Uma das personagens da cidade, a técnica em anatomia Ana Cristina Neves, 48 anos, conhecida como a "Gordinha do Rabecão", morreu, na madrugada deste sábado (14), por complicações de uma forte infecção urinária. Sepultada na manhã de ontem, no Cemitério Campo da Esperança de Taguatinga, familiares denunciam a culpa da morte por negligência médica.
De acordo com parentes, Ana Cristina deu entrada na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Ceilândia, mas não chegou a internar. A infecção urinária teria evoluído para septicemia (infecção generalizada). Em um áudio, uma familiar afirma que a técnica morreu enquanto esperava por atendimento. "Ela começou a respirar pouco, aguardava por atendimento e morreu sentada. Só depois que caiu, vieram socorrer", alegou.
A reportagem entrou em contato com o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF), responsável pelas UPAs. Até a última atualização desta reportagem, o órgão não havia respondido.
Vida e carreira
Nascida em Taguatinga, a filha de um mecânico e de uma dona de casa fez o curso de auxiliar de enfermagem e decidiu que trabalharia em hospital. Ana Cristina lidou com a morte por mais de 20 anos. Em entrevista concedida ao Correio em 2010, relatou que descobriu-se fascinada pelo corpo humano ainda na escola. Adorava ciências, achava o máximo estudar os órgãos e seus mistérios.
Aos 12 anos, se mudou, com a família, para Ceilândia. Lá, virou, por pouco tempo, evangélica. Cantava na igreja e se apaixonou pela leitura. Durante o ensino médio, fez o curso de auxiliar de enfermagem. Foi instrumentadora e auxiliar de anestesista. Aos 19 anos, em 1992, apareceu uma chance de estágio no Instituto de Medicina Legal (IML). "Vi um colega fazendo a necropsia no corpo de uma psicóloga, morta num acidente de carro. Naquele dia, decidi que era aquilo que queria pra minha vida", contou na época da entrevista.
Após o fim do estágio, trabalhou como camelô, na Feira de Ceilândia e em Brasilinha. No entanto, a vida de camelô não a empolgou. Em 1995, soube de um concurso para o IML, nível fundamental. Anatomia era o forte dela. Não hesitou. Passou. Ia recolher corpos, depois abri-los, para que médicos desvendassem a causa mortis, e os fecharia. "Esperei três anos para ser chamada". E brincou: "Dizia a mim mesma: ou entraria no IML pela porta da frente ou por trás, numa bandeja bem pesada".
O ofício da Gorda do Rabecão, como era chamada pelas pessoas assim que chegava, colecionou histórias de dramas e de comédias. Sim, a morte não é cômica, nunca será. Mas com Ana Cristina podia ser nas histórias e causos que contava. "Tem muita gente na rua que me acha bruta. Na verdade, coloquei uma parede de defesa para encarar as tragédias de todo dia", afirmava a figura marcante.