Saúde

Pacientes buscam tratamento digno nas farmácias de alto custo

Muitos pacientes recorrem à Defensoria Pública para conseguir medicamentos essenciais. Eles reclamam da demora no atendimento das farmácias de alto custo

Filas extensas, desabastecimento e falta dos insumos para aplicação de medicamentos injetáveis. Essas são algumas queixas apresentadas pelos usuários das farmácias de alto custo do Distrito Federal. Quem depende do serviço descreve que o Estado age como se a entrega dos medicamentos fosse um favor oferecido pelo governo e não um direito garantido ao cidadão. Parte da população precisa acionar a Defensoria Pública (DP-DF), que ajuizou, este ano, 110 ações com pedidos de medicamentos padronizados, de acordo com levantamento feito pelo órgão.

O morador de Planaltina do DF, Rone Carlos de Oliveira Machado, de 56 anos — diagnosticado com uma doença rara chamada neuromielite óptica, que acomete os nervos ópticos e a medula espinhal — conta que já chegou a ficar sem medicamentos. "Geralmente eu não tenho problemas, mas por dois meses este ano, em maio e abril, ficamos sem medicação. A minha sorte foi que, por um período excepcional, eu estava usando medicação também no hospital, por isso consegui ficar sem a azatioprina", detalha. Caso precisasse comprar a medicação para o tratamento, Rone teria que desembolsar em torno de R$ 200 ao mês. "É algo sério, porque se não tomo, posso ficar cego, ter um surto da doença e inflamação da medula", relata.

O desabastecimento é uma falta de controle e planejamento, avalia o presidente do Sindicato dos Médicos, Gutemberg Fialho. "Quem toma esses remédios de forma periódica não pode ficar sem, caso contrário, tem o agravamento da doença, com crises e piora do quadro clínico, além do aumento do sofrimento do paciente. Imagine, por exemplo, um paciente com câncer, que é uma patologia grave, ter o tratamento interrompido?", questiona.

O presidente do sindicato acrescenta que é possível antever quando haverá falta de estoques. "Eles sabem quantos medicamentos são entregues por mês e para quais patologias, é possível controlar o estoque e saber se vai ter remédio o suficiente e impedir a falta. Se o Ministério da Saúde não entregou, por exemplo, a secretaria tem que pensar em formas de solucionar isso. É preciso mais compromisso e preocupação com a qualidade de vida dos pacientes", reforça.

Burocracia

Ainda em busca de um diagnóstico definitivo, Gilma da Costa, de 55 anos, ficou quatro meses sem o atorvastatina ciprofibrato, de 100 mg, porque o medicamento estava em falta na rede. Na fila para recolher os medicamentos da esposa, na Farmácia de Alto Custo de Ceilândia, Edmilson José de Araújo, de 59 anos, detalha que a falta do medicamento foi um desafio para o casal. "Demos entrada para ela receber o remédio, mas não tinha e ficamos esperando, tomando um alternativo que não consegue aliviar totalmente a dor que ela sente", detalha.

Gustavo Alves, 28 anos, e Carolina Neves, 35, são dois pacientes que enfrentam o mesmo problema da falta de insulina de liberação lenta no organismo, na unidade de Ceilândia. Carolina é farmacêutica e moradora de Águas Claras e utiliza tanto a insulina rápida quanto a lenta. "Teve dois meses que ficamos sem a insulina lenta. Já faço uso do medicamento há 10 anos. Não é algo que sempre falta, mas por ano, sempre tem algum mês que não vai ter", pondera.

Diagnosticado aos 23 anos com diabete tipo 1, Gustavo Alves relata o desafio de comprar o medicamento quando falta na rede. "O valor é em torno de R$ 120 por ampola da insulina de liberação lenta, que é a que falou por dois meses. Dela eu preciso de quatro por mês. E não tem como ficar sem, eu já fiz o teste, mas começo a vomitar, não tenho força nem para levantar da cama", afirma.

O Defensor Público do DF, Ramiro Nóbrega Sant'Ana explica que antes de ajuizar as ações, a Defensoria solicita informações para a Saúde e tenta uma resolução administrativa. "Se isso não for suficiente, pegamos esses documentos que comprovam uma tentativa de resolução e preparamos uma ação judicial. Esses documentos são provas da necessidade de intervenção do poder judiciário", acentua. O defensor também orienta a população a procurar o site Info Saúde (leia Saiba Mais) e identificar quais os protocolos para ter acesso aos medicamentos exigidos pela secretaria de saúde.

Humanização

A autônoma e moradora da Asa Sul, Mariana Costa, 43 anos, visita a farmácia de alto custo da Estação 102 uma vez por mês e confessa: falta empatia. "Venho para pegar hormônio de crescimento para o meu filho, de 13 anos. Comecei o atendimento em novembro do ano passado e, até hoje, graças a Deus, não faltou o medicamento, mas alguns funcionários tratam mal a gente, como se estivessem fazendo um favor", relata.

Além disso, Mariana detalha que há três meses precisa adquirir as seringas de aplicação do hormônio. "Por mês, as seringas ficam em torno de R$ 80. No início eles davam o material para aplicação, mas agora estão em falta. Fico pensando muito em quem está em mais vulnerabilidade, porque isso já é um valor que faz diferença", salienta. Mariana avalia, também, a demora do atendimento. "Muitas vezes a pessoa vem aqui só com o dinheiro da passagem e passa a manhã inteira sem ter resposta, precisa voltar no outro dia e a gente vê guichês vazios, sem funcionários para nos atender", narra.

A mesma opinião é compartilhada por Rosenir Ribeiro, 63 anos, moradora da Vila Planalto. A dona de casa conseguiu o diagnóstico de fibrose cística da filha, Michelli, hoje com 30 anos, quando ela tinha 6 meses de idade, e desde então faz uso de medicamentos da farmácia de alto custo. "O atendimento deveria ser mais respeitoso com a gente, todo mundo está aqui porque precisa, mas eles demoram e tratam com grosseria", diz.

O outro lado

Questionada, a Secretaria de Saúde informou que os medicamentos são fornecidos aos pacientes que se enquadram nos critérios estabelecidos nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT). Quando enquadrado, o paciente deve providenciar exames e documentos necessários para realizar o cadastro. "A análise da documentação e envio de formulários específicos ou demais informações serão respondidas em um prazo de até 10 dias", garante.

A pasta também informa que quem não pode enviar e-mail pode buscar o atendimento presencial ou pelo 160, opção 3 (Farmácia Ambulatorial Especializada). Em relação ao estoque de insulina de ação lenta, a secretaria informou que o estoque está regular novamente. "Das 16 seringas padronizadas na rede pública de saúde, duas estão com estoque reduzido e com processos de aquisição em andamento. A pasta esclarece que todos os insumos encontram-se com processos de aquisição em andamento, em diferentes fases, tramitando por diversas gerências, diretorias e subsecretarias desta SES, além de órgãos externos de controle em alguns casos", finaliza.

Saiba Mais

Três perguntas para...

Carla Pintas, professora do curso de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB)

Como funciona a farmácia de alto custo?
É importante entender que os medicamentos de alto custo são aqueles que têm um valor alto, com tecnologia diferenciada e destinados a patologias específicas, muitas vezes raras, que são disponibilizados pelo SUS. Cada estado é responsável por sua lista de pacientes que fazem uso desses medicamentos, sendo que alguns são adquiridos pelo Ministério da Saúde e outros pela Secretaria de Saúde. Hoje, temos algumas farmácias que disponibilizam esses medicamentos no DF, mas o paciente tem que estar cadastrado e tem que ter indicação clínica. Isso porque não é um medicamento que você encontra em qualquer farmácia ou adquire facilmente.

Quais melhorias precisam ser feitas?
A farmácia de alto custo conta com um farmacêutico que faz uma anamnese para o paciente e explica como se deve usar a medicação e quais os efeitos colaterais. No entanto, verificamos uma insuficiência desses profissionais, o que causa um prejuízo ao paciente, porque ele não tem esse reforço de orientação. Muitas vezes também há uma dificuldade no acesso desses medicamentos, pela falta do insumo ou da dosagem adequada. A questão é que grande parte dos pacientes vai fazer uso da medicação para o resto da vida, então é possível fazer uma previsão de compra para impedir a falta do medicamento. Essas medicações são adquiridas por licitações, que é um processo demorado, por isso o planejamento deve ser feito para impedir esse delay (atraso) entre a falta do medicamento e o começo do processo de compra. Até porque o laboratório não produz esses medicamentos de forma rotineira como uma dipirona, por exemplo, e muitas vezes, apenas um laboratório fabrica determinado fármaco.

Quais as consequências desse desabastecimento?
Para os pacientes continuarem bem, eles precisam do tratamento. Um paciente que faz uso de medicamento pós-transplante, precisa que ele esteja disponível no tempo exato. Por isso, a compra deve ser em uma quantidade um pouco maior da habitual, com uma reserva técnica mínima. Por isso é tão necessário uma agilidade nesse processo (de compra) e não esperar que acabe o medicamento para adquirir novas unidades. Vale lembrar que nos últimos tempos, em função da pandemia, houve uma diminuição dos insumos por parte dos laboratórios farmacêuticos, o que causa ainda mais atrasos, e exige um planejamento mais cuidadoso.

Raio-X

Ações padronizadas (de medicamentos na lista da rede do SUS) ajuizadas pela DP-DF

Janeiro: 20

Fevereiro: 27

Março: 21

Abril: 8

Maio: 15

Junho: 19

Total: 110 ações

Medicamentos mais solicitados

Imatinibe: 15 ações

Bosentana: 8 ações

Micofenolato de sódio: 7 ações

Lacosamida: 6 ações

Entresto (Sacubitril e Valsartana): 5 ações

Funcionamento

Farmácias de Alto Custo

» Asa Sul

Endereço: Estação 102 Sul do Metrô — Subsolo — Ala Comercial

» Ceilândia

Endereço: EQNM 18/20 Praça do Cidadão

» Gama

Endereço: Praça 01, Área Especial, Setor Leste

Horário em todas as unidades: segunda a sexta-feira, de 7h às 19h, e sábado de 7h às 12h, mediante apresentação de senhas

Site: info.saude.df.gov.br/medicamentosespecializadassalasit/