Violência contra a mulher /

Em menos de 24 horas, quatro mulheres foram agredidas pelos companheiros

Só no primeiro semestre deste ano já são mais de 3,9 mil casos registrados no DF, segundo a SSP. No mesmo período do ano passado, foram 4,1 mil notificações. Para especialista, Justiça falha em oferecer a medida protetiva prevista na Lei Maria da Penha

Ao menos quatro mulheres foram agredidas pelos companheiros no Distrito Federal e entraram para a revoltante estatística de violência doméstica, em menos de 24 horas. Já são mais de 3,9 mil casos registrados só no primeiro semestre deste ano, segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF). No mesmo período do ano passado, foram 4,1 mil notificações.

Ontem, um foragido do Complexo Penitenciário da Papuda esfaqueou a esposa, uma jovem de 24 anos, e o ex-marido dela, de 37 anos, em uma distribuidora de bebidas, em Ceilândia. Guilherme Júnio Amara da Silva, 29, foi preso em flagrante por policiais penais e civis.

Material Cedido ao Correio - Suspeito tentou fugir pelo telhado, mas acabou detido

Sentenciado a mais de nove anos de prisão por cometer duas tentativas de homicídio, em 2015 e 2019, Guilherme cumpria pena em regime semiaberto no Centro de Progressão Penitenciária (CPP), mas fugiu da unidade ao não retornar da saída temporária — o saidão — do Dia das Mães, em maio. Na noite de quinta-feira, a mulher do acusado saiu de casa, em Ceilândia, para ir a uma festa na casa da irmã do ex-marido, com quem tem uma bebê de 7 meses. Em depoimento, a jovem disse que, na madrugada de quinta-feira, por volta das 4h, saiu com o rapaz para comprar bebidas em uma distribuidora do Sol Nascente.

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Ao chegarem no estabelecimento, a jovem e o ex foram surpreendidos por Guilherme, que foi em direção à mulher e desferiu vários chutes e socos. Para defender a jovem, o rapaz entrou na frente dela, mas acabou sendo atingido com duas facadas, no tórax e no braço direito. "Já que você quer defendê-la, você vai tomar por ela", teria dito Guilherme antes de esfaquear a vítima. A jovem também teve a mão lesionada.

Fuga

Após o crime, o acusado sentou-se em uma cadeira de bar, começou a beber cerveja e só saiu quando equipes do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) chegaram para prestar os primeiros socorros à vítima. O homem chegou a ficar com o intestino exposto e está internado em estado grave no Hospital Regional de Ceilândia (HRC).

Com um mandado de prisão expedido por fuga da cadeia, policiais penais e civis localizaram Guilherme após receberem uma denúncia anônima. O homem tentou escapar pulando pelo telhado, mas acabou detido. Guilherme responderá pelas tentativas de feminicídio e homicídio.

Agressão

Na quinta-feira, o DF registrou mais uma ocorrência de violência contra a mulher. A vítima, de 40 anos, deu entrada no Hospital de Base na companhia do marido, um médico, apresentando lesões graves na boca e com os dentes quebrados. Profissionais de saúde perceberam que o esposo também tinha um ferimento na mão e desconfiaram que a paciente havia sofrido agressão.

A mulher relatou à Polícia Civil que havia se machucado em um acidente de trânsito na garagem do prédio onde mora, no Noroeste. A corporação constatou, porém, que se tratava de um caso de violência doméstica e registrou o fato como lesão corporal na Lei Maria da Penha. Um inquérito foi instaurado na Deam 1 da Asa Sul. Agora, os investigadores vão ouvir os depoimentos de testemunhas, da vítima e do suposto autor.

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Também ontem, um homem, de 43 anos, foi preso por policiais militares após dar uma facada no ombro da companheira, 43, na Vila Planalto. A vítima foi encontrada na residência desacordada e recebeu os primeiros socorros do Corpo de Bombeiros (CBM-DF) até a chegada ao Hospital de Base. O agressor foi levado à delegacia e responderá pela Lei Maria da Penha, podendo pegar de três meses a três anos de prisão.

Judiciário

A Justiça brasileira, na análise da professora de antropologia da Universidade de Brasília (UnB) Lia Zanotta, falha em oferecer a medida protetiva prevista pela Lei Maria da Penha. Muitas vezes, em casos de violência doméstica, alega-se conflito patrimonial, e quando a briga é enquadrada nesse termo não se aplica a lei. No entanto, na visão da especialista em violência contra a mulher, quando um marido bate, agride e ameaça jamais poderia ser considerado conflito patrimonial.

Além dessa razão, Lia afirma que a Justiça também erra quando não enquadra violência doméstica como de gênero. "Toda violência doméstica é o sentimento de posse que um homem tem para com uma mulher, e a Lei Maria da Penha serve para atuar exatamente nesse tipo de caso, mas não é assim que tem ocorrido", pondera.

Segundo a especialista, não se oferecem medidas protetivas a uma mulher que é casada e sofre violência verbal, ameaças e empurrões, mas que tem emprego, uma vez que esta não estaria em situação vulnerável, podendo sair de casa. "Estou absolutamente preocupada, porque o grande elemento da Lei Maria da Penha, que são as medidas de proteção, não tem sido respeitado", afirma.