ENTREVISTA

Direitos da gestante preveem acompanhamento durante toda a gravidez

Médica ressalta que mães podem ter companhia nos atendimentos em todas as fases da gravidez e alerta para casos de violência no parto

Renata Nagashima
postado em 15/07/2022 06:00 / atualizado em 15/07/2022 06:02
Marcelle Domingues Timothi, ginecologista e obstetra -  (crédito: ED ALVES/CB/D.A.Press)
Marcelle Domingues Timothi, ginecologista e obstetra - (crédito: ED ALVES/CB/D.A.Press)

Durante todo o processo de gestação, as mães têm três importantes direitos: ser respeitada, não sofrer violência obstétrica e a contar com um acompanhante — como previsto na Lei nº 11.108/2005. Diante do chocante caso que envolveu o anestesista Giovanni Quintella, flagrado enquanto estuprava uma mulher durante uma cesariana, a ginecologista e obstetra Marcelle Domingues Thimoti explicou algumas das prerrogativas legais das grávidas no Brasil. Ao programa CB.Saúde — parceria do Correio com a TV Brasília —, a médica enfatizou que elas não precisam ser sedadas ao dar à luz e que podem exigir a presença de alguém de confiança ao passar por qualquer procedimento. Confira os destaques da entrevista, concedida à jornalista Carmen Souza, nessa quinta-feira (14/7).

Não podemos deixar de começar com essa história escabrosa, que assustou brasileiros e brasileiras esta semana: o caso de estupro durante um parto, no Rio de Janeiro. Meu convite é para tentarmos orientar mulheres, grávidas e acompanhantes em relação aos direitos das gestantes. Vamos começar assim?

Quando vi a notícia, a primeira coisa que me chamou a atenção como ginecologista e obstetra foi que a paciente não estava com acompanhante. É uma garantia. Há uma lei que (diz que) a gestante tem direito a um acompanhante em todo atendimento no hospital ou consultas. Vemos que, infelizmente, muitas vezes, esse direito não é cumprido. Principalmente em hospitais públicos, porque, geralmente, dão a desculpa de que não há roupa privativa; (de que) não conseguem, por causa de instalações físicas, garantir privacidade para as outras pacientes. Aí, a presença de um acompanhante, principalmente do sexo masculino, pode ser invasiva para outras pacientes e, por causa disso, deixa-se de cumprir uma premissa básica, que é esse direito. (...) Outra coisa que chama a atenção é não ser prática sedar a paciente, uma gestante durante a cesárea. Primeiro porque, de toda medicação feita na gestante, a maior parte passa para o bebê, e isso pode causar um sofrimento fetal quando ocorre antes do nascimento. Geralmente, não sedamos a mãe porque é um momento único para ela: o filho dela está chegando. Então, não queremos que ela esteja dormindo na hora, mas que tenha uma participação ativa no processo. Quando ela é sedada? Às vezes, há uma situação em que ela se sente muito mal, então fazemos a medicação. Mas nunca a ponto de impedi-la de reagir, de amamentar.  

Existem situações em que a equipe médica pode tirar o acompanhante da sala de parto por causa de uma emergência? Quais?

Poder, pode. É habitual? Não. Às vezes, quando há alguma situação de urgência, (quando) alguma coisa não está indo bem ou temos de fazer algum procedimento, para não assustar o acompanhante, às vezes, pedimos para se retirar. Mas tudo isso é informado e tem de ser consentido. Se o acompanhante não quiser sair, ele não é obrigado.

Finalizado o parto, o acompanhante tem direito de permanecer? 

Após o nascimento do bebê, geralmente, falamos para o pai ficar mais de olho no bebê. Às vezes, nessa situação, a paciente se encontra sozinha. É bem comum vermos em sala de cesárea todo mundo cuidando do bebê, olhando para ele, e a paciente fica um pouquinho só. No pós-parto, a paciente fica internada, geralmente, por 48 horas. Nesse momento, também é garantido a ela ter um acompanhante. Ela deve ter alguém o tempo inteiro. Até mesmo por questões emocionais, pois é um momento de vulnerabilidade, e ela pode precisar de ajuda para cuidar de si e do bebê.

A prática de violência obstétrica também ocorre de outras formas. Quais são comuns na sala de parto?

São várias, infelizmente. Há práticas que nem usamos mais, (como) uma manobra em que se empurra a barriga da gestante para o bebê nascer. Ela é totalmente proscrita. A OMS (Organização Mundial da Saúde) fala para não usar, pelo risco de lesão à criança, lesão de ombro, risco de rotura (rompimento) uterina e de fraturas de costela da mãe também. Outra prática bem comum antigamente e que não se usa mais é a episiotomia — fazer um corte na vagina com o falso intuito de expandir o canal vaginal para a saída do bebê. Isso não é necessário. A musculatura se adapta à saída do bebê, então, não é necessário, pois não previne lacerações graves — quando ocorre a ruptura do tecido. (...) E há as violências verbais. A paciente, geralmente, não é chamada pelo nome. Ela é a "mãezinha". Muitas se incomodam com isso, porque é como se perdessem a identidade por estar naquela situação. Ou, ainda, não compartilhar com a paciente decisões a serem tomadas, por exemplo, a de romper bolsa. (...) De praxe, (para) fazer qualquer procedimento ou toque na gestante, você tem de confirmar se ela quer aquilo. Essas violências são cotidianas, e estamos tentando mudar o cenário obstétrico no Brasil.

Assista à entrevista na íntegra

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