Um artigo científico elaborado ao longo dos últimos dois anos por um grupo de pesquisadores do Laboratório de Farmacologia Molecular da Universidade de Brasília (UnB) foi aprovado e publicado, na última segunda-feira, na renomada revista internacional Trends in Molecular Medicine. Sob coordenação do professor, mestre e doutor em farmacologia da UnB Guilherme Santos, o artigo é assinado por quatro pesquisadores da universidade e por um colaborador da Universidade da Califórnia San Diego (UCSD), que fizeram uma revisão propondo o uso de lipídios da microbiota intestinal para o tratamento personalizado de doenças como a obesidade.
Durante a produção do artigo, intitulado Lipídios da microbiota intestinal: buscando um tratamento personalizado, o grupo de pesquisa fez experimentos com células, e os resultados sugerem que a obesidade possa ser tratada a partir do uso e do consumo de lipídeos extraídos de fezes de um ser humano sadio, que esteja dentro do peso adequado. "Agora, estamos fazendo os testes em animais e em modelos humanos, mas os resultados obtidos com células foram muito promissores e indicaram que, por exemplo, se eu extrair os lipídios presentes nas fezes de um indivíduo saudável, preparar cápsulas com esse material e dar para uma pessoa obesa, ela vai emagrecer. O mesmo acontece com uma pessoa magra, e se dermos cápsulas com fezes de uma pessoa obesa, ela vai engordar", explica o professor e coordenador do artigo. Os resultados preliminares dos experimentos usando modelos animais ainda serão detalhados em uma nova publicação, que será concluída em até 3 meses pelo grupo de pesquisa.
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A compreensão científica por trás disso não é trivial, e antes é preciso entender o funcionamento natural do sistema humano. A microbiota intestinal tão citada no artigo trata-se de uma comunidade de micro-organismos (bactérias, fungos e vírus) que compõem o intestino. As bactérias, talvez as principais moduladoras das características do indivíduo, produzem metabólitos (moléculas). Entre estes metabólitos estão os lipídios, biomoléculas compostas por carbono, oxigênio e hidrogênio, que são os principais responsáveis por regular a sinalização celular e o funcionamento do organismo. Os lipídios também estão presentes em diversos alimentos de origem animal e vegetal e fornecem energia ao corpo humano.
O artigo, que foi apresentado nesta semana à comunidade da UnB, questiona se os lipídios extraídos da microbiota intestinal pode ser usada para oferecer uma nova terapia personalizada, diferente das que existem, para o tratamento de síndromes metabólicas, à exemplo da obesidade e diabetes. Já se observa o grande sucesso do transplante fecal, que consiste em pegar fezes de um doador saudável e administrar para pacientes. A grande novidade que este grupo apresenta é a possibilidade de não precisar trabalhar com organismos vivos, as bactérias, mas sim o extrato de metabólitos lipídicos que estas bactérias produzem. Esse extrato pode ser facilmente extraído das fezes e se mostram extremamente eficazes para regular as ações celulares. A ideia é que os experimentos conduzidos pelo grupo de pesquisa possam proporcionar o desenvolvimento e a comercialização de medicamentos em cápsulas para um tratamento personalizado.
"O objetivo é que essa solução venha em cápsulas, e já temos elaborada a ideia de montar uma startup para vender essas cápsulas. Se alguma empresa se interessar, vamos nos associar, mas se não der, montaremos essa start-up por intermédio da UnB mesmo", conta Guilherme Santos. "Estamos apontando uma nova estratégia farmacológica. Hoje, já existem estratégias e remédios diversos no mercado, mas essa é uma nova opção, e ninguém fez nada do tipo ainda, é uma coisa grande para a comunidade científica e para a sociedade", acrescenta.
Tanto os experimentos quanto a produção do artigo têm financiamento da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF), que já deu aval para a continuidade da pesquisa. A equipe que assina a publicação é coordenada por Guilherme Santos e composta pelas pesquisadoras Pamela Carneiro, Natalia Montenegro, Angelica Amato, do laboratório de Farmacologia Molecular da UnB, e pelo correspondente da UCSD, Addison Lana.
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