OBITUÁRIO

Adeus a um fotógrafo humanista

Aos 67 anos, Sérgio Amaral deixa a mulher, Elizabeth Almeida, com quem era casado há 21 anos, e o filho, Gabriel. Amigos e colegas de profissão destacam a sensibilidade estética do fotojornalista

Fotógrafo há mais de três décadas, paulistano, pai de Gabriel, 19 anos, e esposo da jornalista Elizabeth Almeida, 57. A biografia do repórter fotográfico Sérgio Amaral acumula um histórico de amor, não só pelo trabalho, mas também pela família e por suas origens. Ontem, amigos, familiares, e colegas de profissão relembraram momentos marcantes da trajetória do fotógrafo, de 67 anos, referência do fotojornalismo brasileiro, que morreu durante a madrugada, após meses de luta contra um câncer no pulmão.

Sérgio descobriu a doença em outubro do ano passado, após um mal estar. Ao longo dos últimos meses, realizou o tratamento de sequelas adquiridas após dois meses de internação hospitalar, dentre elas uma fratura no úmero, e problemas de postura. Sua luta contra a doença chegou ao fim enquanto dormia, em casa. De acordo com a mulher, Elizabeth Almeida, ele estava recebendo cuidados paliativos na residência. "Achei que ele estava sofrendo demais internado no hospital, e decidi trazê-lo para receber oxigênio em casa", cita. Abalada com a morte do companheiro, com quem partilhou a vida ao longo de 21 anos, Beth — como é conhecida por amigos e colegas — ressaltou a falta que o repórter fotográfico vai fazer.

Para além da profissão, Sérgio foi uma figura marcante na vida daqueles que o conheciam. "Ele foi uma pessoa muito honesta, com seus princípios. Isso era algo basilar. Ele sempre foi muito coerente com as coisas que defendia e isso foi um traço marcante de sua vida", explica Elizabeth. De acordo com a jornalista, Sérgio sempre defendeu que a boa fotografia precisava trazer sentimento. "Mais do que fotografar uma pessoa, era importante, para ele, captar o sentimento dela. Ele sempre foi uma pessoa muito sentimental", diz.

Exemplo de profissional

Colega de profissão e amigo de Sérgio há 34 anos, o também repórter fotográfico José Paulo Lacerda, 59, recorda do fotojornalista com carinho. De acordo com ele, Sérgio era, antes de qualquer coisa, um humanista. "As fotos sempre refletiram as pessoas. Em um lugar onde fotógrafos se destacam por registros políticos, do poder, Sérgio se revelava por fotografar gente", diz. Sérgio Amaral obteve seu registro profissional em 1985, mas vivia de seu trabalho desde os 17 anos. Começou a fotografar profissionalmente desde 1977 e teve uma carreira magnífica: trabalhou em alguns dos maiores veículos de comunicação do país, dentre eles O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde, Jornal do Brasil, Correio Braziliense, O Tempo e nas revistas Veja e Carta Capital.

Em fevereiro deste ano, o repórter fotográfico lançou um site de venda de fotografias com trabalhos feitos há mais de 20 anos. A iniciativa tinha como intuito o custeio de tratamento de saúde dele. Mesmo o tratamento sendo feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS), as despesas ainda são altas, e Sérgio encontrou na venda de algumas das suas imagens, uma forma de cobrir os gastos. "Ele já estava aposentado e a aposentadoria não é lá essas coisas. Então decidiu fazer uma campanha para vender as fotos e foi um sucesso. Mas isso não só porque as pessoas queriam ajudar. Foi também porque as fotos dele sempre foram excepcionais", ressalta Lacerda.

À época, ele explicou ao Correio que o projeto teve início em dezembro do ano passado, quando ofereceu oito fotografias feitas na Amazônia entre 1990 a 1999 e que retratavam o cotidiano local. Em fevereiro, o repórter colocou à venda 41 fotos retiradas das prediletas. Feitas com viés geográfico e humanista, os trabalhos foram realizados há 20 anos ou mais, em filmes Kodak, Ilford e Fuji. "As fotografias deste site são recortes de viagens maravilhosas em que aprendi muito, fiz amigos e trouxe belos registros", destaca. "Eu sempre cuidei muito dos meus arquivos, são fotos de interesse humanístico e geográfico, sem trair a essência do meu trabalho. Eu procurei o belo", explicou, em entrevista ao Correio.

Com mais de 40 anos dedicados ao fotojornalismo, Amaral acumula prêmios como o Esso de Fotografia de 1992, o grande prêmio do Salão Finep de Fotojornalismo de 1996, a medalha de excelência gráfica da Society for News Design, na categoria 'editor de fotografia' pelo CB e o prêmio ONU Habitat de 2001.

O repórter Marcelo Abreu publicou, em suas redes, uma homenagem ao fotojornalista e amigo. "Eu e Sérgio fomos contar a vida no Lixão de Brasília para o Correio. E foi ali que nos conhecemos. No meio do horror, da miséria, da disputa de gente e urubu pelo caminhão do Carrefour, que chegava no fim da tarde, com os produtos vencidos", lembra. No post, Abreu recordou a luta de Sérgio contra o câncer e deu um último adeus ao repórter fotográfico. "Vai, garoto paulistano! Arrebenta de luz lá em cima. Os bons partem antes. Sempre". O jornalista Renato Ferraz também prestou homenagens a Sérgio. "O bom de ter rodado tanto pelas redações do Recife, Belo Horizonte e Brasília foi ter conhecido figuras como o fotógrafo Sérgio Amaral. Mas não é só de humor que se faz um cara. Ele era phoda", cita. Renato ressaltou o caminho trilhado pelo jornalista. "Siga em paz, camarada."

O fotojornalista Sérgio Moraes recordou a época de Amaral nas redações, com uma foto dos tempos em que o repórter fotográfico trabalhava no Pré-Olímpico de futebol no Paraguai, em 1991. "Ano em que conheci essa figura espetacular que acaba de nos deixar. Uma perda enorme", disse, no post. Nas redes sociais, ainda, a jornalista Vanda Célia lamentou a morte de Sérgio. "Depois de Orlando Brito e Dida Sampaio, é o terceiro grande profissional da fotografia que nos deixa que teve atuação brilhante em Brasília. Lamento profundamente a morte deste amigo querido", disse. O velório ocorre hoje, das 14h às 16h no Campo da Esperança. Depois o corpo será cremado em cerimônia só para a família.

 

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