Tragédia na faixa de pedestre

"Cinco crianças atropeladas por um motorista bêbado." A manchete do Correio de segunda foi um soco no estômago. Algumas vezes, fico com vontade de seguir a recomendação do poeta Maiakóvsi: "Ah, fechem os olhos dos jornais". Mas não podemos fugir, precisamos encarar e lutar para que uma atrocidade como essa não mais aconteça.

As cinco meninas, entre 4 e 11 anos, iniciaram a travessia da faixa de pedestre da Via P2, em Ceilândia Norte, para ir ao parquinho, quando surgiu, abruptamente, o carro Fox branco, dirigido pelo pedreiro Francisco Manoel da Silva, de 53 anos, que atingiu as crianças antes que elas cruzassem a rua. Francisco estava bêbado e não tinha carteira de habilitação. Três das quatro meninas foram internadas na UTI em estado grave. É uma mistura de irresponsabilidade, covardia e impunidade.

A faixa de pedestre é uma das conquistas da cidadania em Brasília. Um amigo dizia: eu tenho orgulho de parar na faixa. As crianças se sentiam empoderadas, quando elas levantavam as mãos, os carros paravam. Chegaram a ficar tão imbuídos de importância que cometiam exageros, provocando freadas bruscas.

O respeito sempre foi maior no Plano Piloto do que nas cidades da periferia, mesmo porque a fiscalização no centro da capital é mais intensa. No entanto, seria necessário que as campanhas de trânsito fossem permanentes para que os valores e os comportamentos sejam inculcados a diversas gerações. É uma conquista que, em certa medida, Brasília perdeu e deve empenhar esforços para recuperar.

Além disso, existe a sensação de impunidade, de que não vai acontecer nada de mais grave se alguém atropelar uma pessoa na rua, mesmo quando flagrado em estado de embriaguez. Na semana passada, houve uma tentativa de derrubar a exigência do bafômetro, sob a alegação de que feria os direitos individuais assegurados pela Constituição.

No entanto, o STF manteve, por unanimidade de votos, trechos da Lei Seca e a tolerância zero do consumo de álcool para motoristas nas rodovias brasileiras. Além disso, ratificou a deliberação de que o condutor não pode se recusar a fazer o teste do bafômetro. Os infratores podem ser multados e ter a carteira de habilitação suspensa.

O STF conservou, também, pelo placar de 10 a 1, a proibição da venda de bebidas alcoólicas nas estradas, com ressalva para os estabelecimentos situados em perímetro urbano. Sob o pretexto dos direitos da iniciativa privada ou dos direitos individuais, queriam solapar a Lei Seca, mas ela é fundamental para proteger a vida na selva selvagem do trânsito.

Em vez de se preocupar com a vulnerabilidade das urnas, denúncia jamais comprovada, os maus políticos e os maus militares deveriam se concentrar nos problemas reais do país: a inflação, o preço dos combustíveis, a propagação de fake news, a violência cotidiana, o envenenamento dos alimentos, a invasão de terras indígenas pelos garimpeiros, o desmatamento da Amazônia, o orçamento secreto e o esfacelamento dos partidos políticos reduzidos a balcões de negócios.

Sem ações como a do STF mantendo a tolerância zero do consumo de álcool para motoristas nas estradas brasileiras, a situação seria ainda mais devastadora. Queriam institucionalizar a impunidade e a irresponsabilidade. As atrocidades em série embotam a nossa sensibilidade e a nossa humanidade. É preciso campanhas e punições exemplares para que tragédias como a que atingiu as quatro meninas que atravessavam uma faixa de pedestre na Ceilândia não se repitam.