Pouco mais das 2h de 9 de junho de 2021, um telefonema inesperado acordou um dos irmãos de Cleonice Marques, 43 anos. Do outro lado da linha, a mulher pedia por socorro e avisava que alguém tentava entrar em casa, no Incra 9 de Ceilândia. A ligação caiu poucos segundos depois e o familiar saiu rápido para ver o que estava ocorrendo. Ao chegar no imóvel, encontrou o cunhado Cláudio Vidal, 48, e os dois sobrinhos, Gustavo Marques Vidal, 21, e Carlos Eduardo, 15, esfaqueados. Os meninos estavam mortos, mas Cláudio ainda respirava e, antes de falecer, disse duas frases: "Levaram ela. Levaram a Cleonice". Quatro dias depois, a empresária foi encontrada sem vida, nua e com uma marca de tiro na nuca, no Córrego das Corujas. Um ano após a barbárie, o inquérito na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) permanece aberto. O caso é tratado como homicídio, e os investigadores não descartam nenhuma hipótese, inclusive a de participação de outras pessoas no crime.
Em menos de duas horas, papiloscopistas da PCDF identificaram as impressões digitais deixadas pelo principal autor no local do crime. As marcas estavam do lado de dentro da porta da casa, o que reforçava a hipótese do envolvimento de Lázaro Barbosa, 32, um foragido da Justiça, com inúmeras passagens por homicídios, estupros, roubos e latrocínios. À época, o assassino era procurado pela polícia por ter cometido um estupro em 26 de abril do ano passado. Na ocasião, o serial killer invadiu uma chácara no Sol Nascente, roubou e ordenou que a mulher caminhasse com ele até um matagal, onde a violentou.
Cleonice, Cláudio e os filhos administravam uma floricultura, o Viveiro Vidal, que fica a poucos metros da casa onde moravam. A empresa familiar atua na produção e no comércio de plantas . Após a tragédia, a loja ficou fechada por pouco mais de um mês, mas voltou a funcionar sob a gerência de um dos sobrinhos de Cláudio.
Odília Clemente, 34, trabalha na floricultura e era amiga das vítimas. A vendedora foi contratada por Cleonice semanas antes dela morrer. A mulher mora a poucos metros da casa da família Vidal e, ao Correio, contou que também passou por momentos de terror ao ter a chácara invadida por Lázaro. Quinze dias antes de cometer a chacina, o criminoso entrou na residência dela armado, ameaçou o pai, a irmã, o filho, uma sobrinha e um bebê de 1 ano. "Estávamos reunidos. Minha irmã estava conversando com um senhor, quando escutei uma voz diferente e fui ver o que era. Quando olhei, vi um homem apontando a arma para a minha irmã", disse.
Lázaro permaneceu por cinco horas na casa de Odília. Ela relembra que o bandido ordenou que ela saísse de dentro do imóvel e vasculhou os cômodos em busca de armas. "A todo momento, ele dizia que, se reagisse, mataria a todos. Ao completar 0h, o celular dele despertou e ele saiu tranquilamente com o dinheiro que tinha roubado. Pediu desculpas, mandou a gente ficar com Deus e foi embora", afirmou.
Depois do episódio, Odília e a família decidiram se mudar. Ela só soube que Lázaro era o mesmo autor do assassinato dos patrões após ver a foto dele veiculada na imprensa. "Na hora, o reconheci. Foi um momento de muita dor para todos nós, tanto que não consegui ir ao enterro. Como eu morava perto da casa deles, na madrugada do dia do crime, cheguei a escutar um tiro, mas achei que fosse um policial que morava perto. A dona Cleonice era uma pessoa que ajudava todo mundo e não pensou duas vezes ao me oferecer um emprego no momento difícil da minha vida."
Odília ainda lida com o medo e guarda as marcas deixadas pela tamanha tragédia. A vendedora não consegue dormir direito e acumula traumas. "A gente não consegue sair com tranquilidade. É difícil trabalhar, porque não sabemos com quem ele estava naquele dia, se agiu sozinho ou não. É sempre um risco", desabafa.
O Correio retornou ao local onde o corpo de Cleonice foi encontrado, em uma área cercada por mata. Um chacareiro, que mora próximo à área, relembra o episódio e ainda sente o medo. "Como não sabemos ainda como tudo ocorreu, ficamos com esse receio. A região, por si só, é tranquila, mas devido ao que aconteceu, evitamos algumas coisas, como sair tarde da noite", desabafa.
Inquérito aberto
À frente do caso, o delegado-chefe da 24ª Delegacia de Polícia (Setor O), Raphael Seixas, detalhou o passo a passo das apurações, desde a identificação do autor, os dias de busca, até o andamento das investigações. A informação de quem seria o responsável pela chacina veio horas depois, por meio de um telefonema da diretoria do Instituto de Identificação. "A impressão digital dele (Lázaro) era a prova irrefutável que ele havia participado do crime", afirma.
Um aparato de policiais civis, militares e bombeiros deram início às buscas. A expectativa era localizar Cleonice com vida e capturar o criminoso. As investigações revelaram que Lázaro costumava mudar de endereço a cada dois meses. Por isso, policiais estiveram em várias residências, e conseguiram achar o último lugar onde o serial killer morou. Na casa, situada no Sol Nascente, foram apreendidas várias munições de calibre 12 e 38. "Nós verificamos que, entre ele fugir levando a Cleonice, e nós tentarmos localizá-lo, ele praticou outros crimes. Em um deles, entrou em uma chácara em Ceilândia e roubou celulares", disse Seixas.
Uma das estratégias adotadas pela Polícia Civil foi o monitoramento dos telefones utilizados por Lázaro. O rastreio possibilitou identificar que o homicida rondava por Ceilândia. Mas, em pouco tempo, o sinal identificava que ele estava em Águas Lindas. "Fizemos contato com a delegacia da região para nos informar sobre qualquer ocorrência de veículo roubado, porque o deslocamento dele foi muito rápido, então entendemos que ele havia ido de carro, moto ou algo do tipo."
A PCDF continua a investigar o caso. Esclarecido, mas não solucionado, afirma o delegado. "O crime foi esclarecido? Foi, ao ponto de identificarmos a autoria. Mas foi solucionado? Ainda não. O que temos de investigação para tratar esse caso como solucionado? Precisamos identificar se houve a participação de outra pessoa ou não, embora, em outros casos, constatamos que ele agiu só, mas não fechamos essa questão", pontua.
A chacina é investigada como homicídio, uma vez que ainda não foi comprovado se Lázaro roubou algo de dentro da casa das vítimas. "Não excluímos nenhuma possibilidade, quanto a co-autoria e motivação. Primeiro, temos que identificar o porquê, como ele chegou ao local, se atuou sozinho. Ele levou Cleonice ao córrego sozinho? Temos um dificultador: as quatro vítimas morreram, não tinha câmeras de segurança e nem testemunhas. Por isso, o inquérito permanece em aberto e as apurações seguem em sigilo."
Advogado da família, Fábio Alves revela que parentes das vítimas sofreram ameaças. "Um dos primos da família Vidal recebeu mensagens estranhas pelo Whatsapp. Em uma delas, a pessoa diz que não vai deixar ninguém em paz, e que Lázaro não morreu. Isso está sendo investigado pela polícia", detalha.
A casa onde Cleonice, o marido e os filhos moravam também foi demolida. Segundo o advogado, mesmo após o crime, pessoas entraram na residência e tentaram mexer no forro de PVC à procura de dinheiro. O Correio também procurou o Ministério Público do DF (MPDFT), que informou que o caso segue em sigilo e, por isso, não pode fornecer informações.
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