Os espaços públicos do Distrito Federal são acompanhados, em tempo real, por 880 câmeras de vigilância em pleno funcionamento, fixas e móveis. Ao todo, há 964 instaladas (leia Operação). Os equipamentos estão distribuídos entre 24 regiões administrativas, e a intenção da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) é levar esse modelo de vigilância a todas as cidades até o fim deste ano. No entanto, a eficácia dos aparelhos para coibir e solucionar crimes se torna alvo de questionamentos.
O Correio procurou as forças de segurança do DF para cobrar estatísticas sobre a efetividade dos aparelhos de monitoramento para redução dos índices de criminalidade. A Polícia Civil informou, após reiterados contatos da reportagem, que "não tem essas informações". A Polícia Militar afirmou não dispor de "recorte para os dados". Em nota, acrescentou que "as câmeras de vigilância são ferramentas auxiliares" para atuação da corporação, "seja para o monitoramento propriamente dito ou para a identificação de criminosos".
Longe de ser unanimidade, o debate sobre o videomonitoramento 24 horas ultrapassa a fronteira do segmento da segurança pública e alcança temas sensíveis à sociedade. Invasão de privacidade, direito de imagem, efetividade do sistema, riscos de ataque por crackers e discriminação racial no momento de identificação de suspeitos são fatores relevantes para avaliação da rede de observação, alertam pesquisadores (leia Palavra de especialista).
Saiba Mais
Para o coordenador do curso de engenharia da Universidade Católica de Brasília, Valmir Fernandes, a quantidade de aparelhos de videomonitoramento no DF está abaixo do ideal. "Se verificarmos o número de habitantes (pouco mais de 3 milhões, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE), o total não é suficiente. Seria necessário aumentar em, ao menos, 50% para dar mais segurança às pessoas", calcula.
Ele ressalta, contudo, ser preciso verificar se o sistema comportaria mais equipamentos. "Não adianta comprar um que não permita a instalação de mais câmeras. Conforme verificarmos a eficiência e a eficácia do monitoramento, com certeza, vamos concluir que precisamos de mais", afirma o professor, que acredita em uma possível melhora dos serviços prestados com essa observação. Apesar disso, Valmir diz não haver um cálculo exato para determinar a quantidade de aparelhos necessários para cada cidade, seja com base na área ou nos habitantes da região, pois tudo depende da finalidade do uso.
Experiências
Arthur Trindade, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, destaca que o sistema do DF se destina a coibir, principalmente, crimes contra o patrimônio em áreas com altas taxas de roubos e furtos. Professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília, ele ressalta, contudo, que as estratégias não devem prever apenas a instalação de câmeras. "Há toda uma doutrina por trás, como o emprego do policiamento e o uso das imagens nos processos criminais. E são esses detalhes que fazem com que o sistema seja eficiente — ou não — para redução das estatísticas criminais", comenta o ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal.
Na capital do país, a principal dificuldade enfrentada pelo sistema é a falta de articulação com o trabalho dos policiais, segundo o Arthur. "As câmeras de vigilância exigem a criação de um tipo específico de policiamento. (O modelo) ainda não funciona de maneira satisfatória", opina, sem deixar de destacar a atuação de profissionais nas ruas. "As câmeras geram sensação de segurança nas pessoas. Mas nada se compara à presença das equipes."
Walesca Melo, 22 anos, concorda com o especialista e defende a vigilância por vídeo, mas mantém um pé atrás. "Nem sempre há policiais por perto. Na teoria, é um bom mecanismo, mas, na prática, não conseguimos ter acesso às imagens", opina a estudante de psicologia, que critica a "falta de transparência" do sistema. O material captado pelas câmeras de vigilância não pode ser disponibilizado diretamente aos cidadãos, apenas mediante solicitação das autoridades, dos órgãos de segurança pública e do Ministério Público. Para a jovem, é importante considerar a privacidade das pessoas sem abrir mão da segurança. "Claro que me sinto um pouco incomodada em estar sendo gravada, mas tem coisas que acontecem e não conseguimos prever", reflete a moradora do Riacho Fundo 1.
O advogado Dionísio Oliveira, 76, também defende a priorização do bem-estar coletivo. "O que é mais importante: a segurança ou a invasão da privacidade? Eu penso que a segurança está em primeiro lugar. Acho hipocrisia quem dá mais valor à privacidade", argumenta o morador do Jardim Botânico. "Ninguém está totalmente seguro, mas a câmera é mais um elemento que pode contribuir com isso."
Ao contrário de Dionísio, que nunca enfrentou a violência urbana diretamente, Joelina Rocha, 50, foi assaltada duas vezes. Ela se diz a favor do monitoramento por vídeo, mas ressalta a importância do respeito às informações pessoais. "Não concordo com invasão de privacidade, só que muita coisa acaba oculta e, com os equipamentos, elas ficam definidas. Eu me sinto mais segura. A pessoa pensa duas vezes antes de praticar crimes porque será exposta", argumenta a vendedora. "Uma câmera poderia ter evitado (a violência da qual foi vítima). Agora, em um dos lugares onde fui roubada, há esses aparelhos, e casos assim não acontecem mais", conta.
Histórico
A preocupação com as informações pessoais não é em vão. Alex Rabello, professor de proteção de dados do Ibmec Brasília, alerta que há possibilidade de vazamento de dados. "As câmeras de monitoramento e vigilância são sistemas computacionais e, por isso, estão passíveis de serem invadidas por qualquer pessoa, principalmente hackers", comenta.
Alex observa que nem todos os equipamentos contam com sistema de segurança embutido ou controle de acesso. Portanto, precisam de atualização contínua. "A LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) veio para proteger o cidadão quanto ao uso sem permissão da imagem e dos dados dele. A norma tem uma exceção, porém, para uso pela segurança pública e para fins de defesa nacional. Quando o sistema é usado em prol das pessoas, é benéfico", avalia o professor.
O projeto de videomonitoramento do DF está na quarta fase. Teve início na gestão Agnelo Queiroz, mas foi interrompido em 2014, por falta de pagamento. Em meados de 2017, no governo Rodrigo Rollemberg, o contrato acabou cancelado e, em dezembro daquele ano, outra empresa assumiu a manutenção do sistema.
No início de 2018, o Correio denunciou que, dos 451 equipamentos instalados à época, cerca de 85% não funcionavam. Cinco meses depois, a proporção caiu para 55%. Em janeiro de 2019, primeiro ano da gestão Ibaneis Rocha, o DF tinha 584 câmeras instaladas. O projeto nasceu com a proposta de ajudar a identificar suspeitos de crimes e auxiliar em investigações policiais, segundo a SSP-DF, além de permitir o acompanhamento de grandes eventos, como manifestações e apresentações musicais, bem como situações no trânsito.
Os locais de instalação dos aparelhos foram determinados com base em levantamentos feitos pela secretaria, com orientação dos responsáveis por batalhões policiais e delegacias. "Os estudos mostraram as 'manchas criminais', que apontam dias, horários e locais de maior incidência de crimes. As câmeras também são colocadas em áreas de grande circulação de pessoas e veículos, bem como nas principais vias de acesso às regiões administrativas", informou a SSP-DF, em nota.
Os equipamentos são controlados pelas equipes do Centro Integrado de Operações de Brasília (Ciob — leia Vigilância múltipla), responsável pelo acompanhamento das imagens, e de 10 Centrais de Monitoramento Remoto (CMRs), instaladas em unidades policiais das regiões administrativas. A SSP-DF afirmou que a estratégia "garante mais agilidade no atendimento à população" e não detalhou os pontos ou as cidades em que se encontram as câmeras.
Colaborou Edis Henrique Peres