Adolescentes em conflito com a lei são retirados das ruas do Distrito Federal diariamente. Dados obtidos com exclusividade pelo Correio mostram que as forças de segurança apreenderam, em média, cinco menores por dia nos primeiros quatro meses deste ano. Casos de grande comoção, como a tentativa de latrocínio contra o jornalista Gabriel Luiz, 29 anos; o assassinato do padre polonês Kazimierz Wojno, 71; e a morte do motorista de transporte por aplicativo Henrique Fabiano Dias Coelho, 25, esganado por seis jovens após atender uma corrida, alertam para o envolvimento de meninos e meninas em crimes violentos.
Na noite de 21 de junho de 2019, após terminar uma missa na Paróquia Nossa Senhora da Saúde, na 702 Norte, o padre Kazimierz, mais conhecido como Casemiro, foi para a casa, no terreno da igreja, e acabou surpreendido por quatro pessoas, incluindo um adolescente de 17 anos. O grupo rendeu o religioso e o caseiro José Gonzaga da Costa, 39. Eles roubaram diversos objetos do templo. Casemiro foi assassinado por asfixia, e encontrado com os pés, mãos e pescoço amarrados. A brutalidade gerou consternação e revolta em todo o DF. Todos os envolvidos foram condenados. O menor havia acabado de completar 18 anos e estava preso em Goiás por tráfico de drogas.
Do ano que ocorreu o crime contra o religioso até abril de 2022, houve cinco latrocínios consumados e sete tentativas cometidos por menores de 18 anos. Quem integra a triste estatística é o motorista de transporte por aplicativo Henrique Fabiano. Aos 25 anos, o trabalhador saiu de casa para mais uma jornada. Na madrugada de 12 de outubro de 2019, seis homens o renderam e anunciaram o assalto. Entre os envolvidos, estava um menino de 14 anos, que deu detalhes à polícia sobre a morte de Henrique. Segundo o adolescente, logo depois que o motorista buscou o grupo em uma igreja, levou uma "gravata". A vítima ficou desmaiado no banco de trás do carro e acabou esganada até a morte.
Ações de repressão
Entre janeiro e abril deste ano, 685 adolescentes foram apreendidos na capital do país. Desses, 434 foram pegos em flagrante; e 251, por mandados de busca e apreensão. No ranking dos atos infracionais, o roubo e o tráfico de drogas somam 257 apreensões. Em seguida, aparecem furtos e posse de drogas (36, cada), receptação (22), lesão corporal (16), porte de arma (15), ameaça (14), tentativa de homicídio (13) e estupro (3).
De 2016 a 2021, foram registrados 132 atos infracionais análogos ao crime de homicídio, o equivalente a uma média mensal de quase dois casos. Nos quatro primeiros meses deste ano, não houve homicídio, mas 13 tentativas cometidas por menores. Ceilândia e o Plano Piloto concentram a maioria das ações envolvendo adolescentes. No primeiro quadrimestre de 2022, as duas regiões somam 128 ocorrências. Ceilândia também tem o maior número de jovens apreendidos, são 81.
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Delegado Juvenal Oliveira está à frente da Delegacia da Criança e do Adolescente de Ceilândia (DCA2) há mais de oito anos e elenca as principais ocorrências registradas na unidade. "O tráfico de drogas, o uso de drogas e os roubos, principalmente de celulares, são, sem dúvida, os maiores registros. Em Ceilândia, há muitas invasões e moradores de classe social mais baixa. Em Taguatinga, por exemplo, há uma concentração maior do comércio, então os criminosos se aproveitam disso para cometer delitos", explica.
Com a volta ao ensino presenciais nas escolas, ocorrências de agressão e até tentativas de homicídio envolvendo adolescentes se tornaram frequentes. "O que mais tivemos, aqui (delegacia), foram situações de brigas e xingamentos em colégios. Esse aumento pode ser considerado normal em razão da pandemia. As aulas estavam suspensas e, consequentemente, os alunos se afastaram do convívio social", afirma o delegado.
Em março deste ano, um menino de 17 anos foi ferido com uma facada após uma briga entre estudantes no Centro de Ensino Médio 3 de Ceilândia. O autor chegou a ser apreendido, mas foi solto. A vítima permanece internada em estado grave no Hospital Regional de Ceilândia (HRC). Promotor Pedro Dumas, da Promotoria de Justiça Infracional de Defesa da Infância e da Juventude de Samambaia, destaca que os homicídios em Ceilândia envolvendo menores estão inseridos em um contexto mais amplo de violência da própria região, onde há muitos conflitos entre grupos rivais e desavenças relacionadas ao tráfico de drogas.
A promotora de Justiça Thaís Freire, da Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e Juventude (PJIJ), explica que o aumento da população e o crescimento desordenado da cidade, associado à precariedade dos investimentos públicos nas áreas prioritárias, impactam na formação de crianças e adolescentes, sobretudo em regiões mais vulneráveis, onde são aliciados por integrantes de gangues para serem "aviõezinhos" (pessoa que leva a droga ao comprador, recolhe o dinheiro e entrega para o dono traficante). "Na minha experiência infracional, o que de fato chama muito a atenção é o grande aumento de jovens usuários de drogas. O uso de entorpecentes é a porta de entrada para outros atos infracionais como tráfico, roubos e latrocínios", frisa.
À frente da chefia da assessoria de imprensa do Centro de Comunicação da PMDF, o major Michello Bueno revela que, só nos primeiros cinco meses de 2022 foram apreendidos 724 adolescentes envolvidos em diversos delitos. "Nesse mesmo período, a PM prendeu 4.168 adultos. Os números correspondem a maior parte das detenções diárias, o que mostra o grande trabalho entregue pela PMDF a população”, afirma.
Na linha de frente
O DF conta com sete unidades socioeducativas, que abrigam cerca de 2 mil adolescentes. Na linha de frente, mais de 1,4 mil agentes socioeducativos são os responsáveis por manter a garantia da disciplina e a ordem institucional, mas se esbarram em ameaças, injúrias, difamação e a agressão cometidas pelos reeducandos. A Unidade de Internação de Santa Maria (UISM), maior do DF, registrou, no ano passado, 21 ocorrências que envolveram diretamente os policiais. Entre elas, uma de agressão e duas ameaças.
No fim de maio, uma adolescente de 15 anos confessou à polícia um plano para assassinar uma agente socioeducativa da Unidade de Internação Feminina do Gama. Em conversa informal com outros servidores, a garota contou que roubou um carro, juntou-se a outras pessoas e, com uma arma de fogo, esperou a mulher sair para o intervalo do jantar em uma estrada de chão para cometer o crime. Presidente do Sindicato dos Servidores do Sistema Socioeducativo (Sindsse), André Henrique Santos relata sobre os desafios em lidar com os menores infratores nas unidades. "Constantemente, os agentes, que são responsáveis pela guarda, segurança, escolta, por evitar rebeliões, têm um risco, são ameaçados e desacatados", frisa.
De acordo com o servidor, à época do caso de ameaça, foi feita uma visita técnica da entidade sindical na Unidade do Gama, em que foi constatado a vulnerabilidade da segurança pública nos arredores da unidade: guaritas desativadas; iluminação noturna precária; vigilância desarmada; falta de local apropriado para cautela de arma de fogo dos servidores que possuem porte de arma particular, entre outros.
Saiba Mais
Ao Correio, a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) esclareceu que os os servidores atuam no sentido de evitar ocorrências dentro das unidades. "As ações desenvolvidas pela Secretaria de Justiça e Cidadania relacionadas à execução da política socioeducativa contribuem também para a redução de ocorrências disciplinares dentro das Unidades, uma vez que se investe na capacitação profissional, na educação e no acompanhamento especializado dos adolescentes, além de restringir os períodos de ociosidade, no interior dos alojamentos", detalhou a pasta por meio de nota.
A Sejus-DF também destacou os fatores que contribuíram para a redução do quantitativo de adolescentes apreendidos está a mudança no comportamento da população, como o isolamento social; a inserção em cursos profissionalizantes de 87,2% dos jovens em cumprimento de medida socioeducativa de internação, além da oferta de atividades esportivas e culturais.
Fatores diversos
“O ingresso de adolescentes na criminalidade pode estar associado a vários fatores sociais e institucionais, e que, muitas vezes, corroboram para a permanência dele na delinquência, por períodos relativamente longos, alguns dos quais acabam fazendo trajetória no crime. Geralmente, são marcados pela desestruturação familiar, violências intrafamiliares, conflitos interpessoais, envolvimento com álcool, entorpecentes, jogos de azar, disputas entre gangues por mercados ilícitos, faccionados ou não, até mesmo, pela oferta supostamente atrativa de oportunidades no crime, em contraposição ao que não puderam acessar fora da criminalidade. Importante destacar que esses fatores se tornam vetores ou potencializadores em face de outras condições sociais como a ineficiência do aparelho estatal em prestar os serviços básicos a esse extrato da população e em não oferecer um sistema socioeducativo capaz de garantir estrutura e condições mínimas que efetivamente proporcionem a saída do crime e/ou uma mudança no curso de suas histórias pessoais. Mas ressalte-se que classe social não é determinante, no sentido de que não se pode associar imediatamente delinquência juvenil à pobreza”.
Welliton Caixeta, pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança e do Grupo Candango de Criminologia da Universidade de Brasília (UnB).
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