No fim do ano passado, publiquei o livro de poemas Flama, com ilustrações de Wagner Hermusche. Nesta longa estrada da vida jornalística, conheci muitos personagens do mundo literário. Mas achei que encomendar uma orelha a um figurão poderia ser uma trapaça. Por isso, resolvi eu mesmo escrever. Queria me bancar, no entanto, ao mesmo tempo, ser verdadeiro, expressar as minhas dúvidas, angústias, contradições e traços de humor. Tomo a liberdade de publicar neste alto de página o que escutou as orelhas do meu livro.
"As orelhas de um livro ouvem confissões inconfessáveis até das paredes. Já que o autor se recusou a encomendar uma apresentação, não deixarei o espaço em branco, preencherei a lacuna com o que escutei dele. O autor conhece alguns personagens do mundo literário, mas preferiu não pedir um texto porque entende que isso poderia ser uma trapaça. Deseja que a sua poesia ande com as próprias pernas.
Como, possivelmente, só publicará este livro de poesia, convidou para ilustrá-lo o artista plástico Wagner Hermusche, que vive confinado em uma chácara, dentro do mistério do cerrado mais bravo, cercado de caliandras, pepalantos, imburuçus, araras, carcarás e jararacas. Hermusche utilizou elementos da flora nativa para criar imagens que estabelecem conexões simbólicas com os textos.
O autor não tem ilusões sobre a recepção à poesia em uma era de celebridades e de babel das línguas virtuais desencontradas. Concorda com Oswald de Andrade, que disse: 'Ninguém quis comprar o poeta'. Apesar de tudo, considera a poesia necessária.
Pelo menos para ele, porque, com meia dúzia de versos, é possível captar, condensar ou, em casos felizes, eternizar evocações dramáticas da adolescência, o alumbramento com o corpo amado, fatos que aconteceram, fatos que poderiam ter acontecido e retratos anímicos de grandes personagens da cultura (com os quais o autor mantém um diálogo intenso e tenso de internet espiritual). É isso que tenta com o conjunto de poemas que compõe esse volume.
A poesia é transcendência, encerra lições de trabalho, de êxtase e de humildade. Quando você se mete a escrever versos tem de se deparar com os grandes; e esse embate provoca uma mistura confusa de humilhação e desafio, em busca da própria voz. O autor não é hipócrita, considera bons alguns poemas e versos que escrevinhou.
Mas, ao mesmo tempo, é constantemente assolado por dúvidas cruciantes. Tanto que registrou no poema intitulado Irreparável: 'O poema é uma atividade de alto risco/não adianta fazer e refazer/o cálculo estrutural/ele se decide no corpo a corpo dramático/como se fosse uma luta de MMA/em que um lance de dados/jamais abolirá o acaso,/a falta, a falha, a gralha,/o erro e a incerteza'. Boa ou ruim, a sua poesia é um fato irreparável.
Além de dramático, o autor é gaiato. E, para fazer um teste de audiência, submeteu um poema de sua lavra a um literato crédulo e devoto dos grandes escritores. Mas, com um detalhe: atribuiu a autoria do poema a Carlos Drummond de Andrade, sob a alegação de ser texto inédito do mestre de Itabira, descoberto recentemente.
Durante a leitura, percebeu que os olhos do leitor fulgiam de admiração. Ao fim, o literato sentenciou: Drummond é efe. O verdadeiro autor afirmou que não tinha como refutar: sim, Drummond é efe."
PS: O livro Flama pode ser adquirido na Livraria Sebinho (406 Comercial Norte).