A frialdade das noites brasilianas clama por festa de São-João, comida quente, pastel com pimenta. Fazia muito tempo que eu não via alguém de cachecol, o gorro e as luvas, acessórios retirados do baú, que não costumamos usar por aqui. Definitivamente, sou tropical e solar, não me adapto ao frio, me sinto em outro país e em outro planeta.
A baixa temperatura de ontem e a que se anuncia para as próximas semanas gelou-me a alma e despertou reminiscências proustianas. Falarei dos pastéis. Morei em São Paulo dos 12 aos 16 anos e um dos períodos mais árduos era o da estação fria.
Eu morava no bairro Jabaquara, voltava para casa ao cair da tarde e, mesmo encapuzado, me encolhia todo, pisava e quase não sentia o chão. A sorte é que perto de casa havia um senhor com uma carrocinha de pastéis fritos na hora. Acho que poderiam concorrer ao prêmio Comida de Buteco ou Comida de Carrocinha. Eram saborosos, eu carregava na pimenta, aquecia e confortava o corpo por alguns instantes.
Em nosso quintal, talvez o pastel seja um dos lanches mais populares. Tenho colegas de redação que, nos tempos de estudante, entortavam caminho para passar pela Rodoviária do Plano Piloto e para comer a iguaria, com caldo de cana.
Nicolas Behr, frequentador assíduo daquelas paragens, imortalizou os famosos pastéis com um dos poemas em que estabelece associações entre o trivial e o sagrado, mas de maneira irônica ou autoirônica: "subo aos céus/pelas escadas rolantes/da rodoviária de brasília/o corpo de cristo/aqui não é pão,/é pastel de carne".
E, na sequência, ele arremata: "o sangue de cristo/aqui não é vinho,/é caldo de cana/o padroeiro desta cidade/é Dom Bosco ou padre Cícero". O professor e arquiteto Frederico Holanda sempre leva visitantes ilustres, nacionais e estrangeiros, que recebe para conhecer a pastelaria popular.
Gosto de conversar com motoristas de táxi, pois eles veem e ouvem muitas histórias. Um motorista de táxi também trabalhava dirigindo ônibus. Ele me contou que estava com gastrite, procurou vários médicos, que não conseguiram detectar o problema. Até que encontrou um que perguntou onde trabalhava.
Ele informou que era motorista de uma empresa de ônibus e fazia lanches na Rodoviária. O médico ouviu a declaração como se recebesse a chave de um mistério: "Ah, então está tudo explicado. Você come pastel todos os dias". "Como é que o senhor sabe?", replicou o motorista.
E o médico deu o diagnóstico: "Eu trato de muitos motoristas e todos vêm com o mesmo problema". Sempre gostei muito de pastéis, mas, de repente, fiz um exame e constatei que o colesterol estava muito alto. Só podiam ser eles. Resolvi eliminar, sumariamente, o item do meu cardápio.
Não quero ditar cátedra, mas a verdade é que coloco a saúde acima de tudo. O vilão não é o pastel, é a fritura. É um lanche saboroso e barato, que funciona como almoço ou janta, e salva muitos na hora da fome ou do frio. Mas, aprecie com moderação, se puder.