"É desesperador. Só Deus sabe o que a gente passa." Esse é o relato de Maria Aparecida Farias, 44 anos, moradora do Recanto das Emas, sobre o desafio diário de buscar atendimento e suporte psicológico no sistema público de saúde para a filha, Miriam Mesquita, 19, diagnosticada com bipolaridade e esquizofrenia. A dona de casa é somente mais uma brasiliense que está na luta por tratamento digno na rede dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
As unidades, que deveriam trazer alívio ao sofrimento psíquico dos pacientes, não conseguem absorver a demanda do Distrito Federal. O deficit no atendimento tem ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que pretende obrigar o governo a construir 19 Centros de Atenção Psicossocial (Caps). No entanto, os prazos de entrega ainda não foram definidos.
Foi à Justiça que Maria precisou recorrer. Com um pedido na Defensoria Pública do DF (DP-DF), Miriam teve reconhecido o direito de receber acompanhamento médico e psicológico. "Ela faz acompanhamento desde os seis anos, mas quando completou 18, eles quiseram que ela começasse a ficar visitando apenas a UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) e pegando os medicamentos. No entanto, isso não é o bastante para o caso dela. Infelizmente, aqui no Caps III de Samambaia, não tem vaga. Parece que o governo deixa tudo difícil para a gente desistir", desabafa.
A mãe relata o desamparo em episódios de surtos psicóticos da jovem. Em um deles, Maria relata que chegou a ser esfaqueada nas costas, barriga e braço. "Isso não acontece porque ela quer, é algo que fica fora do controle. Só que, no atendimento, os bombeiros apenas a levam para a UPA, onde várias vezes ela foge, e nunca tem um atendimento psiquiátrico", lamenta Maria.
Sobrecarga
Durante dois dias, a reportagem do Correio percorreu diversos Caps da capital do país e ouviu servidores que relataram a realidade da falta de investimentos. "Tentamos negociar com a Secretaria de Saúde a permissão para horas extras e chegamos a mudar escalas para dar conta da demanda", relata um dos funcionários.
Em outros Caps visitados, cujos servidores preferiram não se identificar, a reclamação é uníssona, a necessidade da abertura de novos espaços. "A maioria dos centros precisa lidar com o dobro da sua capacidade demográfica e atender mais do que apenas a região administrativa em que estão", observa um dos ouvidos.
De acordo com o relatório do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), concluído em novembro de 2021, dos 18 Caps do DF, apenas três — Taguatinga, Sobradinho e Recanto das Emas — "poderiam ser considerados adequados, atualmente, no que diz respeito unicamente ao critério de cobertura populacional para quantitativo de pessoas abaixo dos 19 anos".
No Caps infantojuvenil (Capsi) da Asa Norte, por exemplo, 500 mil pessoas precisam de cobertura e não têm acesso aos serviços, sendo urgente a abertura de mais um centro. O órgão também apontou que o Caps II de Taguatinga atende uma população excedente de 666 mil habitantes e que a região administrativa precisa de mais duas unidades para dar conta dos pacientes.
Clayton Germano, da 2ª Promotoria de Defesa da Saúde (Prosus), explica que o MPDFT ajuizou ação civil pública que determinou a construção de 19 Caps. "Desses, quatro foram entregues e cinco estão com prioridade de implantação ainda em fase incipiente, mas já tem o terreno e as regiões que serão construídos", detalha. Os locais definidos pela Secretaria de Saúde são: Recanto das Emas, Gama, Taguatinga, Guará e Ceilândia. "É importante que ocorra também a contratação de pessoal especializado na área da saúde mental", reforça o promotor.
Presidente do Conselho Regional de Saúde do Gama, Enoquio Sousa Rocha afirma que o tema não é prioridade para o governo do DF. Para ele, a saúde mental demanda muito dos Caps, principalmente depois da pandemia. "Se acentuou muito. No Recanto das Emas, tem uma unidade, mas o atendimento não é bom. É um psicólogo para atender cerca de três mil pessoas", ressalta. "Falta estrutura e profissionais, está tudo largado", denuncia o representante.
A incerteza da espera
Adriana Silva, 40 anos, moradora do Sol Nascente, vive na pele a falta de atendimento. Há cinco anos ela tenta conseguir para o filho, Gabriel, 10, um acompanhamento multiprofissional no Centro de Orientação Médico-psicopedagógico (COMPP), da Asa Norte. "Ele precisa de um psicólogo, mas nunca tem vaga. A gente continua vindo aqui, mais ou menos de três em três meses, para fazer avaliação, pegar algum remédio para ajudar ele a dormir e diminuir a agitação, e ficamos esperando algum paciente receber alta e ele ser encaixado na vaga", detalha.
A falta de atendimento psicológico prejudica o desempenho escolar de Gabriel, que sem laudo, não pode receber suporte diferenciado da rede de ensino.
Dedicação
A servidora Roberta da Ávila, da Subsecretaria de Atividade Psicossocial, explica que muitos brasilienses conseguem atendimento após ação ajuizada pela Defensoria Pública. "O que a gente observa são profissionais qualificados no serviço, mas sobrecarregados", avalia. O esforço realizado pelos profissionais é reconhecido pelos pacientes. No Caps II de Taguatinga, Maria Auxiliadora Lima, 44 anos, moradora do Sol Nascente e dona do lar, garante que é muito bem recebida. "Faço inclusive serviços na horta daqui. O que acontece é que falta o governo investir", opina.
Respostas
Sobre os desafios relatados, a Secretaria de Saúde respondeu, em nota, que entre 2018 e 2022 os Caps realizaram cerca de 770 mil atendimentos. "Todos esses serviços articulados funcionam de maneira a garantir que essa população seja atendida de forma consentânea às suas necessidades de saúde mental. Para os casos leves de sofrimento mental, a Atenção Primária à Saúde está apta a promover atendimentos e prevenir agravos, devendo a pessoa procurar a Unidade Básica de Saúde mais próxima de sua residência", finaliza.