O movimento na plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto com pessoas na fila ou dentro de carros de passeio e vans mostra a rotina do transporte pirata na capital, usado por trabalhadores que madrugam e vêm do Entorno do DF e de longe para trabalhar em Brasília. Na maioria das vezes os passageiros se arriscam nesses veículos para chegarem mais rápido ao destino final, mesmo com receio de furto e roubo. Diante dessa realidade, a reportagem do Correio traz o relato sobre os riscos que a população passa no dia a dia.
Na última quarta-feira, vinda de ônibus do Pedregal, bairro do Novo Gama (GO), uma estudante do ensino médio, de 16 anos, que não quis se identificar, reclamou de ter ficado mais de uma hora na fila da plataforma inferior da rodoviária à espera de um ônibus para ir ao Arapoanga, em Planaltina, visitar o pai. A demora a motivou a subir as escadas do terminal e entrar em uma van na plataforma superior.
Antes mesmo do veículo deixar o estacionamento, a garota e outras três mulheres decidiram descer do carro. "É a primeira vez que eu iria pegar o transporte pirata porque eu chegaria rápido em casa, mas decidi esperar o ônibus mais um pouco porque fiquei com medo", explica.
A garota conta que o motorista xingou as passageiras (que reclamaram da demora) e "disse que não precisava do nosso dinheiro." A estudante observou que, na estrutura da van, não viu cinto de segurança. "Os bancos estavam todos rasgados na lateral", acrescenta.
No primeiro semestre deste ano, o Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) registrou quase 2,3 mil infrações de transporte irregular, número 85% maior do que o registrado no mesmo período de 2021, quando 1,2 mil casos foram notificados por agentes da autarquia. Durante o primeiro ano da pandemia de covid-19 foram registradas mais de mil ocorrências, menos da metade do que foi verificado neste ano.
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Diretor de Policiamento e Fiscalização de Trânsito do Detran-DF, Glauber Peixoto argumenta que o aumento das estatísticas se deve a dois motivos: alta da circulação de pedestres e veículos e ao mapeamento dos locais com uso frequente de transporte público. Segundo ele, no ano passado, a capital tinha restrições de atividades presenciais por conta da pandemia da covid-19, principalmente em relação às escolas e ao trabalho remoto.
"Por essa razão, nesses mapeamentos, o Departamento de Trânsito faz essa abordagem direcionadas a esse público, conseguindo êxito na fiscalização e retirada de circulação desses condutores que praticam essa irregularidade", contextualiza. O especialista acrescenta que esse tipo de transporte traz riscos de acidentes aos passageiros, que não sabem quem está ao volante, se a pessoa tem experiência e capacitação técnica para dirigir.
Uma moradora de Águas Lindas de Goiás (GO) assume esse risco há dez anos. Ela, que foi uma das mulheres que entrou em uma van clandestina rumo ao Lago Norte, no começo da manhã da última terça-feira, conta que o uso desse tipo de transporte compensa pelo custo-benefício, pois o trânsito fica menos engarrafado, sem problema de poucas opções de ônibus. Em reportagem do dia 06 de julho o Correio mostrou "A luta diária para usar o transporte público no DF". "Se eu pegasse um ônibus que vai pela W3 Norte, demoraria uma hora para chegar no trabalho", avalia a cozinheira, que preferiu não revelar a identidade.
A passageira paga R$ 5,50 — valor que ela diz ser o mesmo cobrado no ônibus quando vem de Goiás. "Só pego van pirata com quem conheço de motoristas e cobradores, porque com quem não conheço não vou pegar", acrescenta. Motorista da van, que também optou por não revelar a identidade, afirmou que dirige em várias regiões, como Sobradinho e Planaltina. "É o nosso ganha-pão fazer esse transporte e rodar o DF mais rápido do que o ônibus", diz o condutor que costuma transportar 100 pessoas 12 horas por dia.
Professor de Psicologia Social da Universidade de Brasília (UnB), com pesquisas sobre trânsito, Hartmut Gunther afirma que há uma negligência quanto à não fiscalização dos ônibus também. Para ele, o sistema público oferece muito dinheiro às empresas de ônibus, mas não as fiscaliza com rigor. "Então, se você vê negligência dessa natureza no transporte público, por qual razão vão fazer maior fiscalização no transporte pirata?", indaga.
A depender da qualidade do transporte público, Gunther cita que um ônibus pode quebrar, ter um assalto dentro, estar superlotado e motoristas darem freadas bruscas, por exemplo. Mas, dentro de um transporte pirata, o especialista pontua que a pessoa também não conhece quem está no comando do transporte clandestino que, mesmo assim, oferece acesso mais próximo da residência ou trabalho para onde a pessoa vai. "Diante da situação de transporte público, a população é tão desesperada que se arrisca", finaliza o professor.
O transporte remunerado de passageiros sem autorização é uma ilegalidade prevista no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), segundo a Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob). O transporte remunerado de bens ou pessoas sem o devido licenciamento tem um média de circulação 11 por dia. O veículo flagrado pode ser removido pelas autoridades fiscalizadoras, além de ser considerada pelo Detran-DF uma infração gravíssima, que pode resultar em multa de R$ 293,47 e perda de sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Em nota, o Detran informa que realiza fiscalização durante as blitze de rotina e, nos casos de flagrantes de veículos realizando transporte remunerado de pessoas sem autorização, autua os condutores conforme o CTB. Os pontos mais comuns são a Rodoviária do Plano Piloto, Eixinhos Norte e Sul, Avenida Hélio Prates, Sobradinho, Gama, Guará e Planaltina.
O Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF), que fiscaliza algumas rodovias da capital federal, vê um aumento no número de autuações. Em 2020, foram 247 infrações envolvendo o chamado "transporte pirata", enquanto que, em 2021, somaram 326, e em 2022, até a última quarta-feira, foram notificados 628 autos de infração do tipo, 92% a mais do que no ano passado inteiro.
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