bem mais precioso: as crianças. Nas escolas, em casa, na rua. Elas merecem a nossa dedicação integral e obstinada. Gestos simples, como ensinar a lavar as mãos, oferecer um abraço, garantir uma refeição, fazem toda a diferença.
"Quando você está diante de compaixão e empatia é incrível como isso mata a vergonha. Porque você é vista. E você é vista por algo muito mais valioso do que as suas circunstâncias", explica Viola. "Acho que, no fim das contas, o que eu estava procurando era amor. Um tipo radical de amor."