Mais de 4 mil casas construídas em uma área que ultrapassa 1 milhão de metros quadrados. A pouco mais de 20km do centro da capital federal, na Floresta Nacional de Brasília (Flona), o Assentamento 26 de Setembro tem crescido de forma acelerada, com a construção de condomínios e comércios, apesar das frequentes ações de derrubadas do Governo do Distrito Federal contra as ocupações irregulares. Há pouco mais de sete meses, uma outra situação colocou moradores e autoridades em alerta. Depois que um policial militar do DF foi baleado, uma investigação da Polícia Civil (PCDF) trouxe à tona o possível envolvimento de membros das forças de segurança na disputa por terras invadidas. Junto a isso, ameaças a auditores fiscais da Secretaria DF Legal e serviços de segurança clandestinos foram registrados.
Em setembro de 2021, um PM da reserva, de 54 anos, foi baleado no braço. No depoimento à polícia, o servidor contou aos investigadores da 8ª Delegacia de Polícia (Estrutural) que grupos armados tentaram invadir e tomar uma propriedade ocupada pelo agente na área, o que teria causado uma discussão e o disparo. A partir dessas informações, as investigações revelaram um suposto esquema de milícia, em que policiais militares e agentes penitenciários do Estado de Goiás estariam ganhando lotes já vendidos e, em troca, ofereciam serviços clandestinos.
O confronto, que levou à tentativa de homicídio do policial, ocorreu dentro do condomínio JK Ville, que fica na Chácara Magna Móveis, um local irregular, mas com construções de classe média e com quase 15 hectares. O Correio esteve no local e logo a reportagem se deparou com um segurança particular, que faz uma espécie de barreira e fiscaliza a entrada e saída das pessoas. Só podem entrar no local moradores ou aqueles que tenham autorização dos inquilinos.
Dois irmãos, conhecidos por Eliude e Elielson, seriam os responsáveis pelas vendas irregulares de lotes no condomínio. As investigações apontaram que o mesmo terreno é vendido várias vezes para pessoas diferentes, causando um enorme prejuízo às vítimas. A Polícia Civil tem recebido denúncias, principalmente, dos compradores que foram prejudicados e perderam dinheiro.
No condomínio, inúmeras casas e até mansões estão em construção. Os preços variam entre R$ 100 a R$ 200 mil. Em alguns lotes, o proprietário faz questão de escrever no muro "não está à venda", como uma forma de evitar que o terreno seja vendido para outra pessoa.
Forças de segurança podem estar envolvidas
Em outubro, a PMDF enviou uma lista com o nome de 21 militares supostamente envolvidos no esquema. Por meio de nota, a corporação disse que todas as denúncias estão sendo investigadas e reforçou que não compactua com nenhum ilícito cometido por seus integrantes. Como o processo é sigiloso e está em fase de investigação, a PM não pode passar outras informações. A reportagem também procurou o Ministério Público do DF (MPDFT), que confirmou a existência de um procedimento relacionado ao caso, mas por estar em sigilo, também não deu mais detalhes.
O caso tramita na Justiça. Inicialmente, estava a cargo do Tribunal do Júri de Águas Claras, mas por envolver terras da União, foi repassado à 12ª Vara Criminal Federal.
Ameaças contra fiscais
À frente das derrubadas, as equipes de auditores da Secretaria DF Legal denunciam as ameaças sofridas pelos moradores do Assentamento 26 de Setembro. Ao Correio, a diretoria do Sindicato dos Auditores de Atividades Urbanas do DF (Sindafis) relatou que as intimidações perduram há um tempo.
"Onde tem disputa de terra, sempre ocorre esse tipo de situação. Os fiscais precisam atuar e trabalhar, mas muitas vezes são ameaçados. Temos recebido queixas e sempre orientamos os trabalhadores que as ações sejam registradas na polícia", comentaram os representantes da categoria.
Dados do sindicato mostram que, só este ano, foram, ao menos, 14 denúncias de ameaças e intimidações registradas, sendo que cinco delas ocorreram no 26 de Setembro. Em todo o ano passado, foram 53 (veja denúncias). "O sindicato tem como bandeira a realização de concursos públicos para que a fiscalização seja mais efetiva", defendeu a entidade.