Sem qualquer pretensão ou falsa modéstia tomo emprestado o título do premiadíssimo filme dirigido por Walter Lang e interpretado por Yul Brynner e Debora Kerr, O Rei e Eu, baseado no musical que estreou na Broadway em 1950, apenas para lembrar que meus olhos puderam, em duas ocasiões, comprovar a serenidade da soberana britânica Elizabeth II.
Ainda criança, eu gostava muito de folhear revistas e desde os sete anos, lia pelo menos os títulos, de qualquer assunto que me chamasse a atenção. Como histórias de reis e rainhas, influenciada por uma amiga adulta, dona das coleções de O Cruzeiro e Manchete. Nelas tomei conhecimento dos preparativos que estavam sendo feitos na Casa de Windsor para a coroação daquela jovem e linda inglesa de cabelos escuros que, desde que seu pai George VI ascendeu ao trono, já sabia que seria a sucessora.
Com 15 anos de reinado, Elizabeth II e o príncipe Phillip realizam a primeira — e única — visita ao Brasil em 1968. Desembarcaram do iate real Britannia em Recife, onde interagiram com Gilberto Freyre e dom Hélder Câmara, rumaram para Salvador e lá, depois de três horas e meia de um rápido giro, que incluiu o Mercado Modelo, zarparam para o Rio de Janeiro. A bordo de um avião da RAF, em 5 de novembro, desceram em Brasília, onde se deu a visita de Estado, a começar pelo Palácio da Alvorada e sedes do Legislativo e Judiciário, depois de se instalarem no Hotel Nacional.
À noite, um memorável banquete no Itamaraty, seguido de recepção para mais de mil pessoas encerrou o primeiro dia da visita real a Brasília. Sempre sorrindo, a rainha de 42 anos encantou com sua aparente simplicidade as pessoas que a cumprimentaram. Foi no dia seguinte, durante a visita à Catedral, onde nós repórteres pudemos ficar mais próximos da rainha, que ainda esteve no Jardim de Infância da 308 Sul e na torre de televisão antes de partir para São Paulo e participar da inauguração do Masp.
Oito anos mais tarde, coube ao general Ernesto Geisel retribuir o gesto da Rainha Elizabeth, como o primeiro presidente do Brasil a visitar o Reino Unido, na primavera de 1976. Lá estava ela, aos 50 anos, recebendo ao lado do Duque de Edimburgo, na plataforma da Estação Vitória, a comitiva brasileira que desembarcara no aeroporto de Gatwick numa manhã ensolarada de maio e seguira de trem até Londres.
Deu tempo para a imprensa registrar os cumprimentos e se deslocar até o Palácio de Buckingham antes da chegada do cortejo que optou por carruagens como meio de transporte. A primeira e mais rica trazia o presidente e a rainha, que conversaram sem intérprete. Na sexta carruagem, vinham os presidentes do Senado, o piauiense Petrônio Portella, e da Câmara, o cearense Flávio Marcílio, que à ultima hora substituiu o líder do governo, José Bonifácio de Andrada. Zézinho, como era chamado o político mineiro, adoeceu de última hora e, até hoje, seu nome consta dos registros da Agência Nacional como se tivesse ido a Londres.
Nada foi mais hilário do que ver os dois nordestinos vestidos de fraque e cartola apeando da carruagem nos jardins de Buckingham, ponto final do desfile. Eles próprios mal se continham em risos diante dos fotógrafos. Naquela época de regime de exceção, eram os políticos as únicas fontes da imprensa.
Enquanto a comitiva percorreu muitos salões para chegar ao local previsto, os jornalistas atravessaram os porões do palácio numa extensa caminhada sombria que acabou no acesso ao primeiro piso do salão nobre. Mais uma vez, estive diante da rainha da Inglaterra, que segundo revela a biografia teria dito, ainda jovem, que queria ser como "a rainha da alegria". Aos 97 anos, tenho certeza de que Deus ouviu o seu pedido.
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