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Crise na saúde pública do DF parece não ter fim

População sofre com hospitais públicos lotados e pacientes reclamam de demora no atendimento para necessidades básicas. Especialistas na área citam falta de profissionais e carência de recursos e pedem mais investimentos

Ana Isabel Mansur
Pedro Marra
postado em 19/06/2022 06:00 / atualizado em 19/06/2022 07:09
Problemas na saúde do DF, como escassez de médicos, atingem profissionais e pacientes -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Problemas na saúde do DF, como escassez de médicos, atingem profissionais e pacientes - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Superlotação, demora no atendimento, falta de profissionais e escassez de suprimentos. Quem frequenta as unidades de saúde pública do Distrito Federal precisa lidar, diariamente, com dificuldades que, ano após ano, não são sanadas. Infelizmente, a situação caótica se repete nas regiões administrativas. O Correio visitou alguns hospitais do DF na última sexta-feira (17/05) e conversou com pacientes e acompanhantes. Os relatos incluem espera de até sete horas, falta de oxigênio e carência de médicos. Os problemas, contudo, não se limitam à entrega dos serviços e afetam, também, os profissionais da saúde. As queixas dos funcionários são parecidas com as dos usuários: sobrecarga de trabalho, falta de materiais e quadro de colaboradores reduzido.

A comerciante Alice Lira, 23 anos, chegou à emergência do Hospital Regional de Ceilândia (HRC) com a filha Helena, 2, por volta das 13h, para avaliar sintomas de bronquiolite na menina — condição que afeta o sistema respiratório de crianças pequenas. Ela conseguiu atendimento somente depois de mais de duas horas e meia de espera. Segundo a mãe, uma enfermeira da unidade entregou uma pulseira amarela (urgente) e disse que só atendia quem estava com risco de morte. A pequena Helena, além de muito cansada, tossia e apresentava febre há três dias. "A enfermeira disse que minha filha precisa de atendimento, mas não tem, porque o HRC está superlotado", relata a comerciante, que presenciou um bebê receber nebulização em uma cadeira de espera, porque não havia oxigênio disponível.

Alice cobra do Governo do Distrito Federal (GDF) mais investimentos em saúde e menos em obras, para priorizar o bem-estar da população. "O atendimento aqui fora (no balcão) foi rápido, mas o problema é lá dentro. Deveriam atender quem está precisando. O governo prioriza outras coisas, e não a saúde", critica a moradora de Sol Nascente. A observação é reforçada por Clayton Germano, da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (Prosus), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). "O governador e os secretários de Economia e Obras precisam priorizar ações na saúde e tomar decisões, que não são fáceis, mas que atendem à população. O MPDFT pressiona os gestores para que contratem mais profissionais", afirma o promotor.

Ele exige que, ao menos, os cargos em vacância na Secretaria de Saúde sejam preenchidos. "Praticamente todas as especialidades têm defasagem de profissionais. Essa falta impacta diretamente a prestação de serviços. É um problema grave", observa o promotor. De acordo com o Portal da Transparência do DF, do total de 54.950 cargos da saúde na capital do país, 24.271 (44%) estão vagos.

Clayton sugere a criação de carreiras para os colaboradores, inclusive com exigência de exclusividade para o serviço público. "Precisam ser bem remunerados e ter condições necessárias, para atrair os melhores profissionais. A discussão é ampla, políticas públicas de saúde precisam ser pensadas como um todo. Precisamos de mais investimentos, o serviço público está deixando de ser atrativo", completa.

Carência

A falta de especialistas na rede pública foi percebida pela auxiliar de serviços gerais Gardene Alves, 44. De ônibus, ela e o marido, Osmar Pereira, 42, chegaram à emergência do HRC às 16h15, em busca de atendimento odontológico. Apesar da forte dor em um dos dentes superiores, Gardene não foi acolhida, porque não havia nenhum dentista na unidade. O casal, que mora em Ceilândia Norte, foi orientado a ir ao Hospital Regional de Taguatinga (HRT). A busca foi em vão, e a dupla também não conseguiu atendimento no HRT. "Estou há três dias com essa dor, e dificulta para comer e até para beber água", relatou Gardene.

Osmar reclamou da ineficácia do serviço público. "Parece que só para saúde que o governo não tem recursos, porque aqui nunca melhora. No Hospital de Ceilândia, é sempre a mesma coisa", lamentou. Em janeiro de 2020, quando teve uma fratura no braço devido a um acidente de trabalho, Osmar chegou à unidade às 8h, mas só conseguiu mobilizar o membro com gesso por volta das 23h. "Consegui ser atendido, mas com muito custo", relembrou.

Como apontou o promotor Clayton Germano, a escassez de médicos é percebida em muitas especialidades. O morador do Sol Nascente Joaquim dos Santos, 23, sentiu o joelho inchar na noite de quinta-feira, após um jogo de futsal. Ele procurou a emergência do HRC no dia seguinte, às 12h, e foi atendido somente às 16h30. "Enfaixaram meu joelho. O ortopedista me deu um analgésico, pediu exame de sangue e tirou a água do meu joelho", contou.

Havia seis pessoas na frente com problemas mais graves e que ainda esperavam atendimento quando ele saiu. "Muita gente chegou mais cedo do que eu, em caso mais grave, e ainda ficou esperando", complementa. O mesmo problema descrito por Joaquim foi constatado pelo Correio no Hospital de Taguatinga. Na emergência, o pedreiro Abner Corrêa, 23, precisou de atendimento com ortopedista. O morador do Sol Nascente torceu o joelho esquerdo, que ficou inchado após o trabalhador se acidentar em uma obra. Com a lesão, precisou enfaixar o membro, não sem antes aguardar três horas por atendimento. "Ainda esperei a médica mais duas horas, porque ela estava fazendo uma cirurgia", relembrou.

Abner pediu a contratação de mais médicos na unidade. "Devia ter dois, em vez de um só. A médica saiu de onde eu estava, junto a outros pacientes, para fazer a cirurgia, porque só tinha ela no hospital", detalha o pedreiro. "Fora eu, tinha uma menina, que tinha chegado de manhã e ainda não havia sido atendida", relatou.

Ele se referia à cabeleireira Laís Silva, 30, que esperou das 10h às 17h na emergência do HRT. Na manhã de sexta-feira, ao buscar a filha na escola de bicicleta, ela caiu no chão e lesionou o ligamento do joelho direito. Com a dor, precisou tomar analgésicos na unidade. "Durante esse tempo todo, me deram injeção para dor e pediram para eu fazer compressa com gelo", reclamou.

Laís havia tentado atendimento antes, no Hospital Regional de Ceilândia, onde não tinha ortopedista. Já no HRT, ela denunciou ter sido mal atendida, porque as enfermeiras precisavam passar algumas pessoas em estado mais grave na frente. "Eu não sabia se tinha pulseira verde, vermelha, etc. Então, perguntei porque eu não tinha sido atendida, e uma funcionária disse em voz alta 'não sei te informar´", criticou a autônoma.

Exaustão

Gutemberg Fialho, presidente do Sindicato dos Médicos do DF (SindMédico-DF), afirma que a classe sofre com desabastecimento de insumos, desde remédios a órteses e próteses, além do deficit de profissionais. "Não sei o que é mais grave, pois há falta de tudo", diz. Os servidores estão exaustos e a culpa pelo mau atendimento não é dos prestadores. Faltam condições mínimas. Recentemente, tem havido, segundo o presidente, aumento dos pedidos de demissão por profissionais, às vezes com 10 ou 15 anos de secretaria, e o crescimento das redução de carga horária. "Apenas neste mês, dois pediatras do Paranoá pediram demissão", informa.

Para Gutemberg, o governo sabe da falta de profissionais e das péssimas condições de trabalho, além de ter conhecimento dos salários ineficientes e da falta de estruturação de cargos. O presidente do sindicato é categórico ao destacar que a crise da saúde do DF não é decorrente da emergência sanitária causada pela covid-19. "O caos vem de antes. A pandemia apenas escancarou essa face caótica da saúde pública do DF. Usar a pandemia como explicação é agir com deslealdade. É estelionato intelectual", acusa.

Procurada pelo Correio, a Secretaria de Saúde informou que conta, atualmente, com 32.556 servidores. "Desse total, 5.173 são médicos. A atual gestão prioriza a contratação de profissionais de saúde para diminuir o déficit da rede pública. Desde 2019, foram nomeados 3.101 concursados para a pasta, além da contratação temporária de 7.756 trabalhadores. É importante ressaltar que nem todas as pessoas assumem os cargos para os quais foram nomeadas, e, por este motivo, em março deste ano, a pasta publicou novo edital com oferta de 230 vagas para médicos em diversas especialidades", escreveu, em nota, a secretaria.

 

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  • Abener Corrêa foi atendido na emergência do HRT
    Abener Corrêa foi atendido na emergência do HRT Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  •  Lais Silva foi atendida na emergência do HRT
    Lais Silva foi atendida na emergência do HRT Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

FRASE

"O atendimento aqui fora (no balcão) foi rápido, mas o problema é lá dentro. Deveriam atender quem está precisando. O governo prioriza outras coisas, e não a saúde"

Alice Lira, moradora do Sol Nascente

 

“Parece que só para saúde que o governo não tem recursos, porque aqui nunca melhora. No Hospital de Ceilândia, é sempre a mesma coisa”

Osmar Pereira, morador de Ceilândia Norte

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