O socioambientalista Thiago Ávila, de 35 anos, foi absolvido, no fim da tarde desta terça-feira (19/7), pela acusação de crime ambiental feita pelo Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) após o ativista liderar uma ação de resistência contra o despejo e a demolição de estruturas na Ocupação do CCBB, em 7 de abril do ano passado.
A decisão ocorreu um ano e três meses após Thiago ser arrastado para fora do local, na L4 Norte, pelas pernas e os braços, por agentes do Batalhão de Choque da Polícia Militar do Distrito Federal e preso por crime ambiental, por impedir a demolição da Escolinha do Cerrado. O colégio era único reduto educacional que 18 crianças da comunidade tinha a disposição na pandemia, já que não possuíam acesso a internet e aparelhos eletrônicos para assistir às aulas remotas.
A decisão foi proferida pelo juiz Osvaldo Tovani, da 8ª Vara Criminal, que não reconheceu ato de infração penal (inciso 3 do artigo 386 do Código de Processo Penal) na ação de Thiago. Ele e outras três pessoas se colocaram entre as estruturas da Escolinha e os tratores do DF Legal, por acreditarem que a ação de despejo, ordenada pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) em 22 de março e autorizada pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Humberto Martins, ser ilegal.
Na época, estava em vigor a Lei Distrital nº 6.657/2020, que proibia o despejo e remoções durante a pandemia. Em 7 de abril de 2021, agentes do DF Legal, do Batalhão de Choque, munidos de tratores, helicópteros e cavalaria desmontaram a resistência com uso de gás lacrimogêneo e balas de borracha e demoliram os barracos e a Escolinha do Cerrado — a Ocupação do CCBB abrigava 34 famílias e 90 pessoas. Thiago Ávila, o último a resistir, foi derrubado de cima de um trator, algemado e arrastado por agentes do Batalhão de Choque.
Para Thiago, a sentença de Tovani traz “um grande alívio” por colocar fim em um período de “incerteza” pela “possibilidade de prisão por um crime falso que não cometi”. “Foi um choque quando recebemos o pedido do Ministério Público pela minha condenação, com agravante e pena máxima de três anos de prisão”, conta Thiago ao Correio. O Ministério Público do Distrito Federal recomendou a condenação do socioambientalista em 8 de julho.
“Era evidente que eu, socioambientalista, nunca cometeria crime ambiental algum e estava apoiando as famílias catadoras de recicláveis que estavam vivenciando uma violação do Poder Público em derrubar ilegalmente seus barracos e tentar destruir sua Escolinha do Cerrado, que levava acesso à educação no ensino remoto para as crianças da ocupação que não tinham internet. Foi muito ruim esse período sob a incerteza e possibilidade de prisão por um crime falso que não cometi”, relata.
“Foi um grande alívio agora ver a sentença, pois o juiz reconheceu que não houve crime algum e não deu continuidade a essa injustiça. Agora posso seguir meu trabalho de defender a Natureza e as pessoas num país onde ser socioambientalista é profissão de alto risco”, declara.
No entanto, o ativista diz que esse não é o fim da batalha, já que o Ministério Público pode recorrer da decisão do juiz Tovani e pedir a condenação dele em uma instância superior. “Estou esperando que isso não aconteça, mas se acontecer, seguiremos denunciando e mobilizando as pessoas buscando justiça”, pontua.
“A intenção do acusado não era de prejudicar o meio ambiente”, aponta juiz
Na decisão judicial, o juiz Osvaldo Tovani rebateu a acusação do MPDFT de que Thiago teria cometido crime ambiental por permanecer no telhado da Escolinha do Cerrado em resistência à demolição.
“Não há dúvida de que, durante a desocupação da área, o acusado subiu e permanecer no telhado da escola, por determinado período, ele mesmo admitiu, porém, a instrução judicial revelou que seu comportamento não caracteriza crime ambiental, em especial, por ausência de dolo”, escreveu o juiz.
Para justificar a decisão, Tovani aponta o depoimento de uma testemunha identificada como Ivânia, que afirmou à Justiça que “a escolinha do cerrado foi uma das melhores coisas que já aconteceram na ocupação” e que Thiago e outros voluntários ajudavam a mantê-la. Ela também informou nos autos que houve um “desmatamento e derrubada de árvores frutíferas realizados pelo poder público” e que “as árvores foram plantadas pelas famílias, serviam de alimento” e “o acusado ajudava com alimentos e plantas”. O juiz ainda destaca uma frase de Ivânia em que ela afirma “achar estranho ele ser acusado de crime ambiental”.
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Tovani ainda pontuou o depoimento de outras três voluntárias que mostraram que a essência da ocupação não era um risco para o ambiente e sim um esforço de manutenção digna das famílias do local.
“A prova judicial demonstra que a intenção do acusado — assim como das outras pessoas que estiveram no local, não era prejudicar o meio ambiente, mas apoiar as famílias e a escola; podem ter agido de maneira equivocada, mas não cometeram crime ambiental”, pontua o juiz.
Além de absolver Thiago Ávila, o juiz também extinguiu qualquer ação contra os outros três voluntários presos na ocasião: Caio Sad Barbosa, Erika Oliveira Cardozo e Pedro Filipe Menezes.
Apelos pela não condenação de Thiago reuniu 30 mil assinaturas em abaixo-assinado e ofício de deputado
A partir do envio do pedido de condenação de Thiago Ávila, feito pelo promotor Roberto Carlos Batista, do MPDFT, o socioambientalista contou com o apoio de outros servidores ambientais e artistas que se mobilizaram nas redes sociais com uma campanha contra uma decisão desfavorável ao ativista.
A campanha #thiagoavilainocente mobilizou mais de 100 mil perfis, foi um dos assuntos mais comentados nas redes sociais e resultou em mais de 30 mil assinaturas em um abaixo-assinado que pedia a absolvição de Thiago. Os artistas Sérgio Marone, Alanis Guilen e Mayana Neiva foram uns dos três nomes do audiovisual que apoiaram a causa.
No Distrito Federal, o deputado distrital Fábio Félix (Psol), que é autor da Lei Distrital contra os despejos na pandemia, enviou um ofício ao juiz Tovani na última quarta-feira (13/7) para solicitar expressar “preocupação com criminalização de movimentos sociais”.
Félix, que também preside a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), informa ao juiz que esteve na Ocupação do CCBB e testemunhou “a ação da população em resistência democrática e legítima a uma ação do poder público considerada excessivamente violenta e abusiva”.
“A criminalização dos movimentos sociais é um problema grave e crescente no Brasil e merece nossa atenção e cuidado, especialmente considerando que Brasília é a capital do país e o engajamento cívico da população deve ser encorajado e jamais repreendido através dos meios penais”, declarou no ofício.
Relembre o caso
“Acabou a palhaçada, seu moleque! Desce daí”, gritou um dos policiais do Batalhão de Choque para o ativista Thiago Ávila, que estava no teto da Escolinha do Cerrado, única instituição de ensino acessível a 18 crianças moradoras da Ocupação do CCBB, na L4 Norte. A força policial chegou no local na tarde de 7 de abril de 2021 e arremessou bombas de gás lacrimogêneo contra os apoiadores.
Cerca de 20 minutos depois, a escola estava no chão e Thiago e mais três manifestantes foram presos e não puderam nem ser acompanhados pelos advogados que estavam presentes no local.
Antes do desfecho da operação, a resistência impediu por horas a ação da Polícia Militar e do DF Legal, os primeiros a chegarem no local naquela quarta-feira de abril. Naquele dia, apenas a Escolinha continuava de pé no local. Um grupo de voluntários estava em volta da estrutura, que foi retirado forçadamente pelos policiais.
O Batalhão de Choque do Distrito Federal foi a última força militar a chegar ao local e em minutos, deram voz de prisão a Thiago Ávila. O ativista permaneceu no teto da Escolinha até o momento em que um fiscal do DF Legal direcionou um trator em sua direção e avançou. O manifestante desviou da pá do maquinário e subiu no teto do trator, onde permaneceu para evitar o término da destruição da escola.
Em poucos minutos, policiais do Choque subiram no trator e prenderam Thiago. O ativista foi levado ao chão por meio de um puxão pelas pernas, foi imobilizado e levado à uma região de matagal ao lado da ocupação. Os manifestantes que estavam no local afirmaram que Thiago foi agredido, mas não houve confirmação.
Thiago e outros três manifestantes — Caio Sad Barbosa, Erika Oliveira Cardozo e Pedro Filipe Menezes — que resistiam na Escolinha do Cerrado foram detidos. Levados às viaturas, estacionadas na via principal da L4 Norte, os presos não tiveram acesso a advogados. Eles foram levados à Delegacia De Combate a Ocupação do Solo e aos Crimes contra a ordem Urbanística e o Meio Ambiente (Dema) e, de acordo com os manifestantes, foram acusados por crime ambiental.
Os quatro detidos foram liberados, na época, por meio de pagamento de fiança. O valor foi arrecadado por outros ativistas sociais por meio de uma vaquinha on-line.
Após a ação, o despejo de famílias ganhou repercussão nacional e um projeto de lei da deputada federal Natália Bonavides (PT-RN) foi aprovado pelo Congresso Nacional, que proíbe a remoção de famílias até 31 de outubro deste ano.