Uma investigação da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) com o apoio do Ministério Público do DF (MPDFT), que durou três anos, chegou a uma organização criminosa que financiava, transportava, armazenava e distribuía centenas de quilos de cocaína para o Centro-Oeste e faturou, ao menos, R$ 10,4 milhões. A operação Sistema cumpriu 60 mandados de busca e apreensão em Brasília, São Paulo, Goiás e Mato Grosso do Sul; e 35 mandados de sequestro judicial de bens móveis. Vinte pessoas foram presas temporariamente, incluindo o homem apontado como o chefe do esquema e a ex-mulher dele, uma conselheira tutelar do DF suspeita de envolvimento com o tráfico. Nas buscas, os policiais apreenderam armas, carros luxuosos, incluindo duas Porsches, cinco jet skis, motocicletas e R$ 100 mil.
Estruturada, a organização criminosa se dividia em núcleos — um na Vila Telebrasília e outro em Samambaia, comandado por dois irmãos. O chefe da quadrilha, conhecido como "Rei da Telebrasília", não teve o nome revelado pela polícia. Para trazer drogas ao DF, principalmente a cocaína, ele providenciava toda a logística do transporte de carregamento do entorpecente de regiões fronteiriças do Mato Grosso do Sul. "Uma apreensão realizada por nós em fevereiro de, aproximadamente, 205 quilos de cocaína, demonstrou a astúcia dos indivíduos. Eles adquiriram um automóvel com características de veículo de manutenção eletrônica e elétrica, vendido por uma pessoa do Paraná. Foi comprado lá, trazido ao DF e adaptado com antenas de telefonia celular e, dessa forma, transportaram a droga", descreve o delegado à frente das investigações, Paulo Francisco Pereira, da Coordenação de Repressão às Drogas (Cord).
Na tentativa de mascarar qualquer suspeita, o chefe do grupo mantinha uma conduta diferente de traficantes que agem com violência, segundo a apuração policial. Em diversas ocasiões, o criminoso promovia eventos solidários na Vila Telebrasília. Em uma das festas, os agentes conseguiram flagrar o homem distribuindo alimentos e bombons para crianças da região. "É uma situação peculiar, pois acabamos nos esbarrando nessa situação que nos intrigou. Acreditamos que a ideia dele se assemelhava à conduta de outros criminosos de outros estados, de se mostrar como um benfeitor da sociedade e se beneficiar disso", acrescenta o delegado.
Conselheira x lavagem
Uma das pessoas presas na operação, uma conselheira tutelar da Asa Sul é investigada por envolvimento com o tráfico de drogas. As investigações demonstraram que a campanha para a eleição da mulher teria sido bancada pelo chefe do esquema, ex-marido dela. As apurações revelaram a interferência do grupo criminoso para potencializar e eleger a suspeita.
De acordo com o delegado Paulo Francisco, o líder da quadrilha chegou a transportar eleitores de várias regiões do DF para votar na conselheira. "O que é mais espantoso é que pessoas se vangloriavam, inclusive um dos investigados, de, efetivamente, ter influenciado, com a fama, ter conseguido votos para a ex-esposa", pondera o delegado. Procurada pela reportagem, a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) informou que será aberto um procedimento administrativo interno para apurar a atuação da conselheira tutelar e que um suplente foi convocado para assumir as atividades.
Nos últimos três anos, o grupo movimentou cerca de R$ 10,4 milhões. A operação Sistema identificou movimentações financeiras realizadas por funcionários de uma oficina de lanternagem, de propriedade do líder do grupo criminoso, para contas de empresas e de pessoas físicas em áreas de fronteira com a Bolívia. Por meio da análise das transações, foi possível identificar denso núcleo de traficantes de Mirassol d' Oeste, no Mato Grosso, indicados como responsáveis pela logística do tráfico de drogas fornecendo transporte e batedores para os carregamentos.
Em novembro do ano passado, policiais interceptaram 300 quilos de cocaína em Uruaçu (GO) que estavam em um fundo falso de um caminhão. Oito meses antes, os investigadores apreenderam 250 quilos de droga, também, no município goiano. O material foi avaliado em cerca de R$ 30 milhões.
O promotor do MPDFT Luiz Humberto de Oliveira destaca que a atuação junto à Cord é feito desde 2021 em várias operações. "O nosso trabalho é essa aproximação das instituições de trazer informações sigilosas, o que acaba criando uma compreensão melhor da investigação, o que favorece a efetividade do cumprimento da operação", frisa.
A operação desta manhã contou com a participação de 330 policiais, integrantes da Polícia Civil do DF, com todo efetivo da Divisão de Operações Especiais (DOE) e equipe da Divisão de Operações Aéreas (DOA), Coordenação de Operações de Divisas (Cod) da Polícia Militar de Goiás (PMGO), Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deinter 4) da Polícia Civil de São Paulo (PCSP), Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) da Polícia Civil do Mato Grosso do Sul (PCMS), Delegacia Especializada de Repressão à Entorpecentes da Polícia Civil do Mato Grosso (PCMT), polícias civis de Luziânia e Águas Lindas de Goiás. O trabalho em conjunto desarticulou o grupo criminoso indiciado por organização criminosa, tráfico de drogas interestadual, lavagem de dinheiro e práticas mafiosas, como ações sociais para angariar o apoio da comunidade.