Unidades pediátricas do Sistema Único de Saúde (SUS) na capital do país entraram na mira de instituições com o poder de fiscalizá-las. Nessa sexta-feira (1º/7), o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) promoveu vistorias para verificar as condições de funcionamento de dois hospitais: o Materno Infantil de Brasília (Hmib) e o Regional de Taguatinga (HRT). Representantes da 1ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (Prosus) visitaram os dois locais devido a denúncias de descumprimento de recomendações feitas pelo departamento à Secretaria de Saúde (SES-DF).
Nas últimas semanas, o Correio noticiou, por meio de diversas reportagens, os dilemas dos brasilienses que dependem da rede pública para conseguir atendimento em saúde. Em relação aos serviços pediátricos, famílias relatam aguardar dias para conseguir o acompanhamento necessário às crianças. Nas vistorias dessa sexta-feira (1º/7), as equipes do MPDFT visitaram os hospitais para obter dados sobre esse cenário. "As informações levantadas devem embasar a atuação judicial", afirma o promotor Luiz Humberto (leia Três perguntas para).
Saiba Mais
Perto do fim da visita ao HRT, uma mãe pediu ajuda ao promotor. Moradora do Recanto das Emas, Milena Neto Carneiro, 41 anos, busca atendimento para o filho, José Vitor, 13, desde quarta-feira. "Ontem (quinta-feira), ele fez o teste da covid-19, que deu negativo. Mas está com vômito e febre. Há suspeita de dengue. Fizemos os exames no Hospital (Regional) de Samambaia, mas não tem médico para ler os resultados", reclama a mãe, que ainda pesquisou preços de consultas na rede particular. "Mas não tenho condições de pagar R$ 200."
Milena e o filho tentaram a sorte na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Recanto das Emas também. Porém, não conseguiram: "Hoje (sexta-feira), eu ia à (UPA) do Gama, mas minha amiga avisou que não tinha médico disponível. No DF inteiro, está sendo muito difícil conseguir atendimento pediátrico (pela rede pública). Meu filho, ao menos, é grande. Fico pensando nas mães de bebês, porque eles não sabem dizer o que estão sentindo, o que estão passando".
Prejudicados
Suzany Lopes, 19, aguardava pelo atendimento da filha, Vitória Sophia, 3 meses, no Hmib. Devido à pulseira amarela no braço da criança, a expectativa era de que a chamada ocorresse rápido. "Hoje (sexta-feira), estão chamando mais depressa. Mas, no domingo, também estive aqui, porque ela (a bebê) está com dificuldade para respirar e sintomas gripais. Cheguei por volta das 23h e fomos ver o médico às 2h. Ele só passou uma bombinha de asma, mas ela continua ruim, querendo só dormir. Agora, estou aqui de novo", relata.
Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), Fátima Sousa avalia que não só pacientes se prejudicam pela situação vista no DF, mas os próprios servidores de saúde: "Há sofrimento nas filas; dores pelas perdas de vidas nos leitos dos hospitais e nas UPAs; violência nas UBSs (unidades básicas de saúde) por falta de tudo; profissionais em sofrimento mental, sem poder responder aos desmandos do governo, que não assegura condições de trabalho. É desumano. Esse quadro de terror se agrava com as demandas represadas na pandemia e, agora, com as sequelas da covid-19".
Para resolver os problemas, Fátima sugere que o Estado não veja a saúde apenas como um meio de assistência às doenças, mas para construção de territórios saudáveis. "Para um atendimento menos precário, é necessário que seja implantado, de fato, o SUS no DF. E que não haja privatização. Massificar os agentes comunitários em todas as 33 cidades, ampliar o atendimento do (programa) Saúde da Família, abastecer todas as unidades com medicamentos e equipamentos, e tratar o povo como gente é o mínimo. Precisamos de um governo que tenha como meta central proteger a saúde da população", defende Fátima.
"Dentro dos padrões"
Questionada sobre a fiscalização do MPDFT, a SES-DF informou que os promotores puderam constatar um atendimento "dentro dos padrões técnicos exigidos, sem restrições, com registro de bandeira verde". A pasta explicou, ainda, que a visita ao HRT teve relação com os repousos da equipe de enfermagem.
"É importante destacar que, diariamente, a rede pública atende em média 1.350 crianças (consultas e emergência). Nas UPAs, o público infantil é acolhido em caso de gravidade, inclusive com a estabilização do paciente. Os demais quadros clínicos são encaminhados para as nove unidades de referência em pediatria: os hospitais regionais de Sobradinho (HRS); de Planaltina (HRPL); Leste (HRL); de Santa Maria (HRSM); de Ceilândia (HRC); do Guará (HRGu); de Brazlândia (HRBz), além do HRT e do Hmib", elencou o órgão.
A pasta acrescentou que duas portarias de 2017 do Ministério da Saúde não citam as especialidades da medicina que devem ser contempladas nas UPAs. "(Elas) apenas citam o número de 'profissionais médicos' necessários para o funcionamento das unidades", concluiu.
Três perguntas para...
Luiz Humberto, promotor de Justiça da Prosus
Como o senhor avalia as duas visitas feitas nessa sexta-feira (1º/7)?
A avaliação, do ponto de vista das informações, tem sido válida. Estamos coletando isso (dados) para tomar as providências que entendermos cabíveis em relação ao atendimento da pediatria. O que temos notado são falhas estruturais nessa questão. Se o atendimento secundário (ambulatorial especializado e de média complexidade) fosse adequado, os hospitais seriam menos pressionados em relação à atenção terciária (hospitais de médio e grande porte, para casos de alta complexidade). E se as UPAs (unidades de pronto-atendimento) atendessem pediatria, teríamos uma pressão menor nos hospitais. Temos notado uma falha grave de gestão, que poderia ser muito bem solucionada. Não me parece muito difícil resolver, mas falta uma boa vontade para isso.
Quais medidas podem ser tomadas diante da falta de retorno da Saúde?
Temos de buscar outro caminho, pois a conversa está meio encerrada. (Uma alternativa) é a responsabilização dos gestores pelo atendimento precário na parte pediátrica. Durante as visitas, temos solicitado alguns documentos (sobre) questões de produtividade e, também, das razões para falta de médicos. Outra dúvida é a orientação à população: se um hospital não atende as faixas verde e amarela, só vermelha e laranja, para onde um pai ou mãe pode ir? O que não pode é eles voltarem para casa com o filho doente, sem conseguir atendimento e com risco de a doença evoluir, agravar-se.
A partir do término do prazo para resposta da SES-DF, o que o MPDFT pode fazer?
A promotoria aguardou o encerramento do prazo e foi atrás de informações sobre a saúde pública do DF. Nossa recomendação, como dito, é sobre a existência de um planejamento preventivo (para o período) entre maio e julho, pois, como as doenças respiratórias tendem a crescer (nesses meses), as crianças precisam de atendimento de qualidade. Após (fazer) estudos, o Ministério Público descobriu que o Ministério da Saúde exige que as UPAs tenham atendimento pediátrico, mas o Distrito Federal é a única unidade federativa que não cumpre tal norma. Por isso, o MPDFT pretende entrar com uma ação civil pública, para que haja uma gestão satisfatória.