Os momentos de surto psicótico de um motoboy de 33 anos, identificado como Antônio Marcos de Pinho, que morreu na tarde de sábado (11/6), na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Gama, geraram revolta por parte dos familiares da vítima. Primo do rapaz, o vistoriador veicular Patrick Pereira de Pinho, 31, reclamou do atendimento feito pelo Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF).
Ao Correio, ele conta que, antes, o primo tinha entrado em surto apenas quando tinha 14 anos, e outra vez, com mais de 20 anos. “Ele não costumava ter isso, mas acabou não reconhecendo a família”, relata Patrick. Antônio, responsável pela única renda da família, deixa a esposa, de 24 anos, e a filha, de 6 anos.
O luto foi maior na segunda-feira, quando o corpo foi velado e sepultado no Cemitério do Gama. “Tinha mais de 200 amigos e familiares que seguiram o corpo dele, como o pessoal que trabalhava com ele de motoboy”, acrescenta.
Confira abaixo o vídeo dos amigos e familiares durante velório no cemitério.
Patrick recorda o passo a passo do surto que Antônio sofreu, no sábado. “Eu estava em casa quando ele, inquieto, pegou o meu carro sem autorização para ir à casa dele, mesmo sem a chave de casa”, detalha.
Em seguida, o primo da vítima descreve que ocorreu uma discussão na rua. “Nesse momento, desci do carro para ver o que era, e ele pulou para o banco do motorista e saiu disparado dizendo que tinha alguém o perseguindo”, diz Patrick.
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Logo depois, chegou uma viatura da Polícia Militar e pediu para Patrick confirmar a própria identidade. “Questionaram porque acharam uma fatura minha dentro do carro”, complementa. Um policial explicou ao rapaz que o veículo tinha sido apreendido, e Antônio foi socorrido pelo Corpo de Bombeiros porque estava em surto. “Nesse instante, disseram que ele parou o carro em frente a um mercado, e o levaram ao Hospital Regional do Gama (HRG), mas como lá não conseguiram atendimento, foram para a UPA”, relembra.
Com essa informação, Patrick foi com a esposa, que é enfermeira, para o local. Os dois entraram na UPA e limparam a vítima com papel toalha, porque ele estava suando e com nariz sangrando, mas sem saberem o motivo. “A única coisa que ele falou foi o nome de um primo, que mora longe, e o da mãe dele”, informa Patrick.
Vítima seis horas amarrada
O primo do rapaz critica o fato de Antônio ter ficado amarrado com corda durante seis horas. “Quando cheguei na UPA, vi que ele estava amarrado nos pés, no meio das pernas, na cintura e com as mãos para trás de barriga para baixo. Assim permaneceu, das 17h30 até 1h30”, diz.
Em defesa, o CBMDF comunicou que atendeu uma ocorrência registrada inicialmente como colisão de veículo e um pula–pula no Setor Sul do Gama. No local, as equipes encontraram um senhor, não identificado, contido por populares, aparentemente apresentando um surto psicótico. “Estava muito alterado, agressivo e proferindo palavras desconexas”, traz a nota.
Durante regulação médica, o paciente foi contido na maca e levado à UPA do Gama, e permaneceu aos cuidados da equipe médica local, por volta das 17h30. Em alguns casos de surto psicótico, o CBMDF alega que o paciente pode se tornar agressivo e violento, o que torna necessária a imobilização do mesmo para que assim seja garantida a segurança do paciente, da equipe de socorro e demais envolvidos.
Após a imobilização, quando necessária, o paciente é levado para atendimento médico hospitalar o mais rápido possível, para que tenha acesso ao tratamento adequado ao caso, conforme explica a corporação.
“Os bombeiros falaram que esse tratamento tem que ser contido em casos de agressão. Mas, nas imagens, ele só pede socorro e estava com o corpo paralisado. Ele ficou mais agressivo e se debatendo depois que os bombeiros amarram”, argumenta Patrick.
Boletim registrado na delegacia
Procurada pela reportagem, a Polícia Civil do DF (PCDF) confirmou que a sobrinha da vítima registrou boletim de ocorrência na 14ª DP (Gama). “A comunicante apresentou solicitação da verificação do óbito junto ao IML (Instituto de Medicina Legal), evolução médica, o qual foi juntado nesta ocorrência", acrescenta.
A corporação definiu, então, que caberia encaminhar o corpo ao IML para verificar, por meio de exames, a possível presença de substâncias no corpo, conforme descrição do médico na folha de Evolução Médica apresentada nesta unidade circunscricional.
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O que diz o Iges-DF?
O Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF), que administra a UPA do Gama, alega que recebeu um paciente contido mecanicamente pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) em decorrência de agitação psicomotora de Antônio e da agressividade.
Na avaliação do Iges-DF, a conduta, apesar de chocante, por vezes é necessária até o efeito desejado de medicações que controlem a agressividade (contenção química). “(Antônio) foi atendido prontamente na UPA, sendo tomadas todas as medidas clínicas para a assistência médica”, mostra um trecho.
O Iges informa que, na UPA, o paciente foi classificado como pulseira laranja. Ele estava desorientado e foi encaminhado para atendimento imediato onde foram administradas medicações e realizado atendimento médico.
“No decorrer do plantão, apresentou rebaixamento do nível de consciência (RNC) onde evoluiu para parada cardiorrespiratória (PCR), por volta das 1h20, onde foi prontamente assistido com manobras de reanimação cardiopulmonar (RCP) por 56 minutos e intubação orotraqueal (IOT)”, detalha o órgão.
Na nota, o instituto se compadece com o óbito do paciente, apesar de todo o esforço da equipe. “Cabe ressaltar que o Iges-DF se solidariza com a dor da família, mas reforça a necessidade das devidas apurações, incluindo o laudo final da necrópsia, para formar uma opinião médica final sobre essa ocorrência, vistos os registros de acontecimentos que antecederam a chegada do paciente a UPA”, conclui.
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Coren-DF repudia tratamento médico
Em repúdio ao tratamento dado a Antônio, o Conselho Regional de Enfermagem do DF (Coren-DF) ponderou que, como se trata de uma emergência psiquiátrica, é necessário avaliar o contexto que levou a esse desfecho trágico. Para o órgão, as informações disponíveis até agora não permitem concluir o que ocorreu. “O caso precisa ser rigorosamente apurado”, avalia.
Pela imagem, o Coren-DF conclui que essa não é a maneira mais adequada de imobilizar um paciente. Além de ser desconfortável, o conselho afirma que pode prejudicar a circulação sanguínea da pessoa. “Esse tipo de abordagem deve ser humanizada e profissional. Ninguém merece ser tratado de forma indigna”, finaliza a nota.
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