As festas juninas voltaram em massa neste ano e reforçaram um alerta para quem vai curtir as festividades: o número de casos de queimaduras em Brasília aumentou em 50% no ano passado, comparado com o mesmo período de 2020. Os dados foram obtidos pelo Correio e mostram que em 2021 foram registrados 3.127 casos contra 2.084 do ano anterior. O dermatologista do Hospital Regional da Asa Norte (Hran), Ricardo de Lauro recomenda alguns cuidados. "Essa mistura de festividade, álcool, desatenção, imprudência e exposição a elementos, como as bebidas quentes, são comuns. Também tem gente que se queima com as fogueira e com rojões. Nesse caso, é melhor ter atenção ou deixar para quem sabe fazer", aconselha.
De acordo com o levantamento realizado pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal, um em cada 1 mil brasilienses sofreu algum tipo de queimadura na pele ano passado. Líquido quente, produtos inflamáveis (como o álcool), descarga elétrica, reações químicas ou contato com superfície aquecida estão entre os principais fatores que levam a esse tipo de acidente.
Dentre as causas de queimaduras no Distrito Federal, a escaldadura — com líquido ou vapor — aparece como mais recorrente, representando 49% dos casos. Na sequência, os acidentes com líquidos inflamáveis (19%) e com chamas (11%) fecham as principais ocorrências. Os outros 22% representam diversos acidentes, como choques elétricos, reação química ou contato com superfícies aquecidas. As crianças (de 0 a 14 anos) são as maiores vítimas de queimaduras, com 49%. Adolescentes e adultos (de 14 a 50 anos) são 41% dos atendidos e os demais 10% são casos em pessoas acima de 50 anos de idade.
Mais vulneráveis
As crianças, que representam aproximadamente a metade dos casos, sofrem mais queimaduras pela vulnerabilidade. O médico explica como são comuns os perigos em cada fase da infância. "As crianças de colo são queimadas por líquidos quentes, como sopa ou leite. Um pouco maiores, a queda de algum líquido de uma superfície mais alta pode interferir. A curiosidade ao mexer em fogões e churrasqueiras também faz parte" , explica o médico.
Aos 7 anos de idade, a funcionária pública, Suzana Batista de Sousa, 40 anos, foi vítima de uma queimadura grave. Suzane conta que um vizinho preparava um churrasco utilizando álcool, quando o galão explodiu e foi jogado na direção em que ela estava, junto com outras crianças." Eu e minha prima de 5 anos, na época, fomos atingidas e só nós duas nos queimamos muito", relata. Uma queimadura de 3º grau comprometeu 60% do corpo de Suzana, que ficou internada por quase nove meses (8 meses e 11 dias) na Unidade de Queimados do Hran.
Para a funcionária pública, a vida de quem sofreu uma queimadura é complexa, desde o período escolar. "A socialização de quem teve a aparência física modificada é bem tensa. Depois de 32 anos do acidente, eu ainda tenho cirurgias reparadoras a fazer. E tudo isso causa impacto na autoestima, na socialização, no ingresso ao mercado de trabalho", diz. Hoje Suzane lida melhor com as cicatrizes. "Obviamente que não as acho bonitas, porém não há o que fazer. Por mais que eu faça cirurgias, as cicatrizes são para sempre.", descreve.
Cuidados
O médico Ricardo de Lauro enfatiza que a prevenção deve começar com o cuidado e atenção dentro de casa. "Recomenda-se manter idosos e crianças sob supervisão, sobretudo de líquidos inflamáveis, além de não aproximá-los de fontes de chamas. Com as crianças, deve haver um cuidado extra relacionado com a eletricidade, bem como manter produtos inflamáveis e de limpeza fora de seu alcance. Na hora de cozinhar, procure utilizar as bocas de trás do fogão e colocar os cabos das panelas viradas para dentro", aconselha o médico.
Os graus de queimadura, de acordo com o doutor, são caracterizados pelas causas de queima de pele, em cada camada. "As queimaduras de 1º grau são as que atingem a epiderme, geralmente por raios solares ou líquidos não tão quentes; as de 2º grau prejudicam a derme, causadas por contato da pele com panelas, superfícies quentes ou chamas; e as queimaduras de 3º grau atingem toda a pele e tocam outras estruturas, como a camada de gordura. Neste caso, são causadas por chamas mais altas ou expostas por mais tempo e, também, por eletricidade.", afirma.
Em 2007, uma queimadura de 3º grau consumiu 18% do tronco e das costas da recepcionista Alzira Aragão da Cunha, 46 anos."Eu estava nervosa e fui acender um cigarro com uma garrafa de álcool na mão. Saiu uma faísca do isqueiro, o álcool explodiu e pegou fogo no meu tronco e nas minhas costas. Na hora que acontece você desmaia, não vê nada. Eu só acordei no hospital, quando meu marido chamou socorro", lembra. Alzira conta que a recuperação foi bastante complicada e que precisou ficar 57 dias internada.
Desde então, o medo acompanha a recepcionista "A vida nunca mais é a mesma, nem nós somos as mesmas pessoas. Levamos tudo nos mínimos cuidados. Eu sequer posso andar no sol por muito tempo, porque me arde o corpo. Eu, que fui criada em cidade litorânea, já não vou mais à praia, como adorava ir antes", detalha. Para se proteger de infecções, a recepcionista procura usar mais o álcool em gel 70°, evitando usar o álcool 90°.
Junho Laranja
O aumento dos casos e o drama das vítimas durante o tratamento após a alta hospitalar, no enfrentamento às sequelas dos ferimentos, acendem o alerta para a necessidade de políticas e de conscientização para evitar esse tipo de acidente. Especialistas do país inteiro abordam o tema durante a campanha Junho Laranja, da Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ). O presidente da entidade, José Adorno, esclarece os pontos centrais da campanha. "O objetivo específico é acelerar as melhorias no tratamento das queimaduras no Brasil, estimular a produção científica, incentivar a prevenção das queimaduras e a capacitação de profissionais, além de desenvolver políticas públicas voltadas para a área", explica.
Saiba Mais
*Estagiário sob a supervisão de Márcia Machado