Tédio, irritação, ansiedade, dificuldade de concentração e medo são algumas das emoções que fazem parte do cotidiano de brasilienses e, muitas vezes, dificultam a clareza mental e emocional. Uma das soluções que têm caído no gosto popular é a meditação mindfulness. A palavra que pode ser traduzida como "atenção plena", é a prática de se concentrar completamente no presente. Em atenção plena, as preocupações com o passado e o futuro dão lugar à uma consciência avançada do "agora", que inclui a percepção de sentimentos, sensações e ambiente. Sob a proposta de ajudar todos a manejarem seu estresse meditando, e respirando em prol de uma vida mais saudável, a psicanalista Neiva Fernandes lança, nesta sexta-feira (6/5), o livro "Está tudo bem do jeito que está".
A obra traduz o programa de meditação on-line mindfulness, oferecido pela Sociedade Vipassana de Meditação, com o intuito de apresentar a técnica e os benefícios advindos da prática. "Traduzimos oito capítulos do programa, que mostra a técnica desde o início, para quem nunca meditou, até os passos mais avançados, destinado aos que já têm experiência no método", destaca Neiva. Ao Correio, a psicanalista explicou sobre os benefícios, dentre eles, a redução do estresse, proteção do cérebro devido ao retardamento do envelhecimento das células e o desenvolvimento de determinadas patologias associadas à velhice; a melhora das relações interpessoais; e o aumento da imunidade. "A meditação é conceituada como um treinamento mental que fazemos para estarmos presentes no aqui, no agora, sem julgamento ou críticas, por meio da respiração e do foco na meditação", diz.
Neiva conta que começou a buscar a prática em 2008. "Depois, me dediquei para me tornar professora de meditação, estudei fora, nos Estados Unidos e na Europa, para fazer cursos acerca da prática meditativa", conta. Foi então que a psicanalista decidiu democratizar o conhecimento e fazer com que mais pessoas conhecessem a técnica. "A meditação fez uma diferença grande na minha vida, e então veio a missão de defendê-la espalhando a todos aqueles que pudessem a acessar", conta. Hoje, ela é uma das professoras certificadas mundialmente para ensinar essa meditação no Brasil e no mundo.
O que te motivou a escrever "Está tudo bem do jeito que está!"?
Foi toda a minha experiência no trato do estresse dentro do Programa de Redução do Estresse baseado na meditação mindfulness. Toda a minha formação dentro da meditação me trouxe uma expertise ímpar no ensino da mesma e entendi haver chegado a hora de compilar todos esses elementos juntos no livro.
Quais são os benefícios dessa prática?
Trata-se de um treinamento para que tenhamos um estilo de vida mais saudável, ao viver, lidar com emoções ou com processos de dificuldades. Então temos como benefício principal essa ancoragem do aqui e agora, a saída das ruminações do passado, a busca pelo futuro, e nos conectarmos mais no momento. Tende a trazer mais calma, relaxamento, as pessoas aprendem a lidar melhor com o seu dia a dia, além de ajudar em quadros depressivos, insônia e ansiedade. São benefícios muito profundos, vários fatores acontecem no nosso corpo e mente quando meditamos.
Qual a evidência que temos de que a técnica funciona?
Desde 1979, a meditação mindfulness é pesquisada. Um sistema em Boston foi criado e, a partir dali, um grupo de profissionais da área da medicina começou as buscas científicas com o intuito de comprovar as eficácias, os benefícios da prática meditativa para o ser humano, a mente e o corpo. Então hoje, dezenas de milhares de pesquisas acerca de como a meditação trabalha a plasticidade cerebral, como pode modificar o cérebro quimicamente, para ajudar na regulação da saúde e bem estar.
O que acontece com o cérebro durante a prática?
A plasticidade cerebral é a ideia de que o cérebro se renova. Nossa respiração alcança o cérebro e entra em contato com o sistema nervoso, que articula uma mudança química trazendo, ao invés de entrar em contato com o sistema simpático e carregar a adrenalina, que é o hormônio do estresse, ativa o outro lado do sistema, que é o parassimpático. Ele trabalha com outros neurotransmissores como a dopamina, que são responsáveis pelo amor, calma, alegria e bem estar. Então a meditação faz uma espécie de renovação a partir das respirações. As pessoas que meditam tendem a desenvolver uma melhoria no campo da consciência, na tomada de decisão. Isso porque no córtex pré frontal, acontece uma mudança, tudo em decorrência da nossa respiração.
O que caracteriza a meditação mindfulness?
A meditação mindfulness é caracterizada pelo foco na respiração. Ela é focada no seu eu de plena atenção, que é a consciência, a presença no aqui e agora. Por meio da respiração. Não existe respiração de ontem, ou de amanhã. A respiração se dá no momento presente. Então é uma garantia de estarmos na presença de nós mesmos. Existem outros tipos de meditação, mas têm outros focos.
Por que a preocupação com o corpo vem acompanhada com o cuidar da mente?
Mente sã, corpo são, já dizia um antigo ensinamento. Ao cuidarmos da nossa mente, estamos trabalhando também o cuidado com o corpo, pois o mesmo carrega todas as inscrições dos eventos que ocorrem na mente, psicossomatizando tudo o que o sistema emocional não consegue resolver. E precisamos aprender a tratar melhor esta relação íntima entre mente e corpo para termos uma vida mais saudável.
Como saber se esse tipo de meditação é a mais adequada?
A meditação mindfulness é proposta para todos, inclusive crianças. Temos o programa de atenção plena para as escolas, onde levamos a prática para professores e eles levam para seus alunos. É algo trabalhado desde a infância, até a velhice.
Nesses tempos pandêmicos, as doenças mentais agravaram a crise em que vivemos, como podemos mitigar essa situação?
A prática meditativa atua como ferramenta essencial para ajudar na travessia dessas crises tão intensas que temos vivenciado. Ao meditar, alcançamos estados mais equilibrados na mente e no corpo, conduzindo-nos a uma vida mais equilibrada e dando-nos a condição de enfrentarmos os estresses de um lugar consciente e presente. Vivendo na plenitude do momento presente, criamos condições mais assertivas para esses enfrentamentos comuns no dia a dia.
"A dor é natural. O sofrimento é opcional." Você destaca essa frase em seu livro, mas como trabalhar essa cura num mundo tão corrido, que nos cobra atenção a cada segundo?
Muito importante esta compreensão de que a dor nos visita a todo momento e, muitas vezes, somos inábeis em lidar com a mesma gerando o sofrimento. Podemos decidir pela tomada de consciência e pela aceitação e o manejo da dor ou podemos optar por nos entregarmos a ela, apegando-nos a tantos processos que desencadeiam e ampliam o sofrimento.
Como posso inserir a meditação e o autocuidado na minha rotina diária?
Encontrando um tempinho no dia para parar e se autocuidar, observando-se, abrindo espaços internos pela respiração, enfim meditando. O Programa de Redução do Estresse oferece essa oportunidade de construirmos esses momentos no nosso dia a dia. Pesquisas mostram que um hábito é formado em 21 dias. Assim, se nos dedicarmos à prática por este tempo seguido, já teremos uma base boa para regularmos este auto cuidado. É simples, basta dedicação, foco e disciplina.
Fale sobre a Sociedade Vipassana de Meditação. O que é, como funciona?
É uma sociedade sem fins lucrativos, não religiosa, que trata de divulgar e promover a meditação mindfulness. Temos cursos de meditação para iniciantes e estamos fazendo retiros, meditação em grupo para jovens. É uma sociedade voltada ao voluntariado, nos colocarmos diante da comunidade, trabalhando, ensinando e promovendo a meditação.
De que forma a meditação pode ajudar no envelhecimento?
À medida que vamos meditando, vamos adquirindo essa expertise em prática e trabalhando bem o condicionamento do corpo. Ele vai ganhando benefícios e há uma aceitação melhor ao que acontece no corpo, dos momentos de dificuldade que a velhice nos trás. Muitas pessoas têm dificuldade em atravessar a velhice. E as pessoas que meditam levam essa qualidade de vida. Faz bem pra saúde psíquica, para o corpo, e para wtodo esse entendimento de envelhecer com qualidade de vida, de forma ajustada à realidade de cada momento, seja na juventude, na idade adulta, na velhice. Vamos encarando e lidando melhor o que nos acontece, com mais equilíbrio, flexibilidade, ajuste.