A compreensão da vida como um contínuo de mudanças e adaptações não é fácil para uma sociedade moldada no protagonismo da juventude. Falar da prevenção de doenças e estratégias para a maturidade, por vezes, soa como mau agouro. Entretanto, tal como a preparação dedicada aos adolescentes para o ingresso na vida adulta, é necessário e, cada vez mais urgente, o planejamento para a vida depois dos 60 anos. Na quarta reportagem do especial Envelhecer no DF, a saúde dos idosos é o tema central. Nessa abordagem, histórias de moradores da capital federal se entremeiam com os desafios em prol de um futuro digno para os mais velhos.
Há três décadas Antônio Luiz de Lima, 74 anos, pratica corrida de rua. Com uma rotina ativa, o aposentado desenvolveu a própria fórmula de vitalidade. "Manter uma alimentação saudável, boa hidratação, praticar atividades físicas e dormir bem", explica o aposentado, que também faz musculação e hidroginástica.
Ex-lavrador, Antônio está de bem com a atual fase da vida, apesar de algumas mudanças do corpo. "Aprecio este momento, até porque tenho mais tempo para cuidar de mim. A maior dificuldade que sinto é quando preciso de atendimento médico, porque não tenho plano de saúde. Eu tenho artrite reumatoide e o tratamento é difícil, as dores são frequentes, mas busco e consigo, com atividades físicas, uma qualidade de vida melhor", orgulha-se.
Contrariando o senso comum, a disposição de seu Antônio, como é conhecido, não é exceção quando o assunto é o potencial do corpo humano. O envelhecimento bem sucedido, depende de uma série de aspectos, cujo resultado é uma vida autônoma, com participação na comunidade e afeto. "O maior erro é achar que falar do idoso é falar de doença, o que existe é o desgaste natural ocasionado pelo tempo, mas não dá mais para tratar a velhice como um problema", afirma o chefe do serviço de geriatria do Hospital de Brasília e professor da UnB, Marco Polo Freitas.
O especialista explica que, em pessoas com mais de 60 anos, o que se constata são as grandes síndromes sendo que muitos sintomas sequer são desencadeados por fatores clínicos, mas sociais, familiares e até mesmo por hábitos pregressos. "Recebemos pacientes que chegam com múltiplas enfermidades, com diagnósticos fora do contexto e usando medicamentos desnecessários e isso faz uma tragédia na vida da pessoa", denuncia o médico.
Não raramente, as síndromes se intercruzam, como explica Keila Cristianne Trindade da Cruz, professora do Departamento de Enfermagem da UnB. A Insuficiência Familiar, que está relacionada à ausência de amparo social da pessoa, interfere na cognitiva, uma vez que o paciente tem a compreensão de mundo afetada. A demência costuma ser um dos fatores dessa última síndrome. "As perdas são progressivas e é necessário o acompanhamento do dia a dia. E quem ajuda? Quanto melhor a história construída com a família, melhor será o apoio", explica a médica.
Falta de políticas públicas
Na leitura de Keila, a falta de uma ação firme do Estado para o planejamento social da velhice é um dos principais fatores de risco para os mais velhos. "Estima-se que 50% das pessoas que têm demência poderiam ter se prevenido durante a vida. Só há algumas décadas começamos a estudar as consequências do envelhecimento. O Brasil sempre priorizou as urgências, como a desnutrição infantil, e o olhar para o envelhecimento tem vindo devagar, mas já estamos sentindo as consequências dessas escolhas, como os custos na saúde pública", aponta.
O ônus da falta de olhar para o idoso não sobra somente para o erário público. Sem acesso a informação ou a chances de envelhecer de maneira saudável, muitas famílias se veem com idosos debilitados e precisam de muito esforço para garantir uma assistência aos longevos, como na casa da doméstica, Berenice Pereira da Silva Azevedo, 52 anos. Ela conta que, há nove anos, precisou abdicar do trabalho para cuidar exclusivamente da mãe, Maria Angélica Gonçalves da Silva, de 88 anos. "Ela caiu em uma depressão profunda por uns dois anos", afirma. Moradora da região de Taquara, Entorno, Berenice conseguiu voltar a trabalhar, mas admite que é difícil deixá-la aos cuidados de outra pessoa. "Ela fica chorosa e eu não posso ficar longe 10 minutos que ela pensa que eu fui embora. Tenho que acalmá-la. Ela se tornou a minha filha e o meu mundo gira em torno dela", declara.
Berenice acredita que a vida seria menos penosa se houvesse um bom atendimento de saúde para a mãe. "Sinto falta, porque não há um hospital específico para os idosos. Ela tem problema na vesícula, mas pela idade, não pode operar. Ela fica deitada em um banco de hospital por dois ou três dias e ninguém nos atende. A aposentadoria dela é só para os remédios", desabafa a filha que teme perder a mãe. "Quando estou sozinha me pergunto o que será de mim quando Deus tirar ela", emociona-se.
A saúde também é uma preocupação para Rivaldo da Penha, 70 anos. Diagnosticado com Mal de Parkinson em 2014, o aposentado suspeitava da doença desde 2010. "Me fizeram um exame, um tal de eletroneuromiografia, que confirmou o que eu suspeitava. O que mais me complica é a fraqueza, sobretudo nas pernas: uma hora você tá com uma força danada e na outra hora só levantar o pé é a maior dificuldade.", relata, admitindo que precisou se conformar com as limitações e que há dias melhores que outros. "Eu não estou doente, eu sou doente. Tenho diabetes, hipertensão, hérnia de disco, sinusite", elenca.
Morador do Recanto das Emas, o ex-motorista lamenta não conseguir fazer as atividades que apreciava antes, como dirigir, mas comemora o desempenho em algumas atividades domésticas e faz questão de marcar presença nas mesas de dominó dos bares perto de casa, como forma de distração.
Prevenção como tratamento
Embora seja o momento mais sentido, o atendimento médico é apenas um dos componentes de saúde da pessoa idosa, como explica a gestora pública e assistente social Dagma Macelino, 50 anos, instrutora de capoterapia, espécie de terapia corporal que possui elementos e referência na capoeira. "Muitas vezes o idoso não consegue se abaixar para pegar um objeto e isso interfere no seu senso de valor, autoestima", avalia.
Durante a pandemia, a ong em que Dagma atua oferecia sessões on-line para os idosos encaminhados pela Subsecretaria de Políticas para Idoso (Subidoso), por meio de um convênio com a Secretaria de Justiça do DF. Ela conta que, mesmo com o modelo remoto, foi possível ver os benefícios das atividades físicas bem direcionadas. "A primeira mudança é o resgate da autoestima. Como a modalidade respeita as limitações do participante, com o tempo, eles vão ficando mais ativos, melhorando certos movimentos e sentido mais independentes", assevera.
Além do condicionamento físico e das atividades de recuperação, a saúde mental é outro fator preponderante para a garantia da qualidade de vida com o avançar dos anos. De acordo com a última Pesquisa Nacional de Saúde, de 2019, 13% dos idosos brasileiros sofrem de depressão, sendo que muitas vezes o diagnóstico é comprometido pela falta de informação. "É uma doença com sintomas que podem ser confundidos com elementos considerados normais da velhice, como tontura, insônia, palpitação, dores", explica a psicóloga Maria Cristina Corrêa Lopes Hoffmann. Entretanto, ela rebate com veemência a tese.
A profissional orienta que o idoso e a família precisam ficar atentos aos sinais e mudanças comportamentais. O primeiro passo é investigar se as motivações são orgânicas, como anemia ou hipotireoidismo, ou fatores sociais, como abandono, mudança na condição de vida, experiências de luto ou até mesmo situações de violência. Para prevenir a doença, que é considerada incapacitante e pode ser tratada com medicações, terapias e outras intervenções, ela ressalta a importância das redes de apoio comunitário, com amigos e vizinhos participando da vida das pessoas com mais de 60 anos. Outra ferramenta poderosa é identificar, nas proximidades da residência, as redes de atenção psicossocial oferecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que contam com atendimento direcionado a essa população. "É fundamental que se compreenda que sentir dor e tristeza não fazem parte do envelhecimento", garante a psicóloga.
*Estagiário com a supervisão de Márcia Machado
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