A prisão cinematográfica do torcedor capturado durante o jogo de futebol entre Flamengo e Juventude, no Mané Garrincha, retrata a audácia e senso de impunidade de criminosos foragidos da Justiça. Com uma camiseta do rubro-negro, Breno Willians Correia se infiltrou entre os mais de 60 mil torcedores e usou as redes sociais para postar uma foto ao lado da namorada. O registro foi um dos métodos de investigação utilizado por policiais para prendê-lo na saída do estádio. O caso, revelado em primeira mão pelo Correio, é apenas uma dimensão da extensa lista de procurados. Dados exclusivos obtidos pela reportagem mostram que, em todo o Distrito Federal, há mais de 5 mil foragidos por mandado de prisão, fora os 118 homens e mulheres que saíram de presídios da capital nos chamados "saidões", este ano, e não retornaram.
O levantamento da Divisão de Capturas e Polícia Interestadual da Polícia Civil (DCPI/PCDF) revela que, em toda a capital, há 5.599 pessoas procuradas pela Justiça. Dessas, 3.132 são por mandados de prisão condenatórias (quando há uma sentença de pena deferida pelo juiz); 2.373 preventivas (sem prazo pré-definido e pode ser decretada pelo magistrado em qualquer fase da investigação policial); e 94 temporárias (tem o prazo de cinco dias, mas pode ser prorrogada). Os dados trazem, ainda, os delitos mais cometidos pelos foragidos, a começar pelos crimes contra o patrimônio (roubo, furto e extorsão), tráfico de drogas, homicídio e violência doméstica.
O número de foragidos enquadra situações, por exemplo, de pessoas que foram liberadas em audiência, mas o juiz decretou a prisão posteriormente. Um dos casos recentes é o de Leandro Aparecido dos Santos, 35, preso acusado de roubar relógios da marca Rolex em áreas nobres do DF. Ele passou por audiência de custódia, foi solto e até voltou à terra natal, em Taboão da Serra (SP). No entanto, após nova representação pela prisão preventiva por parte da 10ª Delegacia de Polícia, ele acabou recapturado.
O delegado-chefe da DCPI, Henry Galdino, explica o trabalho dos investigadores nessa área. "Somos os responsáveis pelo cumprimento de mandados em abertos, sejam eles temporários, condenatórios ou preventivos. Fazemos uma investigação prévia em sistemas abertos ou fechados e temos uma equipe composta de três a quatro policiais, que são divididos por áreas e trabalham diuturnamente. Por ano, cumprimos em média de 1,3 mil a 1,4 mil mandados", frisou.
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Sistema prisional
O DF tem um total de 16.005 presos abrigados em oito complexos penitenciários. Os policiais penais são os profissionais incumbidos de garantir a ordem nos presídios e fazer incursões na recaptura de detentos. Dentro da corporação, há uma área específica que trabalha com o controle de inteligência e monitoramento: a Diretoria de Operações Especializadas (Dpoe).
De janeiro até ontem, o sistema de procurados da Secretaria de Administração Penitenciária (Seape-DF) contabilizava 118 foragidos. De acordo com um painel de fugitivos, a maioria desses internos fugiu após sair para trabalhar, ao ser beneficiado pelo "saidão", e não retornou à unidade prisional, por abuso de confiança ou fuga de presídio. Um dos casos é o do detento Luan Bruno Figueiredo Alves, 31, que se evadiu do Hospital Regional do Paranoá (HRPA) em 5 de maio vestindo apenas uma fralda hospitalar.
Luan deu entrada na unidade de saúde ao se queixar de sintomas de AVC, e ficou em estado de coma. Na madrugada, ele fugiu e foi recapturado pelas equipes da Dpoe seis dias depois no momento em que entrava com um carro no condomínio onde mora a mãe, no Paranoá. Durante a perseguição policial, Luan jogou o carro para cima dos policiais e só parou ao colidir o veículo contra o meio-fio.
Uma outra situação foi de uma mulher procurada pela Justiça por estelionato, uso de documento falso, associação criminosa e falsidade ideológica. A acusada prestava serviços em uma empresa e trabalhava no setor administrativo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), quando foi detida na própria sala.
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Recapturas
Só no ano passado, a Polícia Civil do DF cumpriu 10.252 mandados de prisão criminal. De janeiro até ontem, 5.269 pessoas foram presas. Em relação aos foragidos do sistema prisional, a Seape, por meio da Dpoe, realizou, nos cinco primeiros meses de 2022, mais de 130 recapturas de detentos do sistema penitenciário.
"O policial que atua na recaptura é treinado no campo de inteligência, precisa conhecer as técnicas aplicadas e analisar dados. Nossas equipes passam por cursos de capacitação constantes e troca de conhecimento entre as forças. Nesses cursos os policiais se especializam em entrevista, busca e análise de dados, acompanhamento e outras técnicas de operações de inteligência", afirma o chefe do Núcleo de Recaptura da Dpoe, Willian Alencar.
Responsáveis pelo patrulhamento constante nas vias, os mais de 10 mil policiais militares cumprem papel importante na recaptura de foragidos. São eles que fazem as rondas ostensivas nos quatro cantos do DF e encontram, diariamente, pessoas procuradas pela Justiça da capital e até de outros estados. "Boa parte das prisões de foragidos são efetuadas pela PM durante abordagens no dia a dia. Nossas equipes conseguem capturar muitos criminosos principalmente rondando na área central de Brasília, em rodoviárias, feiras e comércios", detalhou o major Michello Bueno.
A prisão do torcedor do Flamengo partiu de uma operação conjunta entre policiais penais da Dpoe e dos militares do Batalhão de Operações Especiais (Bope). Numa troca de informações e do monitoramento de inteligência, as equipes montaram uma blitz na saída do estádio e conseguiram capturá-lo.
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Fuga espetacular
Dezessete detentos fugiram do Complexo Penitenciário da Papuda durante a madrugada de 14 de outubro de 2020. Os presos abriram um buraco no teto do Centro de Detenção Provisória (CDP) e se evadiram. Todos os envolvidos na maior fuga da década foram recapturados.
O que diz a lei
O art. 684 do Código de Processo Penal dispõe que: “A recaptura do réu evadido não depende de prévia ordem judicial e poderá ser efetuada por qualquer pessoa”