O ir e vir é um direito universal, no entanto negligenciado quando se trata da população com 60 anos ou mais. Calçadas e paradas de ônibus quebradas ou inexistentes, altura dos degraus dos coletivos e alto custo da passagem estão entre as barreiras diárias. Na segunda reportagem da série Envelhecer no DF, o Correio percorreu a cidade para conhecer a realidade da população 60 no quesito mobilidade. São relatos invisíveis aos olhos da sociedade, que escancaram o atraso nas discussões e na implantação de políticas públicas voltadas a esse público que, em apenas 25 anos, vai superar o número de pessoas com menos de 15 pela primeira vez na história global, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Na última década, 517 idosos perderam a vida nas vias da capital, 29, só no último ano. Nessa segunda-feira (13/6), um homem de 60 anos foi socorrido em estado gravíssimo, após ser atropelado por um ônibus da Urbi Mobilidade Urbana. A vítima teve esmagamento do membro inferior direito. A permissionária responsável pela linha não se manifestou até o fechamento desta edição.
Casos como o de segunda-feira estão entre os desafios dos gestores públicos, que precisam articular diferentes áreas do governo para cumprir a lei e garantir a segurança dos variados segmentos da sociedade. Ferramentas não faltam. A Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável detalha todas as diretrizes a serem seguidas (leia Para saber mais).
Pedagoga com mestrado em educação e especialista em trânsito há 20 anos, Érica Elisa Nickel é precisa: a mobilidade urbana tem relação direta em como a cidade está organizada e com as políticas integradas voltadas para a pessoa idosa. Isso implica no acesso deles ao lazer, à cultura, ao esporte, aos serviços de cidadania (emissões de documentos), saúde, educação e ao transporte público. "A maioria dos municípios nem sequer colocou em prática a política de mobilidade. Não temos, no Brasil, uma política de subsídios para o transporte e isso resulta numa passagem muito cara. Temos uma quantidade imensa de idosos analfabetos ou com escolaridade muito baixa. Essas pessoas precisam continuar se desenvolvendo. Daqui há 10 anos, a força de trabalho não será predominantemente jovem-adulto", avalia.
Quem vive as influências de uma rotina de transporte público precário é a dona de casa Luíza Pereira, 67 anos, que, três vezes por semana, leva a filha com síndrome de Down, Kelly, 37, ao Centro de Ensino Especial 1, na 912 Sul. Elas vêm de Girassol, distrito de Cocalzinho de Goiás (GO), no Entorno do DF. As duas andam no chão de barro para pegar um ônibus, por volta das 5h45, na parada a 300 metros de casa, onde há asfalto. "Tenho que atravessar a BR-070, porque lá não tem passarela", relata. Luíza também criticou a demora do ônibus na Rodoviária do Plano Piloto, que chega a esperar mais de 30 minutos. "Não tem um banco para a gente sentar aqui", desabafa a moradora do Entorno.
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Para a doutora em transportes pela Universidade de Brasília (UnB) Adriana Modesto — autora do artigo O protagonismo do idoso na mobilidade urbana —, o papel da sociedade civil na inclusão dos idosos na realidade da mobilidade urbana passa pela lei (nº 5.984 de 2017). A norma determina que todos os assentos de transportes públicos do DF são preferenciais. "Em inúmeras oportunidades observo que as pessoas não cedem o lugar para os idosos", critica.
Educação
Enquanto esperava um ônibus para Ceilândia Centro, o morador do Cruzeiro Velho Vicente Antônio dos Anjos, 83, mencionou a falta de educação dos motoristas no tratamento aos passageiros. "A gente pergunta as coisas, em qual ponto parar, e eles não falam, porque são ignorantes com a população, principalmente com nós idosos", lamenta o aposentado. Ele tem carro, mas diz que prefere usar transporte público para economizar dinheiro com combustível.
Apesar do aumento dos combustíveis, a empresária Maria do Socorro Sousa Vale, 84 anos, não abre mão de dirigir. Ela é uma das 542,3 mil motoristas com 60 anos ou mais no DF, conforme o Departamento de Trânsito do DF (Detran-DF). "Dirijo há 43 anos, e, graças a Deus, nunca me envolvi em nenhum acidente, mesmo indo com meu marido daqui para o Rio de Janeiro", conta. Em setembro do ano passado, ela renovou a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e não pretende lagar o carro tão cedo.
Acolhimento
É justamente a necessidade de inclusão dessa parcela da população que é pretendida com o programa "Cidade Amiga da Pessoa Idosa". A iniciativa da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) está criando uma rede de cidades em processo de adaptação para atender às necessidades urgentes de uma população que caminha rapidamente para uma virada de perfil demográfico. "Pensar em ações para o idoso não é uma questão romântica, é uma necessidade, do contrário, daqui a 20 anos teremos uma população idosa, doente e sem a ampliação dos serviços", adverte Bernardino Vitoy, oficial em Saúde Familiar e Comunitária da Opas.
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Ele critica o olhar de inferioridade que muitas vezes a sociedade dispensa aos mais velhos e diz que essa postura empobrece o debate e tira o foco de ações simples, de baixo custo e que podem auxiliar na transição dos serviços públicos para lidar com a realidade de uma população envelhecida. "Nossa proposta é fazer com que as comunidades elaborem planos locais, que possam responder a essas necessidades e não precisa acontecer tudo repentinamente, as mudanças podem ser gradativas. Se começarmos agora nos antecipamos, ao invés de esperarmos que a realidade chegue com todas as dificuldades para a população", pondera.
A Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) informou que as políticas públicas para os idosos são aquelas definidas no âmbito do transporte público coletivo, como as gratuidades, os assentos prioritários, os ônibus acessíveis, as acessibilidades e prioridades de embarque nas estações e terminais.