Sou filho de um pastor presbiteriano, cresci lendo a Bíblia e ouvindo sermões. Com as experiências, as leituras e as reflexões, revi os preceitos recebidos e não professo mais essa fé. No entanto, alguns valores dessa formação religiosa permaneceram profundamente arraigados na minha consciência.
Mentir, roubar, matar, trair, ser preguiçoso e invocar o nome de Deus em vão são obras do demônio. Por isso, sempre vi com espanto a presença de falsos evangélicos na política nas últimas duas décadas. Salta aos olhos o abismo que há entre os valores professados e os atos das lideranças que misturam política com religião.
E, nesse sentido, o caso dos pastores que exigiam propinas em dinheiro e em barras de ouro para liberar verbas da educação para projetos estranhos à área é emblemático. Os referidos pastores não ocupavam cargos na estrutura do Ministério da Educação e, no entanto, dominavam a agenda, davam as cartas e promoviam negociatas na liberação de dinheiro público para as prefeituras. Compunham um verdadeiro gabinete paralelo
A distorção chegou ao ponto de vender bíblias superfaturadas com a efígie do ex-ministro da Educação e de outros pastores. A ação configura um duplo delito: contra o erário e contra a devoção religiosa. Parece que as excelências são escolhidas precisamente pela incompetência, desconhecimento e ignorância sobre a matéria dos ministérios. O que Pazuello tinha a ver com a saúde, o que Ricardo Salles tinha com o meio ambiente e Milton Ribeiro com a educação? Só um manda, outro obedece; um manda, outro bajula, simples assim.
E tudo isso em nome de Jesus ou de Deus, utilizados na condição de escudos de um falso moralismo. O único valor que passa a reger a esses falsos representantes de Deus é o dinheiro. Daí o seu sentido destrutivo, corrompido e corruptor.
A minha mãe era uma evangélica fervorosa em palavras, preces e atos de compaixão. Ela frequentava uma igreja. Certa vez, foi ao culto e passaram um chapéu para recolher doações. Minha mãe disse que só tinha o dinheiro do ônibus. O pastor respondeu: "Vá a pé".
Ela contra-argumentou: "Mas estou com problema no joelho, ando de bengala". O dirigente retrucou: "Vá assim mesmo, senão não receberá as bençãos de Deus". Minha mãe pensou: "eles não são de Deus". Ela falava serenamente, mas com firmeza. Nunca mais voltou, e procurou outra igreja evangélica para cumprir a devoção. Encontrou uma que não exigia nenhum dinheiro, onde só jejuavam e oravam pelos outros.
Conheço muitas pessoas evangélicas, católicas e espíritas que são verdadeiros cristãos. Praticam, cotidianamente, a solidariedade, a compaixão e a humanidade. Mas misturar política com religião é uma das coisas mais nefastas para a democracia. Como pode uma pessoa cristã fazer apologia ou apoiar quem faz apologia da tortura? Temos a bancada da bala, a bancada evangélica, a bancada dos bancos, a bancada do veneno.
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