Uma quadrilha de criminosos que aplicava golpes em homossexuais do Distrito Federal e do Entorno foi desmantelada, ontem, em ação da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). Dos sete suspeitos, quatro estão presos,três foram interrogados e confessaram participação no esquema. Segundo o delegado Leandro Ritt, responsável pelo caso, "no decorrer da investigação, com a identificação de mais vítimas, possivelmente serão detidos". O grupo agia por meio de aplicativos de relacionamento e foi desarticulado pela Divisão de Repressão a Sequestros (DRS) da Coordenação de Repressão aos Crimes Patrimoniais (Corpatri). A corporação não especificou qual plataforma era usada pelos bandidos. Especialistas alertam que a internet é um terreno fértil para esse tipo de golpe.
Os investigadores suspeitam que cerca de 40 crimes foram cometidos, mas, até o momento, 10 estão confirmados — dos quais duas vítimas são do DF e um número não especificado é de Goiás; apenas uma delas registrou boletim de ocorrência. As investigações seguem para identificar todas as atividades dos criminosos.
De acordo com Leandro Ritt, diretor da DRS, a quadrilha roubou altas quantias e era seletiva na escolha dos alvos. "Os valores subtraídos variavam da capacidade financeira das vítimas, chegando, em alguns casos, a R$ 25 mil", detalha o investigador. "O líder, de 26 anos, durante interrogatório, afirmou que escolhia, como vítimas, quem, preferencialmente, postava fotografias com celulares IPhone", completa o delegado.
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O grupo atuava há, pelo menos, dez meses. Os alvos eram abordados por meio de aplicativos de relacionamentos. Os escolhidos eram, preferencialmente, homens gays. As vítimas eram atraídas para encontros sexuais em casas em Santa Maria e no Novo Gama (GO), onde eram imobilizadas pelo líder da quadrilha, com ajuda da namorada.
Forma de agir
Quando chegavam aos locais dos encontros, as vítimas eram imediatamente rendidas, amarradas com cabos e fios e colocadas em colchões, com o rosto para baixo. Os criminosos utilizavam uma faca e um simulacro de arma para intimidá-las. Com a liberdade restringida, elas eram obrigadas a fornecer senhas dos celulares e dos aplicativos bancários, dos quais eram retirados valores via transferência por Pix e por máquinas de cartões, fornecidas por outro integrante do grupo. Após serem liberadas, as vítimas eram orientadas pelos criminosos, em caso de registro de ocorrência, a apresentar informações falsas.
Em um primeiro momento, o líder da quadrilha utilizava a própria casa, na Cidade Ocidental (GO), para marcar os encontros. Depois, os locais passaram a ser residências alugadas, quando a filha do dono de uma imobiliária do Entorno passou a integrar o grupo. Ela fornecia as chaves dos locais, mediante pagamento de 10% da quantia roubada.
Além dos valores em dinheiro, os celulares das vítimas eram repassados para outro membro do grupo, dono de uma banca na Feira de Santa Maria. Ele teria ensinado o líder da quadrilha a desabilitar o iCloud— sistema de armazenamento em nuvem dos celulares Iphone.
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De acordo com o delegado Ritt, o criminoso à frente do grupo foi um dos que mais se beneficiou do esquema violento. "Acreditamos que (tenha lucrado) algo em torno de R$ 500 mil. Ele adquiriu um apartamento, pagou cirurgias para a sogra e, nesses meses em que esteve em liberdade, teve uma vida de alto padrão", revela o investigador.
De acordo com o delegado, os criminosos responderão por roubo, extorsão qualificada pela restrição da liberdade das vítimas e associação criminosa. Se condenados, podem receber pena de mais de 30 anos, em regime fechado, de acordo com Leandro Ritt.
Homofobia
Professor de direitos humanos LGBT da Universidade de Brasília (UnB) e advogado, Marcelo Holanda destaca que a prática não é recente. "Não é um tipo criminal incomum. À época dos antigos bate-papos de internet, essas ações aconteciam de alguma forma. Agora, migraram para plataformas específicas para pessoas LGBT. Quem tem intenção de cometer maldades sabe que esses aplicativos são terrenos propícios para encontrar vítimas", alerta o especialista.
Os crimes, embora envolvam questões patrimoniais, não podem ser dissociados do preconceito, segundo o professor. "Não tem como não passar pela homofobia, é uma tendência criminosa que se utiliza de um público já vulnerável em alguma medida. Porém, outros fatores conversam entre si. Muitos homens que não se consideram LGBTs mas usam os aplicativos não querem que sua identidade seja revelada, então podem ser facilmente extorquidos. Para manter o sigilo, se submetem a qualquer tipo de chantagem", ressalta o advogado.
Especialista em segurança pública e privada, Leonardo Sant'Anna destaca que alguns deslizes dos usuários podemchamar a atenção de criminosos. "Existe uma condição de vulnerabilidade natural em ambientes como esses. O comportamento de quem utiliza é uma dessas condições. Na maioria das vezes, algumas atitudes não são colocadas em prática, como comportamento preventivo e de segurança antes do encontro, coleta de mais detalhes sobre a pessoa com quem vai se encontrar e informações sobre o local", avalia.
Para Leonardo Sant'Anna, os encontros podem ser divididos em dois tipos: iniciais— quando não há informações de relevância sobre a pessoa — e posteriores— em que há relação de confiança. Em ambos os casos, os cuidados são os mesmos. "Principalmente, no primeiro encontro, dê preferência para locais públicos e abertos. Dependendo do cenário, você pode precisar se deslocar do local", pondera. Antes do encontro, o ideal, segundo o especialista, é buscar informações sobre a pessoa nas redes sociais. "Colocar um rastreamento no celular e avisar um amigo também é um cuidado básico", recomenda.
*Estagiário sob a supervisão de Guilherme Marinho