Teatro Galpão Hugo Rodas

Correio Braziliense
postado em 27/05/2022 00:01

O Teatro Galpão da 508 Sul será rebatizado para Teatro Galpão Hugo Rodas. Nada mais justo. Sempre pensava, se algum dia, Hugo Rodas morrer, esse teatro precisa ter o nome dele. Aquela foi, durante várias décadas, a casa experimental do nosso bruxo emérito do teatro, que era um adolescente nato, sempre pronto para o trabalho e para a festa. Não importa a idade que tivesse, todos pareciam caretas ante a liberdade e a audácia dele.

Chegaram a cogitar o nome de Orlando Brito para o teatro, mas prevaleceu a sensatez. Orlando foi um grande fotógrafo, no entanto, não tinha a ver com artes cênicas. Teria de ser homenageado, como, de fato, foi, em uma sala de exposições da 508 Sul.

Pedimos a uma estagiária para cobrir o velório de Hugo, e ela voltou pilhada, não sabia se tinha ido a um velório ou a um bloco de carnaval. Nunca havia visto algo igual, um velório-festa, com dança, êxtase e afeto.

É porque Hugo só acreditava em deuses que sabiam dançar. Mas o repertório dele era muito rico, permitia que fizesse coisas muito diferentes, embora sempre animadas pelo espírito anárquico. Os dois últimos espetáculos de Hugo, as montagens de Os saltimbancos e O rinoceronte, apresentados antes da pandemia, eram completamente diversos e complementares.

O rinoceronte era a distopia dos humanos metamorfoseados em paquidermes, esculturas trágicas, deformadas, contorcidas e automatizadas pelo ódio e a estupidez. Como disse Hugo, era Deus com uma metralhadora nas mãos. Enquanto Os saltimbancos era a utopia de uma orquestra de malabaristas que cantam e dançam.

Hugo praticava um experimentalismo selvagem. Nem tudo que fazia saía perfeito. Mas ele era incansável, aprendia com os erros e decantava as experiências em novas invenções, sempre desafiando a si mesmo. A remontagem de Os saltimbancos é um exemplo de como ele lapidava, obsessivamente, as suas criações.

Embora uruguaio, Hugo era um brasileiro muito brasiliense. Se tornou um grande diretor brasileiro utilizando Brasília como espaço experimental das artes cênicas. E, neste sentido, foi muito importante a UnB acolher o seu talento e permitir que desse continuidade ao trabalho de mestre de várias gerações.

Apesar de lidar com a arte presencial e efêmera do teatro, eu acredito que a memória dele vai perdurar por muitas gerações. Fica bem um templo do teatro com o nome de Hugo Rodas. Ele jamais será uma múmia oficial.

Tenho a impressão de que qualquer ação ou ritual cultural que evocar o nome do nosso bruxo emérito do teatro será dionisíaco, anárquico, meio trágico, meio cômico, como se fosse dirigido, invisivelmente, por Hugo Rodas, em meio a gargalhadas da mais pura alegria de inventar e de provocar. Evoé, Hugo Rodas. Evoé, Amacaca. Evoé, Saci Wèrè.

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