Com o olhar mais desatento ao dia a dia das ruas do Distrito Federal pode se levar à ideia errônea de que a pandemia da covid-19 não é mais uma realidade na capital do país. Os brasilienses parecem estar vivendo dias de total tranquilidade, com a liberação do uso de máscaras em ambientes abertos e fechados, o fim do estado de calamidade pública e o primeiro dia sem registro de mortes pela doença desde o começo da emergência sanitária.
A taxa de transmissão da covid-19 no DF atingiu, nessa segunda-feira (3/5), 0,92, e, apesar de estar dentro do limite considerado seguro — abaixo de 1 —, o resultado é o maior desde 18 de fevereiro. O número aponta que 100 pacientes com a doença podem transmiti-la, em média, para 92 pessoas. Mesmo assim, o Governo do Distrito Federal considera que a situação não é tão grave. Subsecretário de Vigilância em Saúde do DF, Divino Valero diz que não há mais pandemia na capital do país. Para ele, o cenário não caracteriza nem mesmo uma epidemia. "Não é nem uma epidemia (no DF), porque não há explosão de casos e os números estão em redução. Estamos em um bom estado no combate à doença, e o status é de controle. Eu classifico a situação do DF como um estado de alerta", observa.
Em 13 de abril, a Organização Mundial de Saúde (OMS) manteve o estado de pandemia para a covid-19. Poucos dias depois, na direção contrária, o GDF revogou o decreto de situação de calamidade pública no DF. "Pandemia é quando uma doença está presente em vários continentes do mundo, então o papel da OMS, que responde pelo mundo, é admitir o que é lógico, que a doença está presente em nível global", justifica Divino Valero.
O vírus ainda circula
No entanto, especialistas consultados pelo Correio ressaltam que não é o momento de abaixar a guarda. Integrante de um grupo de pesquisadores que acompanha a evolução da pandemia no país e no DF desde o início da crise, o professor Tarcísio Marciano, da Universidade de Brasília (UnB), discorda do subsecretário Divino Valero. Para ele, retirar a obrigatoriedade das máscaras em locais fechados foi precipitado. Somado à suspensão do item, o fim da calamidade pública implica percepção das pessoas quanto à crise. "Se passa uma mensagem para a população de que acabou a pandemia e que não há mais perigo, então podemos voltar ao normal. Mas não é bem assim. Infelizmente, o vírus ainda circula de forma significativa — claro que não tanto como foi no começo do ano", destaca o pesquisador dos Instituto de Física.
Ele alerta para o surgimento de novas cepas do vírus. "Há sempre o perigo de uma variante surgir, inclusive que pode ser mais contagiosa e contra a qual as vacinas podem ser menos eficazes. (A pandemia) é um problema que ainda vai perdurar por um tempo, apesar da situação atual ser de relativo conforto", completa Tarcísio, que é complementado pelo infectologista Julival Ribeiro. "A ômicron está em circulação e é uma variante altamente transmissível, inclusive com subvariantes. A doença está diminuindo, entretanto, novas ondas ainda podem acontecer", alerta o médico. "Apesar do momento favorável, sugiro que as autoridades sanitárias voltem a fazer campanhas esclarecendo às pessoas a necessidade e a importância de tomar a 3ª e a 4ª doses. Só assim manteremos a pandemia em nível desejado", aconselha o infectologista.
Cuidados
A também infectologista Ana Helena Germoglio destaca, com ressalvas, que o não registro de mortes em 24 horas é um excelente sinal. "Significa que a imunização realmente cumpriu o que prometeu: a diminuição do risco de casos graves e óbitos. Essas quedas mostram que podemos tentar voltar a uma vida minimamente segura. Cada um deve fazer a sua gestão individual de risco", ressalta a médica, que sugere a manutenção das medidas de segurança por pessoas dos grupos de risco. Ela confirma a opinião dos colegas. "A gente precisa pensar (a pandemia) de forma global. Com a dinâmica de circulação de pessoas, não podemos pensar que os casos se restringem somente ao Brasil ou ao DF, justamente agora, que tem havido aumento de casos em alguns estados, principalmente casos graves em pessoas sem o esquema vacinal completo", aponta.
A especialista destaca a importância da vacinação. "A imunização não pode ser pensada individualmente. Não adianta, por exemplo, o Brasil ter boa parte da população imunizada e alguns países não. Isso faz com que a circulação viral seja alta nesses locais, com grande propensão de surgimento de novas variantes. A imunização nada mais é do que uma forma de empatia, porque reduz a chance de transmitir a doença para outras pessoas", continua.
Ela também chama a atenção para o surgimento de novas cepas. "Na África, há a identificação de novas variantes, que não sabemos ainda se serão de interesse ou de preocupação. Claro que estamos mais perto do que longe (do fim da pandemia), mas ainda há um longo caminho a percorrer", completa Ana Helena Germoglio.