Em uma época na qual o frio e a seca resultam no aumento de pessoas com problemas respiratórios e doenças virais, como a gripe, os pais brasilienses têm mais um motivo para estar em alerta: a quarta onda da covid-19. As crianças, um dos grupos mais afetados pelas condições climáticas, encontram dificuldades em conseguir atendimento nas emergências pediátricas dos hospitais públicos.
A preocupação é ainda maior em relação a crianças de 0 a 4 anos e 11 meses, para as quais ainda não há vacina contra a covid-19. De acordo com o Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF Codeplan), na capital, há quase 206 mil crianças nessa faixa etária. Outro ponto de atenção são aquelas de 5 a 11 anos e 11 meses, que podem ser imunizadas e ainda não foram. Nessa idade, são 268 mil crianças. Porém, 171,6 mil (64%) tomaram a primeira dose e 104,2 mil (38,8%) a segunda.
Sem poder se imunizar contra a doença, Emanuelly Sophia, de 4 anos, chegou de Planaltina com os pais por volta das 9h30 dessa quarta-feira (8/6) na emergência do Hospital Materno-Infantil de Brasília (Hmib), na L2 Sul. Com resfriado, gripe e tosse seca há 30 dias, os pais da menina decidiram levá-la à unidade após passarem por dois hospitais. "A gente saiu de casa, passamos nos hospitais de Planaltina, Sobradinho e nunca conseguimos atendimento", reclama o pai da criança, o segurança Luciano Oliveira, 42.
Segundo ele, a filha tem retinoblastoma, câncer que atinge a parte de trás da retina, e não recebe a atenção especial que deveria do sistema de saúde. "A gente fica à mercê da injustiça, e a gente nem sabe mais o que fazer porque a situação é desesperadora", desabafa. Mãe da menina, Crisleia Dias Alves, 36, conta que Emanuelly costuma receber xarope durante a triagem dos postos de saúde.
"Nem exame pedem, o que não resolve nada", critica a moradora de Planaltina. Ela relata que, na maioria das vezes, vai embora com a filha sem atendimento. "É um descaso total com a população como um todo, porque somos mães e convivemos com a criança 24 horas por dia. E se a gente chega a ponto de levar na emergência de uma unidade de saúde, é porque a criança não está legal", protesta.
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Eram pouco mais de 11h quando Luzia Santos, 27, chegou com o filho Thales, 7, na emergência do Hmib. Com tosse seca, catarro e coriza desde a última segunda-feira, a moradora de Vicente Pires levou o menino à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da cidade, mas só havia atendimento para adultos. "Me desloquei para o HRT (Hospital Regional de Taguatinga), e falaram que lá está com problema no sistema, e avisaram pelo rádio que não teria atendimento pediátrico porque a unidade estava com superlotação", relata.
No HRT, Luzia foi orientada a procurar hospitais públicos do Plano Piloto. "O problema é que atendem só as crianças com pulseira vermelha e laranja, mas o meu filho estava com a amarela", acrescenta. Ela conta que não levou o menino para se vacinar contra a covid-19 devido à febre, que impede a proteção dos anticorpos. Sem o atendimento, ela e o marido foram a uma clínica de Ceilândia Sul. "Ficamos forçados a fazer plano de saúde, porque se a gente for depender de hospitais públicos, ele não vai ter atendimento", lamenta Luzia.
A coordenadora do Departamento de Pediatria Ambulatorial da Sociedade de Pediatria do Distrito Federal (SPDF), Andrea Jácomo, ressalta que a quarta onda deve acender o alerta aos pais de crianças que têm entre zero e 4 anos e 11 meses. De acordo com a especialista, à medida que os adultos são vacinados e essa faixa etária não é imunizada, as crianças tendem a ficar mais suscetíveis à contaminação da covid-19. "Nosso sistema de saúde costuma lidar com mais facilidade às doenças infecciosas que têm vacina. É o mesmo raciocínio que precisamos ter no caso da covid-19 com crianças", pontua.
Segundo ela, a preocupação não se resume à contaminação. A forma grave da covid-19 pode deixar sequelas. Apesar de ainda haver poucos estudos, a especialista cita que, hoje, há documentos que mostram a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica, complicação que pode surgir de duas até oito semanas após a doença. Dados do Boletim Epidemiológico Especial Covid-19 do Ministério da Saúde, atualizados em abril, mostram que 1.703 crianças e adolescentes abaixo de 19 anos tiveram casos confirmados da síndrome, sendo que 113 morreram devido à sequela.
Até o fechamento desta reportagem, a Secretaria de Saúde do DF não informou que medidas vai adotar diante da lotação das emergências de hospitais públicos para o atendimento pediátrico.
Novos casos
O boletim sobre a covid-19 do IPEDF Codeplan mostra que, de 30 de maio a 5 de junho, o DF figurou como a quarta unidade federativa com maior aumento de novos casos de doença por semana: 167,3%. A capital do país ocupa a 15ª posição em número de óbitos por complicações da covid-19, e também a quarta em número de diagnósticos positivos por 100 mil habitantes.
O levantamento mostra também que da faixa etária de 0 a 14 anos, 22,3 mil casos de covid-19 são entre meninas e 22,4 mil de meninos. Entre os óbitos, o público feminino é maioria: dez mortes. No período, sete meninos morreram da doença. A taxa de letalidade é ligeiramente maior entre as meninas: 0,04%. Para os jovens, ficou em 0,03%.
Nas últimas quatro semanas, as seis regiões administrativas que registraram maior número de casos notificados foram Plano Piloto, Águas Claras, Guará, Sudoeste/Octogonal, Taguatinga e Sobradinho, respectivamente. O Plano Piloto lidera essa expansão, com 4,4 mil novos casos registrados no período. Em termos de óbitos, as quatro regiões administrativas com óbitos nas últimas quatro semanas foram o Plano Piloto, Vicente Pires, Ceilândia e Lago Sul, que registraram um óbito, cada uma, no período.