O envelhecimento da população brasiliense é um fato. Diretor científico da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia no DF e professor da Universidade de Brasília (UnB), Otávio Nóbrega traçou um paralelo de como a pandemia afetou esse cenário, apesar de a maioria das vítimas da codiv-19 serem idosos. "A queda da natalidade e da fecundidade foi tamanha que decaiu a população em uma velocidade acentuada. Hoje, temos uma taxa de fecundidade de 1,6, isso significa que não estamos conseguindo repor a população", afirmou, ontem, à jornalista Carmen Souza, no programa CB.Saúde — parceria do Correio com a TV Brasília.
Na semana passada, a Codeplan divulgou uma projeção de que, em 10 anos, Brasília terá mais idosos do que jovens. Esse envelhecimento está muito rápido?
A gente sempre teve em mente o fato de que a população brasileira está envelhecendo, não é um fenômeno particular nosso. Projeções de grandes institutos de pesquisa no Brasil, como o Ipea ou o IBGE, davam conta disso acontecer. Talvez, a grande novidade seja o que chamou atenção nessas divulgações recentes, com um processo mais acelerado. Tínhamos a projeção de que, em 2030, atingiríamos o marco de ter mais idosos do que crianças. Pensando bem, já atingimos isso no passado: em 2010, a população brasileira, como um todo, celebrou o marco interessante de ter mais idosos do que crianças na primeira infância (4 e 5 anos de idade). Isso é uma realidade. Pela primeira vez, temos mais avós do que netos. Agora, percebemos que teremos, de forma rápida, mais idosos do que jovens (até 14 anos), e isso estava previsto, mais ou menos, por volta de 2035, o que foi antecipado em cinco anos em grande parte pela pandemia, que trouxe essa mudança estrutural. As pessoas passaram a ter menos filhos e houve uma grande mortalidade de idosos. Como a queda da natalidade e da fecundidade foi tamanha, a população decaiu em uma velocidade acentuada. Hoje, temos uma taxa de fecundidade de 1,6, isso significa que não estamos conseguindo repor a população. Se para cada duas pessoas que existem, deveriam nascer mais duas para reposição, hoje nasce 1,6. Teremos, com isso, proporcionalmente, mais idosos do que crianças, em relação ao DF.
Alguns estudos, estimando o efeito a longo prazo da pandemia, indicam uma redução na expectativa de vida.
Isso não ajudaria no rejuvenescimento da população?
É algo que vai contra a nossa intuição e percepção geral. Tivemos uma redução na expectativa de vida da população brasileira, que, até 2019, pré-pandemia, era de 76,6 anos, em média, para 72 anos, após a pandemia. Retrocedemos aos patamares de 2010. Ainda assim, as pessoas conseguem chegar acima dos 70. A média etária diminuiu, mas a proporção dos que chegam, pelo menos aos 60, aumentou. Isso faz com que a população tenha um progresso enquanto envelhece. Não diminuímos a velocidade de envelhecimento, mas o linear máximo que as pessoas estão conseguindo atingir.
Essa mudança demográfica vai demandar adaptações. Como cuidar da saúde de quem está na meia-idade para que essa pessoa tenha uma velhice saudável?
A preocupação com o envelhecimento saudável envolve um planejamento. A rigor, toda pessoa deveria refletir sobre como quer envelhecer. Fazer isso com qualidade é uma opção, claro que talvez mais dificultosa para alguém que tem um estilo de vida em que precisa dormir pouco, acordar cedo, pegar três conduções no dia e trabalhar exaustivamente, mas sempre haverá um componente de escolha. Os melhores estudos epidemiológicos revelam que para um envelhecimento bem sucedido — em que se chega aos 60, 63, 66 anos com vigor, disposição e independência —, em regra, a pessoa, aos 30, 40 anos, tinha uma preocupação com a saúde. Não é uma neurose, mas um estilo de vida, com um exercício, incluindo alguma fruta na alimentação; prezando por um bom sono, na melhor das hipóteses com sete ou oito horas por noite; e evitando o estresse ao ponto de não sobrecarregar o sistema, sem evoluir para uma depressão ou ansiedade. Não há uma receita de bolo, mas, sim, um caminho, de tentar cultivar na meia-idade hábitos que permitam o desenvolvimento de uma poupança, um capital de saúde.
Como o senhor avalia a mobilidade para esse público?
No DF, o metrô seria de inestimável valor, porque, se tivéssemos a expansão em regiões como Sobradinho e Planaltina, cruzando por outros eixos de Brasília, serviria muito aos idosos, que teriam, no metrô, um ponto de apoio. Há serviços em expansão que são especializados no transporte individual de idosos, com aplicativos exclusivos.
A questão previdenciária deve ser considerada?
O envelhecimento, individualmente, traz essas preocupações. A previdência não vai conseguir prover um benefício da forma como previa antes. Até porque, economistas dizem que a Previdência Social, durante muito tempo, não se comportava como um sistema previdenciário, mas pagador, que continuava pagando para a pessoa, na aposentadoria, o mesmo que ela pagava na ativa. Era um empregador. Diversos países passaram a utilizar uma estratégia previdenciária que reduz bastante os ganhos da pessoa e quebra essa renda ao ponto de prover o mínimo, forçando a pessoa a dilapidar, a fazer o uso do patrimônio que acumulou em vida. Talvez, as pessoas, mais do que nunca, precisam ser precavidas no sentido de formar uma poupança financeira na forma de aplicações para custear a velhice. Da previdência, não podemos esperar milagres.
Quais outras mudanças na configuração da população brasileira estão previstas para um cenário mais próximo?
A preocupação maior é o fato do envelhecimento, com a natural redução no nascimento de crianças. É perfeitamente esperado que, em algum momento, o nosso crescimento vegetativo (diferença entre natalidade e mortalidade) chegue a zero. Essa diferença tem diminuído gradativamente, ano após ano. Em algum ponto, elas se encontrarão, e a pandemia acelerou esse encontro. A população começará a diminuir no país. Tínhamos expectativa de que essa inflexão decaísse em 2045. A estimativa atual é de que essa mudança seja a partir de 2030 ou 2035. Começaremos a ter menos pessoas no Brasil. A previsão era de que chegaríamos a 230 milhões de habitantes, mas a estimativa atual, em função da pandemia, é de 220 milhões, por volta de 2030. A partir daí, teremos a população involuindo, com chance de termos os 160 milhões de habitantes que havia em 1990. Isso deve acontecer por volta de 2050, 2060. O envelhecimento populacional não vai parar por aí. Isso porque o clímax, o ponto máximo do envelhecimento mundial, está previsto para 2100.
* Estagiário sob a supervisão de Guilherme Marinho