VIOLÊNCIA

Distrito Federal registra seis feminicídios entre janeiro e maio de 2022

Crimes expõem fragilidade do sistema em promover a segurança e os direitos das mulheres. Especialistas avaliam que há falhas no cumprimento da legislação

Uma realidade que parece sem fim, provocando medo e sensação de insegurança. De janeiro a maio de 2022, ocorreram seis feminicídios no Distrito Federal. No mesmo período do ano passado, foram 12 — o dobro. Apesar da redução, os dados mostram que ainda há muito a ser feito para por fim à violência contra a mulher. Não há motivo para comemorar. Ao contrário. Nos dois casos mais recentes, os atos, revoltantes por si próprios, chocam ainda mais pela selvageria. Duas mulheres foram queimadas. 

"Não consigo passar um dia sem pensar (nela). Parece que não caiu a ficha ainda", revela Rosimeire Paz, 39, irmã de Marina Paz, 30, encontrada com o corpo parcialmente carbonizado, em 18 de maio, na BR-070, na região de Taguatinga. Segundo a familiar, antes do ocorrido, os dias de Marina, que veio para o DF depois de terminar um casamento, foram bem difíceis. Uma gestação interrompida e relacionamentos conturbados. Um deles, com o acusado do crime, Wallace Eduardo, que confessou na delegacia. 

Os parentes pedem justiça e querem que o ex-companheiro tenha pena máxima. O delegado Mauro Aguiar, da 17ª Delegacia de Polícia (Taguatinga Norte), informou que o inquérito do caso deve ser concluído em breve. "A prisão dele foi temporária, mas vamos pedir a prisão preventiva para que ele responda pelo crime preso", informou.

A família de Brenda Pinheiro, 26 anos, também enfrenta uma enorme perda. O corpo da jovem foi encontrado em chamas próximo a um matagal, no Parque Gatumé, em Samambaia, em 7 de maio. Ela morava com a mãe no Recanto das Emas e estava desaparecida há quatro dias. O corpo estava sem roupas e apresentava ferimentos de pelo menos 22 facadas. Os policiais acreditam que a vítima possa ter sido estuprada antes de ser assassinada.

A tia de Brenda, Alice Pinheiro, 39, diz estar em choque com a barbárie e pede para que os culpados sejam localizados o mais rápido possível. "A mãe dela chora dia e noite, pedindo apenas por justiça", desabafa. Para Alice, o ato que tirou a vida de Brenda foi cometido por mais de uma pessoa. Por isso, ela teme pelo pior contra a própria família e protesta pela demora em solucionar o caso. "Queremos justiça. Não podemos aceitar a morte dela. Não pode ter sido em vão. Foi desumano, queremos que os envolvidos paguem pelo o que fizeram".

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Outro crime que chocou o DF aconteceu em 1º de fevereiro. Ana Cristina de Araújo, 51, foi vítima de feminicídio no Setor de Indústrias Gráficas (SIG), no caminho do trabalho e sem chances de defesa. A empregada doméstica foi assassinada com golpes de facão pelo ex-genro, Marcos Fernando Domingos, 26. No ano passado, após um desentendimento com o acusado, a filha da vítima teve boa parte do corpo queimada. Quando decidiu pôr fim à relação, Marcos passou a ameaçar a jovem, a mãe dela e os parentes.

O Correio procurou o delegado da 26ª Delegacia de Polícia (Samambaia), Rodrigo Carbone, que cuida da investigação. Ele informou que a apuração segue sob sigilo. "Não podemos passar nada para não atrapalhar as investigações. Elas estão caminhando bem e logo mais devemos ter atualizações", disse.

Vulnerabilidade

Maria Lucia Pinto, professora emérita da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do grupo de pesquisa Violes, acredita que crimes como esses, quando acontecem de maneira recorrente e tão cruel, expõem quão frágeis são as políticas de segurança e a implementação da legislação em crimes contra a mulher. "Se o instrumento de lei não é capaz de responsabilizar os autores agressores de tamanha violência, é preciso rever como está o sistema", ressalta.

As autoridades responsáveis, segundo a especialista, precisam levar à luz o debate dentro do sistema judiciário, para que os casos tenham uma forte redução, além da prisão para os responsáveis. Ela destaca a importância de serem realizadas campanhas nacionais de conscientização. Para a professora, a legislação precisa efetivamente ser colocada em prática, e a Lei Maria da Penha, conhecida nacionalmente pela proteção à mulher, torna-se algo banal, já que a não culpabilização e ineficiência no suporte às vítimas de agressões ou na tentativa de evitar a consumação do crime mostram o cenário de descaso.

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Professora do Departamento de História da UnB e especialista em estudo de gêneros, Edlene Oliveira avalia as constantes falhas das esferas estatais e sociais em relação às discussões sobre violência contra mulher. Ela considera que é necessário promover debates que desconstruam mentalidades machistas e sexistas, já que os pontos são fatores que corroboram para o cenário geral dos crimes. "O machismo é uma construção cultural, é estrutural, não é natural e individual. Preconceitos e discriminações de gênero estão presentes, o que impede avanços e o debate público obrigatório do tema", pontua a especialista.

Um caminho que pode ajudar é a educação para homens e mulheres. Isso, segundo ela, desde a infância até a fase adulta, para que o respeito e a igualdade de gênero se perpetuem como um símbolo de uma população melhor. "A conscientização do abuso é que leva as mulheres vítimas a buscarem ajuda com a família, amigos, vizinhos, psicólogos. É também importante fazer a denúncia pela via formal", alerta Edlene.

*Estagiário sob supervisão de Malcia Afonso

[MEMÓRIA] Relembre as mulheres mortas no DF, em 2022

> Santa Maria, 22 de janeiro: o corpo de Eliuda Velozo, 35 anos, foi encontrado em uma estrada de terra. Mãe de quatro filhos, ela foi encontrada seminua, com ferimentos na cabeça. Três dias depois, um homem, de 34 anos, foi preso em flagrante. Em depoimento, ele se manteve calado e disse apenas que conhecia a vítima “de vista”.

> Brazlândia, 24 de janeiro: Uma jovem de 23 anos, identificada apenas como K.C.P.S, foi encontrada morta na cisterna de uma chácara, no Setor Rural Maranata. Antes de desaparecer, ela havia denunciado o companheiro, Mauro, por violência doméstica e conseguido medida protetiva. O corpo estava coberto de terra e foi encontrado pelo cão da equipe de buscas, em avançado estado de decomposição. Mauro chegou a prestar depoimento, mas não assumiu o crime. No dia seguinte, ele se matou.

> Plano Piloto, 1º de fevereiro: Ana Cristina de Araújo, 51, foi vítima de feminicídio no Setor de Indústrias Gráficas (SIG), no caminho do trabalho e sem chances de defesa. A empregada doméstica foi assassinada com golpes de facão pelo ex-genro, Marcos Fernando Domingos, 26. No ano passado, após um desentendimento com o acusado, a filha da vítima teve boa parte do corpo queimada. Quando decidiu pôr fim à relação, Marcos passou a ameaçar a jovem, a mãe dela e os parentes.

> Planaltina, 20 de março: Joana dos Santos, 41, foi morta pelo marido, Silvestre Pereira, 44 — que tentou se matar em seguida — em Arapoanga. Ela deixou quatro filhos, entre seis e 17 anos. A briga ocorreu por conta de dívidas que o autor tinha com agiotas. O assassino foi preso após receber alta do hospital.

> Samambaia, 7 de maio: o corpo de Brenda da Silva, 26, foi encontrado ainda em chamas em um matagal, no Parque Gatumé, sem roupas, com ao menos 22 ferimentos de facada. Ela morava com a mãe no Recanto das Emas e estava desaparecida havia quatro dias. Os policiais acreditam que ela também foi estuprada. Toda a parte inferior do corpo da vítima estava completamente carbonizada, indicando que o fogo teria começado pelas pernas. Nenhum suspeito foi preso.

> Taguatinga Norte, 18 de maio: Marina Katriny, 30, foi encontrada morta e com o corpo parcialmente carbonizado. Quatro dias depois, Wallace Eduardo, 34, namorado da vítima, foi preso. Ele confessou que matou Marina e detalhou o crime. O acusado também acertou Marina com uma pedra.