Os jogadores de futebol estão protestando contra mudanças nas leis esportivas que os prejudicam do ponto de vista profissional. Eles iniciam a partida, param no próximo segundo, fazem aquela pose de estátua e tapam a boca com a mão. É algo que chega a surpreender, porque os nossos craques atuais são de uma alienação cósmica. Vivem dentro da bolha das redes sociais, exibem os carrões com cascata artificial e filhote de jacaré, relógios de ouro e selfies com duplas breganejas ou com o presidente negacionista.
É legítimo e alentador que se unam e se insurjam para defender os seus direitos e interesses. No entanto, eles deveriam estar mais atentos em outros instantes nos quais entra em jogo questões coletivas. A maioria assistiu aos negacionismos dos governantes, durante a pandemia, da maneira mais passiva e servil. As enchentes que assolaram a região Nordeste e as altas de temperatura que assombraram (e assombram) a Europa têm, segundo os cientistas, a mesma causa: o aquecimento global.
No entanto, não se vê nenhuma manifestação dos nossos jogadores contra o desmatamento da Amazônia, do pantanal ou do cerrado. E tampouco sobre as ameaças a democracia que pairam sobre o país há vários anos. Apoiam políticos sem nenhum compromisso com os interesses da civilidade. Agora, sofrem na carne pela desatenção política. Não se trata de pedir que assumam alguma posição partidária, mas, sim, se posicionem sobre as grandes questões coletivas.
São misteriosas as razões que nos impelem a torcer por um time e a se identificar com ele de corpo e alma. Eu comecei a me tornar corinthiano por causa do Rivellino. Era interessante: o Corinthians ficou sem ganhar um título mais de 10 anos e, em vez da torcida minguar, o bando de loucos só aumentou. Mas, na verdade, só passei a torcer pelo Timão, com toda a convicção, depois da geração da democracia corinthiana comandada por Sócrates, Casagrande, Zenon e Vladimir.
Era uma dupla alegria pelas vitórias em campo e pelas batalhas a favor da democracia. Nos tempos da seca de títulos, que durou mais de uma década, os donos dos mercadinhos e dos botecos escreviam nas tabuletas: "Fiado, só quando o Corinthians for campeão". Todavia, aquela geração nos brindou com tantas taças que os pragmáticos comerciantes logo tiveram de reescrever as tabuletas e inscrever a nova frase: "Fiado, só quando o Corinthians não for campeão".
Como bem disse Casagrande, os craques são os donos do espetáculo. No entanto, os jogadores atuais desprezaram totalmente a lição da democracia corinthiana e amarelaram momentos cruciais da história recente do país. Infelizmente, o que Glauber Rocha dizia vale plenamente para os jogadores da seleção: "No Brasil, os jogadores de futebol têm uma bola de capotão número 5 na cabeça, se der um furo sai apenas ar".
Os jogadores de futebol precisam sair da bolha de alienação, entrar em contato com o Brasil real e se posicionarem. Depois, quando tiverem seus direitos lesados, não adianta reclamar.
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