Ao lado de casas onde outras mulheres vivem atrás de grades de proteção, o corpo de uma jovem foi encontrado nu, em chamas, mutilado, com marcas de facadas e indícios de violência sexual. A quantidade de golpes, ao menos 22 somente na região acima do abdômen, expõe a brutalidade e covardia do agressor. O fogo consumiu quase toda a metade inferior da vítima e pode esconder sinais de mais ferimentos e abusos.
A vítima estava na entrada do Parque Gatumé, em Samambaia, cerca de 10 metros mato adentro. Por volta de 5h da madrugada de sábado (7/5), vizinhos do parque viram fumaça nas proximidades, mas como a queima de veículos roubados é comum na área, não deram muita atenção.
Duas horas depois, um morador saiu para jogar o lixo e se aproximou do local em que, além da fumaça, era possível ver chamas altas. O susto veio ao perceber que não se tratava de lixo ou de um carro, mas de um corpo. "Corri para casa para chamar a polícia e fechei tudo antes, por uma questão de segurança", lembra. O cenário aturdiu até mesmo as equipes acostumadas a lidar com crimes violentos na região.
Fotos: Ailim Cabral/CB/D.A Press - Corpo estava em uma área de proteção ambiental, a poucos metros da pista. Local mantém registro do fogo, que foi apagado pela polícia
A Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) chegou rápido na área e precisou pegar água em uma casa vizinha para extinguir o que restava do fogo, que ainda queimava a vítima. "Foram muitos golpes, mais de 20 só na área que não foi atingida pelo fogo. É muito provável que tenha sofrido outras lesões na região do abdômen. Ela tinha, também, ferimentos de defesa nos braços", revela Rodrigo Carbone, delegado da 28ª Delegacia de Polícia (Samambaia Norte).
Responsável pela investigação, Carbone avalia que, entre as diversas lesões, um corte grande e profundo no pescoço se destacava. O corpo ficou muito deteriorado da cintura para baixo, e o vestido da vítima foi abandonado ao lado dela. As mãos fechadas, carbonizadas e separadas do corpo dificultam a identificação da mulher. Elementos que fortalecem as suspeitas de crime sexual. Até o fechamento desta edição, a identidade da vítima não havia sido confirmada.
Carbone explica que o caso é tratado como feminicídio, uma vez que o protocola da PCDF determina que toda morte violenta de mulher deve investigada, inicialmente, como crime em razão de gênero.
Abandono
O Parque Gatumé fica em uma área de proteção ambiental, tem cerca de 150 mil hectares e, além de ser alvo da ação de grileiros, está esquecido pelas autoridades, segundo vizinhos da região. Próximo à via principal de Samambaia Norte, com mato alto, com mais de um metro de altura, e sem iluminação, é uma área propícia para abandono e ocultação de corpos.
Os moradores da Quadra 427 afirmam que as ocorrências são comuns e não acreditam que a vítima fosse da área. Os postes da rua não ajudam na segurança, somente dois deles estão funcionando. Após o anoitecer, todos fecham as janelas e trancam os portões. Em nota, a PMDF informa que o Batalhão de Samambaia tem reforçado o policiamento com o emprego de viaturas 24 horas todos os dias. "A região apresenta um baixo índice criminal. A sensação de insegurança se dá principalmente por ser um local ermo, área de mata e com iluminação precária", argumenta.
Covardia
Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP/DF), com base na Lei de Feminicídio, houve uma vítima a menos desse crime no primeiro trimestre deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado, de cinco para quatro. Com relação à tentativa, foram contabilizados 16 registros nos três primeiros meses de 2022, contra 14 no ano anterior.
Em 2021, foram, ao todo, 25 casos de feminicídio. Após a inclusão da qualificadora, em 2015, o Distrito Federal registrou 165 vítimas do crime até o dia 31 de dezembro de 2021. Entre eles, 132 se mantêm na tipificação. Os dados são da Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios
A SSP/DF informa que o enfrentamento ao feminicídio e à violência doméstica é uma prioridade da atual gestão. E lançou, em março de 2021, o Mulher Mais Segura, programa que reúne medidas, iniciativas e ações de enfrentamento aos crimes de gênero e fortalecimento de mecanismos de proteção.
Exterminadas como insetos. Até quando?
Análise da notícia, por Adriana Bernardes
O brutal assassinato de mais uma mulher na capital do Brasil desvela o descaso dos gestores públicos com o enfrentamento desse tipo de barbárie. Com a abundância de dados científicos de acadêmicos brasileiros e estrangeiros sobre o porquê deste tipo de crime e os caminhos para evitá-los, fica evidente que garantir a existência das mulheres como um ser pleno de direitos não é prioridade dos governos em nenhuma esfera de poder.
Os programas e os projetos de combate à violência de gênero dão a falsa sensação de que os políticos cumprem com suas obrigações de garantir, de fato, a cidadania às pessoas que vivem neste país em corpos femininos, com ou sem um par de seios e uma vagina. Usam iniciativas pontuais para fazerem crer que promovem o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; de assegurar que homens e mulheres sejam iguais em direitos e obrigações, tal como preconiza a Constituição. Engodo!
Até quando, enquanto sociedade e indivíduos, vamos aceitar como normais o assassinato corrigir aqui de mulheres pela condição de gênero? Até quando seguiremos insensíveis à dor dos filhos órfãos de mães assassinadas pelos próprios pais, muitas vezes diante dos seus olhos e corpos pequeninos? Até quando ignoraremos as vidas dilaceradas das mães órfãs de filhas? Até quando vamos aceitar e reproduzir discursos misóginos de políticos investidos de cargo ou aspirantes a uma das cadeiras dos Três Poderes? Basta!
"Por que seguimos falhando?"
“A violência contra as mulheres no mundo e no Brasil é muito complexo, envolve questões econômicas, políticas, familiares e poder público. Não tem um único fator. Devemos ter, sempre, ações articuladas em rede para o enfrentamento desse crime, e é algo a longo prazo. Não podemos esperar respostas mais imediatas, porque envolve educação, maior consciência da sociedade, desenvolvimento e continuidade de práticas das instituições envolvidas nesse acolhimento das mulheres, no campo psicossocial, da segurança pública, da Justiça, da saúde e da educação. É uma rede de instituições que precisam ser articuladas. E são recursos contínuos, como financeiros, pessoas capacitadas para lidar com essa questão, com as denúncias, para poder atuar de maneira célere, quando um caso chega ou, até mesmo, para poder prevenir situações de violência. É um conjunto complexo que atua nessa falha. O que observamos é a descontinuidade de recursos, de apoio dos governos federal, estadual, municipal, assim como também tem havido menos capacitações das pessoas que trabalham com isso. Observamos um conjunto de precariedade que fragiliza essa rede e dificulta a gente a viver uma situação mais tranquila."
Tânia Mara de Almeida, integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPeM).
Violência doméstica, onde pedir ajuda?
Veja abaixo como e onde pedir ajuda no Distrito Federal em caso de violência doméstica:
» Ligue 190: Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). Uma viatura é enviada imediatamente até o local. Serviço disponível 24h por dia, todos os dias. Ligação gratuita.
» Ligue 197: Polícia Civil do DF (PCDF). E-mail: denuncia197@pcdf.df.gov.br. WhatsApp: (61) 98626-1197. Site: https://www.pcdf.df.gov.br/servicos/197/violencia-contra-mulher.
» Ligue 180: Central de Atendimento à Mulher, canal da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgãos competentes, além de reclamações, sugestões e elogios sobre o funcionamento dos serviços de atendimento. A denúncia pode ser feita de forma anônima, 24h por dia, todos os dias. Ligação gratuita.
» Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (Deam): funcionamento 24 horas por dia, todos os dias.
•Deam 1: previne, reprime e investiga os crimes praticados contra a mulher em todo o DF, à exceção de Ceilândia. Endereço: EQS 204/205, Asa Sul. Telefones: 3207-6172 / 3207-6195 / 98362-5673. E-mail: deam_sa@pcdf.df.gov.br.
•Deam 2: previne, reprime e investiga crimes contra a mulher praticados em Ceilândia. Endereço: St. M QNM 2, Ceilândia. Telefones: 3207-7391 / 3207-7408 / 3207-7438.
» Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. WhatsApp: (61) 99656-5008 — Canal 24h.
» Secretaria da Mulher do DF. WhatsApp: (61) 99415-0635.
» Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Promotorias nas regiões administrativas do DF. www.mpdft.mp.br/portal/index.php/promotorias-de-justicanas-cidades.
» Núcleo de Gênero. Endereço: Eixo Monumental, Praça do Buriti, Lote 2, Sala 144, Sede do MPDFT. Telefones: 3343-6086 e 3343-9625. E-mail: pro-mulher@mpdft.mp.br.
» Defensoria Pública do DF. Núcleo de Assistência Jurídica de Defesa da Mulher (Nudem). Endereço: Fórum José Júlio Leal Fagundes, Setor de Múltiplas
Atividades Sul, Trecho 3, lotes 4/6, BL 4. Telefones: (61) 3103-1926 / 3103-1928 / 3103- 1765. WhatsApp (61) 999359-0032. E-mail: najmulher@defensoria.df.gov.br. site: www.defensoria.df.gov.br/nucleos-deassistencia-juridica/.
» Núcleos do Pró-Vítima
•Ceilândia. End.: Shopping Popular de Ceilândia – Espaço na Hora. (61) 98314-0620. Horário: das 8h às 17h.
•Guará. End.: Lúcio Costa QELC Alpendre dos Jovens — Lúcio Costa. (61) 9 8314-0619. Horário: das 8h às 17h.
•Paranoá. End.: Quadra 05, Conjunto 03, Área Especial D — Parque de Obras. (61) 98314-0622. Horário: das 8h às 17h.
•Planaltina. End.: Fórum Desembargador Lúcio Batista Arantes, 1º Andar, Salas 111/114. (61) 9 8314-0611 / 3103-2405. Horário: das 12h às 19h.
•Recanto das Emas. End.: Estação da Cidadania — Céu das Artes, Quadra 113, Área Especial 01. (61) 9 8314- 0613. Horário: das 8h às 17h.
•Rodoferroviária. End: Estação Rodoferroviária, Ala Norte, Sala 04 — Brasília/DF. (61) 98314-0626 / 2104-4288 / 4289. Horário: das 8h às 17h.
•Itapõa. End.: Praça dos Direitos, Quadra 203 – Del Lago II (61) 98314-0632. Horário: das 8h às 17h.
•Taguatinga. End.: Administração Regional de Taguatinga — Espaço da Mulher — Praça do Relógio. (61) 98314-0631. Site: https://www.sejus.df.gov.br/pro-vitima/.