"Pessoas não respeitam a gente"

Correio Braziliense
postado em 10/07/2022 00:01

No Sol Nascente/Pôr do Sol, o terreno baldio é o único lugar em que Jorge Castro Silva, 77, se sente seguro para fazer as caminhadas recomendadas pelo médico. Em meio a sacos de lixo, muita poeira e alguns urubus, o aposentado precisa se apoiar em uma bengala para andar, por causa das dores que sente na região da bacia. Ele conta que caiu quatro vezes na rua, com o desequilíbrio do corpo. "As pessoas não respeitam a idade da gente, passam com pressa derrubando tudo que está na frente".

Seu Jorge concluiu o curso de técnico em eletrônica em 1968 e, de lá pra cá, exerceu a profissão em cidades mineiras e goianas, além de Brasília. Trabalho que lhe garantiu o piso da aposentadoria (R$ 1.212) do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), mas uma parte desse dinheiro está comprometida. "Fiz um empréstimo que me toma R$ 400 por mês até 2025", calcula. Com restante, ele paga o aluguel da casa onde mora sozinho (R$ 400) e se alimenta com o restante. "Às vezes a filha ajuda um pouco", completa.

O nome de seu Jorge não consta nos cadastros dos programas de transferência de renda. As medicações para tratar o diabetes e a hipertensão, o aposentado pega no postinho de saúde, e sua maior queixa é com a falta de atendimento médico na rede pública de saúde. "Estou esperando há meses uma consulta com um médico de Ceilândia para ver essa dor na bacia e nunca tem", reclama.

Anacleto de Castro Pereira, 58, deixou de trabalhar há quatro anos como ajudante de pedreiro para catar e vender lixo reciclável. Sem estudo (ele não sabe assinar o próprio nome), nem tenta um emprego com carteira assinada, porque no último trabalho o patrão não pagava o salário. Sem contar com ajuda do governo, o catador diz que chega a faturar R$ 1.500 e R$ 2.000 ao mês com os reciclados. "Depende muito da sorte de achar coisa de valor", destaca.

Empurrando o carrinho com papelão, plástico e ferro velho, ele anda do Sol Nascente ao Pôr do Sol (os moradores ainda fazem a distinção entre os dois lugares) todos os dias. Nos intervalos em que permite um pouco de lazer, ele para em um boteco para tomar uma dose da "branquinha". "Ajuda a arribar, a aguentar, ora!", diz.

O catador se enche de orgulho ao contar que conseguiu construir uma casa de tijolos onde vive a família do filho — em uma parte do imóvel, ele aluga. "Cada centavo que sobrava do dia eu comprava em cimento", lembra.

Com a esposa, Francisca Granjeiro dos Santos, Anacleto mantém um casamento que dura 40 anos. Juntos tiveram seis filhos, 15 netos e um bisneto, que o bisavô ajuda a criar. "Eu quero que ele estude, suba 'pra riba'. Não quero que tenha a vida que eu tive", espera.

Em Sol Nascente e Pôr do Sol, por exemplo, as casas se expandiram a tal ponto de desaparecer a fronteira, fazendo com que o governo do Distrito Federal, em 2019, unisse as duas regiões. Com isso, o Distrito Federal tomou o primeiro lugar do Rio de Janeiro no ranking das maiores favelas do país. De acordo com a Codeplan, juntas, Sol Nascente e Pôr do Sol contam com 93.217 moradores.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação