SAÚDE

Dengue não dá trégua no DF, e casos prováveis aumentam 451% em 2022

Total de casos prováveis — aqueles de pacientes com sintomas característicos da doença — aumentou 451% nas primeiras 27 semanas deste ano, na comparação com o mesmo período de 2021. Ceilândia é a região administrativa com mais notificações

Pedro Marra
postado em 23/07/2022 06:00
Mosquito Aedes aegypti -  (crédito: LUIS ROBAYO/AFP)
Mosquito Aedes aegypti - (crédito: LUIS ROBAYO/AFP)

Junto à pandemia da covid-19, que continua a fazer vítimas, a dengue integra a lista de principais doenças que agravam os problemas de saúde pública no Distrito Federal. A proliferação do mosquito transmissor da virose, o Aedes aegypti, ocorre não só pela falta de cuidados em casa, mas por questões que envolvem o poder público, como atenção ao saneamento básico e a imóveis ou lotes abandonados. Até a 27ª semana epidemiológica deste ano, finalizada em 9 de julho, o total de casos prováveis passava de 59 mil — 451% a mais que em 2021, quando eram 10,7 mil. O total de mortes nesse intervalo também cresceu: passou de sete para 11. Os dados constam no mais recente boletim epidemiológico, divulgado nessa sexta-feira (22/7) pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF).

Entre os sintomas mais comuns, estão febre alta, dores pelo corpo, atrás dos olhos e até perda de peso. A diarista Angelúcia Paulino da Cruz, 47 anos, costuma visitar a casa da cunhada, no P Norte — em Ceilândia, cidade do DF com maior número de casos de dengue registrados no primeiro semestre deste ano: 10,1 mil. Angelúcia suspeita que tenha sido picada pelo Aedes aegypti lá ou no trabalho. "Tive fraqueza nas pernas, dor nas costas e na cabeça, febre de 39ºC. Eram coisas que nunca tinha sentido na vida", relata.

Os primeiros sinais apareceram em uma sexta-feira, depois que a moradora do Pôr do Sol chegou do trabalho. Após três dias, decidiu procurar um hospital. Na unidade de saúde, em Taguatinga Sul, receitaram remédios para enjoo, para febre e dor muscular. Mesmo assim, Angelúcia não melhorou. Os sintomas se agravaram, acompanhados de uma infecção urinária, e ela teve de ficar internada. À época do diagnóstico, no início de maio, a diarista perdeu quase 10kg. "Nem minha comida eu conseguia comer, porque estava salgada ou doce demais. Só tomava água, além de soro e remédio na veia", detalha.

  • Angelúcia ficou internada após ter, também, uma infecção urinária Arquivo pessoal
  • Raimundo teve dengue pela segunda vez, em abril: 10 dias para melhorar ED ALVES/CB/D.A.Press
  • Trabalho da população com o poder público é necessário para evitar o acúmulo de lixo em locais privados e nas ruas. No ano passado, visitas em domicílio ficaram suspensas devido à covid-19, segundo a Secretaria de Saúde ED ALVES/CB/D.A.Press
  • Trabalho da população com o poder público é necessário para evitar o acúmulo de lixo em locais privados e nas ruas. No ano passado, visitas em domicílio ficaram suspensas devido à covid-19, segundo a Secretaria de Saúde ED ALVES/CB/D.A.Press

Infectologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), Valéria Paes destaca que a doença não costuma deixar sequelas, mas pode exigir um período de recuperação longo. Quando há aumento de casos, os profissionais da saúde se preocupam, em especial, com quedas de pressão e perdas de sangue, por se tratar de uma doença febril, infecciosa e aguda. "E, quando a pessoa contrai pela segunda vez, existe uma chance maior de evolução para formas mais graves, também causando dores de cabeça e musculares", alerta a especialista.

Como a dengue não se transmite de pessoa para pessoa, mas pelo Aedes aegypti — o que faz da doença uma arbovirose —, a infectologista acredita que o aumento de casos do ano passado para cá se deu pelos esforços das equipes de saúde pública estarem direcionados ao combate da pandemia de covid-19. "Assim, as medidas de prevenção (contra a dengue) foram menos intensas, porque o controle dos reservatórios do mosquito precisa ocorrer continuamente", observa Valéria Paes.

Investigação

Depois de três anos, o eletricista Raimundo Borges Gonçalves, 49, contraiu a doença pela segunda vez. Em abril último, o morador de Ceilândia Sul começou a apresentar dores de cabeça, nas articulações e atrás dos olhos, além de enjoo, ânsia de vômito e vermelhidão pelo corpo. Na Unidade Básica de Saúde (UBS) nº 17 da cidade, onde foi atendido, recebeu prescrição de anti-inflamatório e soro caseiro. "No dia seguinte, retornei ao posto, porque os sintomas continuaram. Tomei um litro de soro, mas levou 10 dias para eu melhorar", recorda-se.

Assim como Angelúcia, Raimundo perdeu peso após a virose. No período de infecção, foram 5kg a menos. Funcionário da usina de compostagem do Serviço de Limpeza Urbana (SLU), na Asa Sul, ele acredita que tenha sido picado pelo mosquito no trabalho. "Muita gente de lá pegou dengue na mesma época que eu. Cheguei a ficar com 39ºC de febre e não conseguia comer nada", relata.

Em relação ao crescimento dos registros de dengue neste ano, o subsecretário de Vigilância à Saúde, Divino Valero Martins, argumenta que a SES-DF trabalha com base nas orientações técnicas do Ministério da Saúde. Em 2021, porém, com número expressivo de casos da covid-19, a pasta federal suspendeu a visitação das equipes às casas da população, o que teria levado a uma presença maior no ambiente doméstico de objetos capazes de acumular água parada. "Com tudo acontecendo ao mesmo tempo, é normal que tenha havido aumento considerável de casos de um ano para o outro", afirma.

Além disso, a análise do subsecretário sustenta que este ano tem um cenário pior do que antes da pandemia da covid-19. Até a semana epidemiológica 27 de 2019, por exemplo, o DF tinha 35,1 mil casos prováveis — 40,5% a menos do que no mesmo período deste ano. Divino Valero alega não ter havido aumento de notificações e, sim, mais conclusões de investigações epidemiológicas, pois os casos prováveis exigem diagnósticos clínicos e observações sobre grupos de pessoas. "Lá na frente, o exame laboratorial pode confirmar ou negar a doença, só que ela já havia sido dada como dengue (no boletim). Então, (com o tempo), pode-se concluir para mais ou menos diagnósticos. É uma mineração de dados", resume.

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