A riqueza da biodiversidade do Cerrado ainda pode ser desconhecida por muitos moradores do Distrito Federal. Apesar do bioma característico da cidade, existem muitas curiosidades em torno de espécies encontradas na capital, principalmente quando o assunto são capivaras. Quantas vivem na Orla do Lago Paranoá, o que comem ou quais são seus hábitos são algumas dessas questões. Para responder essas e outras perguntas, ativistas ambientais, são convidados a participar de um período de levantamento biológico, no Parque Ecológico Ermida Dom Bosco.
Amanhã e sábado, o curso de Ciências Biológicas da Universidade Católica de Brasília (UCB) em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente do Distrito Federal, realizará 24 horas de atividades científicas, através da BioBlitz, iniciativa internacional que visa engajar as pessoas na observação da biodiversidade através do uso de ferramentas simples de compartilhamento e identificação de espécies.
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O objetivo do evento é mobilizar o maior número de pessoas a registrar a biodiversidade dos locais onde elas vivem, através de uma plataforma, o INaturalist. De acordo com a professora do curso de ciências biológicas da UCB, Morgana Bruno, a Bioblitz é uma forma de ciência cidadã que envolve a participação popular e o levantamento de toda forma de vida de um local em um determinado período.
Morgana explica que o projeto é uma oportunidade para o público se conectar com a biodiversidade local, além de gerar dados com valores científicos. "É uma ação de ciência cidadã onde o cientista vai acompanhar as pessoas ao local e, juntos, vão anotar nomes científicos e colocar, através de fotos, com o auxílio de especialistas, em um banco de dados internacional", explica. A ação faz parte, ainda, do Projeto de Identificação e Monitoramento das Capivaras da Orla do Lago Paranoá, que tem como uma de suas metas a educação ambiental, voltada à conscientização da população sobre a biologia dos animais e a boa convivência com eles.
As ações desta meta têm sido, até o momento, voltadas para a coleta de informações sobre a percepção da população sobre os animais da orla do lago e também oficinas para parque-educadores e jovens de escolas públicas. "A proposta é fazer com que as pessoas conheçam as capivaras, a flora e outras espécies de fauna tendo a visão de vários especialistas. O homem, através da urbanização, tem compartilhado espaços com as capivaras, muitas vezes destruindo habitats e invadindo, cada vez mais, a fauna e flora silvestre", cita.
Segundo Morgana, a Bioblitz chega com caráter de urgência e com o intuito de dar maior amplitude à proposta. Isso porque as capivaras passaram a conviver com os humanos e animais domésticos a partir de 2017, quando houve a desocupação da orla do lago. Diante desse recente convívio, tornou-se necessário estabelecer uma relação harmoniosa entre os envolvidos. "Quando colocamos o homem como um pesquisador, passamos a ver o ambiente como algo bonito, que não é uma ameaça. Ele aprende sobre esse ambiente de uma forma menos agressiva. Através disso, integramos o homem ao ambiente, mostrando que todos podem conviver juntos. O que eu faço impacta o ambiente e o ambiente me impacta", completa.
Ciência cidadã
A Bioblitz é aberta ao público, em especial, à comunidade escolar. A ação, que terá início a partir do meio-dia de sexta, e término às 12h de sábado, conta com uma programação intensa, qcom duração de 24 horas. Dentre as atividades, estão observação do comportamento das capivaras; palestra sobre a biologia desses animais; oficinas para o público infantil; corrida fotográfica ao longo das trilhas com o acompanhamento de especialistas; observação e identificação de répteis, aves, mamíferos e artrópodes ao longo do dia e da noite e coleta de plâncton.
A estudante universitária do 5º semestre de ciências biológicas Maria Lívia Galli Malatrasi, 20 anos, é uma das participantes da iniciativa. Ela conta que está ansiosa pela oportunidade. "Vamos ter a oportunidade de ter contato com muitas espécies, observar e, inclusive, desmistificar algumas ideias pré concebidas que temos. Como estudante da área, para mim, esse é o maior ponto", diz. Para Maria, a ação é uma oportunidade de fazer com que os moradores do DF aumentem a conscientização. "Ao termos contato com aquele ambiente, vemos que não é preciso ter medo, que podemos lidar com nosso ambiente de uma forma mais humana, racional", pontua.
Monitoramento das capivaras
Dentre as criaturas mais vistas e pouco conhecidas, estão as capivaras. Por isso, no ano passado, o secretário de Meio Ambiente do DF, José Sarney Filho, firmou parceria com a Universidade Católica de Brasília (UCB) para a realização do estudo "Identificação e Monitoramento da População de Capivaras no Lago Paranoá". O trabalho é realizado por biólogos, com Fundo Único do Meio Ambiente (Funam) e tem duração de 15 meses. O objetivo do estudo é estimar, por meio de censos e avaliação da qualidade do habitat, a variação do número de capivaras e condições gerais de vida, para subsidiar políticas públicas e reduzir conflitos com a população humana.
A pesquisa tem foco especial na divulgação de informações e resultados por meio de campanhas de educação ambiental. Além disso, estão sendo identificados os locais de maior ocorrência de carrapatos na orla do lago. Ainda, o estudo utiliza dados de estudos anteriores para informações correlatas referentes à saúde, riscos de zoonoses e densidade populacional, para fins de comparação. Além da professora da UCB, Morgana Bruno, doutora em ecologia pela Universidade de Brasília (UnB), participa do estudo o pesquisador voluntário José Roberto de Alencar Moreira, doutor em Reprodução e Manejo de Capivaras pela Universidade de Oxford.
Moreira explica que, com o passar dos anos e a consciência da população, a capivara passou a ser menos perseguida no DF. "Em Brasília, elas se sentem mais à vontade, já não vêem tanta ameaça. Então hoje, é comum vermos mais desses animais no nosso dia a dia. Mas isso não confirma que exista uma superpopulação, ou se é apenas impressão", diz. Ainda, de acordo com o especialista, apesar de ainda não haver uma conclusão do estudo, a pesquisa permite a análise de alguns mitos que giram em torno da espécie, dentre eles, o aumento de animais na capital.
"Precisamos avaliar se há uma superpopulação e ver quais serão as medidas adotadas, se será necessário algum tipo de controle, se os moradores têm interesse em fazer o controle ou se seria melhor encontrar estratégias para um convívio harmonioso entre humanos e os animais", diz. Outra questão, segundo o especialista, é a transmissão da doença do carrapato, conhecida como febre maculosa brasileira. Porém, existem estudos recentes que comprovam que não existem registros no DF da doença. "Não chegou até aqui no Distrito Federal e, aparentemente, está mais ligada a problemas de desmatamento na Mata Atlântica do que áreas do Cerrado", afirma.
Apesar dos mitos e preocupações, o especialista garante que a espécie ajuda a manter a harmonia do ecossistema do DF. "A maior contribuição dela é manter o capim baixo, devido ao consumo que faz. Ao mesmo tempo, as fezes servem de matéria orgânica", pontua. Por isso, Moreira reforça que os moradores do DF devem procurar conhecer mais sobre a espécie e valorizar a diversidade que o animal pode trazer à capital. "A capivara é um animal carismático, que tem uma presença visual interessante, bonita e a população do DF deveria ter orgulho de ter um animal desse presente na sua biodiversidade", completa.
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