As crianças e adolescentes transgênero do Distrito Federal têm direito de receber o remédio fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para inibir a produção de hormônios sexuais. Os pacientes do DF que não se identificam com o sexo biológico podem ter acesso ao medicamento Triptorrelina para uso diferente do que consta na bula.
O julgamento é da 3ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), que determinou que o DF ofereça a medicação a uma adolescente transgênero, de 14 anos, com disforia de gênero. A decisão, unânime, analisou recurso da autora do processo, que teve o pedido negado em 1ª instância.
A garota nasceu com o sexo biológico masculino, mas se identifica com o sexo feminino desde os 5 anos. No processo, ela conta que é acompanhada por uma equipe médica, a qual prescreveu o uso do remédio para bloqueio puberal, devido ao aparecimento de características sexuais secundárias, referentes ao sexo masculino. O DF, no entanto, havia negado o fornecimento e a autora pediu que fosse obrigado a atendê-la.
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A adolescente recorreu sob o argumento de que o medicamento é padronizado e fornecido pela Secretaria de Saúde do DF. Ela defendeu que o remédio vai possibilitar a reafirmação de sua identidade de gênero e evitar eventuais distúrbios psiquiátricos.
O Distrito Federal, contudo, alegou que a pretensão da autora era ilícita, uma vez que o Conselho Federal de Medicina (CFM) permitiu, em caráter experimental, o bloqueio puberal, em hospitais universitários e de referência no SUS.
Ao analisar o recurso da menina, a Turma do TJDFT observou que há indicação específica, tanto da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabolismo quanto da Sociedade Brasileira de Pediatria, para o uso do medicamento em pacientes na puberdade com disforia de gênero. Além disso, segundo o colegiado, a adolescente preenche os requisitos técnicos para receber o remédio.
“No caso em análise, há a maturidade puberal normal dentro da idade da paciente, uma adolescente de 14 anos, entretanto, os efeitos correlatos de desenvolvimento de caracteres de gênero não reconhecidos pela adolescente têm lhe causado sofrimento psíquico comum à população transgênero”, registrou a decisão.
A Turma defendeu que o medicamento prescrito tem "precisamente o efeito farmacológico desejável pela equipe que assiste a paciente em questão, a inibição da puberdade, em vista da condição especial de gênero que deve receber assistência especial em saúde.”
O colegiado afirmou, ainda, que, “frente à recomendação de bloqueio puberal e hormonioterapia pelo Conselho Federal de Medicina, bem como considerando a ausência de protocolos clínicos específicos para adolescentes transgênero no âmbito do SUS ou do núcleo de saúde do Distrito Federal, fica evidente a existência de uma lacuna de protocolo de prescrição farmacológica, a qual merece ser preenchida para a adequação da política pública já prevista para o caso concreto."
A Turma lembrou que há diretrizes do Ministério da Saúde para acolhimento de pessoas transgênero e instituição de políticas públicas em saúde para a população LGBTQIA+, além de edição de diretrizes de atendimento a pessoas transgênero pelo CFM.
Na decisão, ficou salientado que “a prescrição de medicamento para uso off label não tem vedação legal, sobretudo quando não demonstrado risco de dano à saúde ou a ineficácia do tratamento para a enfermidade do paciente”. Os desembargadores pontuaram que os estudos científicos apontam tanto a eficácia quanto a segurança do tratamento.
Assim, a decisão acatou o recurso da adolescente e determinou que o Distrito Federal forneça Triptorrelina 3,75 mg, enquanto houver recomendação dos médicos assistentes. O Correio entrou em contato com a Secretaria de Saúde e aguarda retorno. Já a Procuradoria-Geral do DF informa que o Distrito Federal foi intimado e vai analisar a viabilidade de recorrer da decisão.