"Fui adotada, adotei e, hoje, estou na fila de adoção, à espera da chegada de mais um filho." De filha à mãe adotiva, a história da administradora Patrícia Félix de Lima, 41 anos, é exemplo de que formar laços afetivos independe de ligação genética. Para muitos, é a partir da adoção que surge uma nova chance de viver em um contexto familiar e social. No Dia Nacional da Adoção, celebrado nesta quarta-feira (25-5), a história da administradora recorda a importância de garantir o direito ao afeto de uma família a todas as 115 crianças e jovens que, impossibilitados por diferentes razões de conviver com os pais biológicos, aguardam, na fila de adoção do Distrito Federal, a oportunidade de encontrar esse carinho, cuidado e atenção.
Com um dia de vida, Patrícia foi adotada pela dona de casa Maria Aparecida, 73. "Há quarenta anos atrás, tudo acontecia de uma forma diferente. Meus pais entraram na indicação, depois de perderem um filho e passarem por um parto complicado com o segundo. Surgiu a oportunidade de entrar no cadastro de adoção e foi quando nos tornamos família", diz. Apesar do carinho que sempre recebeu em casa, Patrícia diz que também precisou lidar com alguns tabus. "Antigamente, muitas pessoas escondiam os casos de adoção e, apesar de não terem escondido de mim esse processo, eu não verbalizava com frequência por medo da receptividade das pessoas", recorda.
Com o passar dos anos, tabus foram quebrados e, com o apoio e incentivo que recebeu de sua mãe, Patrícia passou a enxergar a adoção como motivo de orgulho e escreveu um dos capítulos do livro Adoção tardia — Relatos de famílias nascidas de uma escolha, do Instituto Aconchego, em que conta sua história e todo o processo que viveu como filha e mãe adotiva. "Nós já avançamos muito na forma como a sociedade encara a adoção. Hoje entendemos que é uma forma de ser mãe ou pai, e que a família vai cuidar, zelar, não importa a forma como a criança ou jovem chegou", pontua.
E é isso que a administradora tenta transmitir à sua filha, de 12 anos. A decisão pela adoção sempre foi a primeira opção de Patrícia que, ao conhecer seu esposo, o economista Flávio Santiago Moreira Silva, 41, há cerca de 25 anos, decidiram, juntos, amadurecer e levar para frente a ideia. Há seis anos, Flávio e Patrícia aumentaram a família, com a chegada da primogênita. "Trabalhei por uns anos como assistente social e vi que os mais velhos sempre ficavam para trás. Decidimos optar por crianças acima de sete anos, e nossa filha nasceu para nós com seis, mas parece que foi nossa a vida toda", pondera. Seis anos depois, a família decidiu ingressar na fila de adoção e hoje, já habilitados, garantem que não vêem a hora de terem mais um filho.
Conta que não fecha
Assim como Patrícia, 587 pretendentes no DF aguardam pela oportunidade de adotar, segundo dados da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal (VIJ/DF). Mas, a regra do universo da adoção revela uma matemática invertida, uma conta que não fecha, já que hoje, há 115 crianças e adolescentes aguardando, sendo que a maior parte delas possui idade superior a dez anos e tem mais de dois irmãos. De acordo com o supervisor da Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e da Juventude do DF, Walter Gomes, a incoerência se justifica pelo perfil escolhido pela maioria dos pais. Historicamente, o desejo dos pretendentes é de se adotar, primordialmente, crianças de zero a três anos, sem irmãos ou com no máximo um irmão, de idade próxima.
"Esse é o célebre perfil clássico desejado para adoção, reivindicado por 95% das famílias inseridas no Sistema Nacional de Adoção, do Conselho Nacional de Justiça. A maioria dos aptos para adoção são crianças de faixas etárias mais avançadas, com prevalência de pré-adolescentes e adolescentes e grupos de irmãos.
Além da enigmática equação que nunca fecha, os processos adotivos passaram por redução ao longo dos últimos anos no Distrito Federal. Em 2019, 71 processos foram realizados, contra 65 em 2020. Já em 2021, apenas 59 processos de adoção foram concluídos. Walter explica a queda. "Tem se verificado um número maior de crianças e adolescentes em regime de acolhimento institucional ou familiar sendo reintegrados às suas famílias naturais", pontua.
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O supervisor cita como fator para queda dos processos, a redução considerável no número de crianças entregues voluntariamente para adoção à Justiça Infantojuvenil. "A despeito do progressivo aumento no número de mulheres que manifestam o desejo de entrega voluntária em adoção, apenas 30% delas efetivamente ratificam a entrega em audiência judicial. De igual forma, se menos crianças são entregues voluntariamente em adoção, por conseguinte, menor será o número de aptos no cadastro", completa.
Para os pais que querem e sonham em adotar, Walter explica que é preciso ter em mente que a adoção é antes de tudo entrega incondicional e dedicação integral. "Que dessa história fazem parte a dor, a vergonha, a raiva, o medo e o sofrimento, e que os novos pais precisam oferecer um espaço de pleno pertencimento afetivo, imprescindível à reelaboração e superação de toda a negatividade pretérita", conta.
Sem romantização
A servidora pública Josmária Madalena Lopes, 49, conta que a adoção sempre foi uma possibilidade em sua vida. Ela morou em um abrigo por cinco anos e a ideia de adotar nunca lhe foi estranha. "Decidi adotar quando vi que era o meio de me tornar mãe. Sempre quis ter filhos. Conversei com minha família e dei entrada no processo", diz. Foi em 2017 que a servidora ganhou seus filhos, os irmãos Pedro Henrique Lopes, 16, e Paula Beatriz Lopes, 17. Josmária defende que a maternidade não é algo que se aprende do dia para a noite. "É o convívio diário que te torna mãe. Ainda existe um senso comum de que crianças abrigadas dão trabalho, quando na verdade, criar dá trabalho. Independentemente da origem", afirma.
O processo de adaptação em uma nova família não é algo fácil para os pais e, muito menos, para quem foi adotado. "Quando acolhidos, as crianças e adolescentes que foram negligenciadas por suas famílias precisam passar por um processo de adaptação. A maioria não sabe o que é uma família funcional", pontua.
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Penha destaca a importância do processo de reintegração familiar. "Essa criança ou adolescente precisa lidar com o luto de perder sua família de origem e abraçar o espaço afetivo para receber a outra família", pontua. Por isso, a psicóloga ressalta a importância da família que pretende adotar, estar preparada para viver desafios. "A criança ou adolescente também passou por uma história, e tem um grau de segurança e confiança baixo", completa.
A romantização que gira em torno da adoção ainda é grande e, de acordo com a especialista, é preciso que a sociedade compreenda que adotar vai além de dar carinho.